08 janeiro 2008

Prancha

Na Antiguidade, a especialização era muito menor. O Mestre Construtor era uma mistura de arquitecto, mestre de obras, engenheiro, paisagista, decorador de interiores, canteiro, escultor, metalúrgico, enfim, parte daquilo que as nossas mulheres ainda hoje pretendem que nós sejamos lá em casa...

Na Idade Média e no Renascimento, as corporações de construtores em pedra também tinham estruturas (Lojas) dirigidas por Mestres construtores, que exerciam as funções de arquitecto, engenheiro e director de obra, além de assegurar também as de gestor e formador.

Como hoje, a construção de uma edificação que ultrapassasse a rusticidade implicava a prévia laboração de um mais ou menos complexo e detalhado projecto. O desenho desse projecto era, na falta de papel, executado em material durável, transportável, leve, que se transportava enrolado e que se consultava estendido sobre e preso a uma prancha de madeira. Mesmo a própria acção de desenhar o projecto era efectuada com o suporte do desenho colocado sobre e preso a uma prancha. Ali se desenhavam os planos da obra, ou, utilizando a linguagem da época, se traçavam os planos. E a prancha sobre a qual os planos eram traçados era denominada, naturalmente, a prancha de traçar.

A prancha de traçar era, pois, um indispensável instrumento do Mestre Construtor e o símbolo da sua actividade. Era o Mestre quem traçava, não os restantes operários da construção, pelo que a prancha de traçar era o instrumento do Mestre. Sempre que era preciso detalhar qualquer aspecto da obra, desenvolver qualquer solução, o Mestre ia à prancha traçar o trabalho.

A língua evolui. Uma mera questão de tempo mediou a passagem entre a expressão “ir à prancha” (traçar um projecto, desenhar um detalhe) e “fazer uma prancha”. E, quando se faz uma prancha, então a “prancha” é o trabalho feito.

A Maçonaria Especulativa herdou e desenvolveu as tradições vindas da Maçonaria Operativa, das Corporações de Construtores. Assim, na Maçonaria Especulativa o instrumento próprio do Mestre Maçon é a prancha de traçar. E o trabalho que o Mestre maçon executa e apresenta em Loja é uma “prancha traçada”. Abreviadamente, uma “prancha”.

Mas, embora sejam os Mestres quem tem a obrigação de zelar pela formação de todos os obreiros (incluindo a dos outros Mestres e a deles próprios, pois um Mestre maçon deve considerar-se um eterno aprendiz), não são só os Mestres quem apresentam trabalhos em Loja. Companheiros e Aprendizes também o fazem, como demonstração dos seus progressos na Arte Real. Todo o trabalho apresentado em Loja se denomina uma prancha. E é irrelevante para essa denominação a natureza do trabalho: pode ser um texto ou uma obra de arte, uma música ou uma peça em pedra. O que importa é que se trate de um trabalho de um maçon para maçons, que se destine a testemunhar ou a colaborar no aperfeiçoamento individual ou colectivo.

Pode ser sobre matéria de exposição ou interpretação simbólica, pode ser uma reflexão filosófica, uma manifestação artística, uma exposição científica ou uma mera divulgação factual. Feita por maçon para maçons e apresentada em Loja é uma prancha.

Rui Bandeira

1 comentário:

Paulo M. disse...

Mais um grande texto de referência a juntar aos anteriores. E eu que pensava que uma prancha era invariavelmente escrita...

Um abraço,
Simple Aureole