31 agosto 2008

Barreiras à saída da caverna

Acabo de inventar um novo ditado popular - as mensagens são como as cerejas. Não tenho dúvidas de que será utilizado durante séculos, embora nessa altura possam já não saber o que são cerejas...

O comentário que o leitor nuno_r fez ao meu "post" sobre Tolerância, fez-me recordar um artigo de Edgar H. Schein, intitulado "Organizational and Managerial Culture as a Facilitator or Inhibitor of Organizational Learning", que me atrevo a transcrever de uma forma livre.

O processo de identificação de problemas, a busca de novas possibilidades e a mudança das rotinas, requerem novas formas de pensar e de agir. Ora aqui reside um problema, já que estamos a falar de alterar os nossos modelos mentais, os nossos hábitos em termos da forma como percebemos, pensamos e agimos, e até da forma como nos relacionamos com os outros. Estamos a falar de “desaprender” algumas coisas e de aprender outras novas. Este nível de mudança envolve dois tipos de ansiedade:

Ansiedade 1

A Ansiedade 1 é o medo de aprender algo novo. A aprendizagem nos indivíduos, nos grupos e nas organizações tende para a estabilidade. Todos tendemos para “gravar” as coisas que funcionam, bem como procurar previsibilidade e significado. É de facto a todas essas rotinas estáveis, hábitos de pensamento e formas de perceber as coisas, que nós chamamos “cultura”. Nós tendemos a procurar a novidade só quando a nossa situação está bem estabilizada e controlada.

A instabilidade e imprevisibilidade ou falta de significado são-nos desconfortáveis e criam ansiedade – a ansiedade 1-, ou medo de mudar, baseado essencialmente no medo do desconhecido. Esta é claramente uma situação que tendemos a evitar.

Ansiedade 2

Mas se, tal como todos vemos e prevemos, as mudanças económicas, politicas, tecnológicas e sócio-culturais estão elas próprias a tornar-se mais turbulentas e imprevisíveis, então vão surgir permanentemente novos problemas o que significa que as soluções que temos “gravadas” vão ser desadequadas. É possível assim descobrir que se não mudamos e aprendemos a aprender, as coisas vão-se complicar para o nosso lado. Isto levamos à Ansiedade 2 – a sensação desconfortável de que para sobreviver e ser bem sucedido, necessitamos de mudar e que se isso não ocorrer, poderemos falhar

Em resumo:

  • Ansiedade 1 – receio de mudar, de deixar as rotinas que temos já dominadas e de nos aventurarmos em terrenos que não conhecemos.
  • Ansiedade 2 – receio das consequências de não mudar. Se eu me mantiver tal como estou, estando tudo a mudar, o que é que me vai acontecer…

Perante tudo que foi exposto acima, parece ser evidente que só há mudança quando a ansiedade 1 é inferior à ansiedade 2, ou seja, o meu medo de mudar é inferior ao medo que tenho das consequências de não mudar. Daqui resulta também que é possível utilizar tudo isto de uma forma positiva ou de uma forma negativa, diria quase "maquiavélica". Importa perceber como:

  1. Reduzindo a ansiedade 1 - Esta é uma abordagem positiva já que acredita no potencial das pessoas e na sua capacidade para se adaptar a novas situações. Como é que isto se faz? através de políticas correctas de gestão de erros - não deve ser penalizado o erro que esteja dentro de limites aceitáveis; através de incentivos que levem as pessoas a querer mudar; através de formação, que faça as pessoas sentirem-se mais confiantes na sua capacidade de se adaptarem. Há contudo casos em que não é possível actuar unicamente através da ansiedade 1 - todos conhecemos situações em que o nível de ansiedade 2 é de tal forma baixo, que há um sentimento de quase imunidade - nestes casos, torna-se muito difícil reduzir o nível de ansiedade 1 para valores ainda mais baixos.
  2. Aumentando a ansiedade 2 - Se fizermos um inquérito junto das elites dirigentes do nosso país (e dos outros), provavelmente a conclusão será que "de um modo geral, todos utilizam só a ansiedade 1"; escrever num Blog dá-nos estas liberdades e eu atrevo-me a discordar. Tal como no caso da tolerância, também aqui parece haver uma diferença entre aquilo que gostaríamos de utilizar e o que realmente fazemos. É muito humano o dar muito mais ênfase às atitudes negativas do que às positivas - há quem diga que são mais marcantes e portanto ficam gravadas mais profundamente na nossa memória...
  3. Actuando simultaneamente sobre as duas ansiedades - talvez a posição mais razoável seja actuar simultaneamente sobre as duas ansiedades, dando prioridade à ansiedade 1 e estabelecendo limites máximos para a ansiedade 2. Qual é o ponto ideal de equilíbrio? Não faço ideia ... levo anos a tentar encontrá-lo e estou consciente de só ter conseguido até agora equilíbrios "menos maus".

Também aqui, talvez os leitores do Blog possam dar uma ajuda, se se atreverem a sair da caverna.

Respondendo ao nuno_r, podemos fazer constar que "vamos inundar as cavernas" e com isso aumentar a ansiedade 2, mas talvez seja preferível optar por outra estratégia. Como os níveis de ansiedade são diferentes, de pessoa para pessoa, teremos possivelmente de fazer "trabalho de alfaiate", ou seja, um traje à medida de cada um.

Saudações
A. Jorge

P:S: - Edgar, quando vieres ao Blog ... desculpa. Não tive intenção de maltratar as tuas ideias, embora o possa ter feito.

4 comentários:

Nuno Raimundo disse...

Boas...

Bem apanhado o artigo e uma boa lição que aprendi. :)
De facto a Ansiedade e o Medo que se tem em mudar são de facto o mais importante a ter em conta. Nem sempre ter vontade de mudar é suficiente, poderá ter de haver um catalisador para tal.
Ma de facto gostei do que li e Aprendi.

Quanto ao "alfaiate", nem todos somos talhados para tal, existem uns melhor que outros e que têm formas de ensinar que muitos gostariam de ter. Um dos motivos de eu visitar este blog, é que sempre que cá venho, levo sempre uma "roupagem" melhor... :)


OBS: o meu comentário no post anterior era mais direcionado á alegoria que à Tolerância.

abr...prof...

Jose Ruah disse...

EH la !!!! o homem gostou mesmo disto de escrever no blog. qundo voltar leio com mais atencao.

A. Jorge disse...

Nuno - eu não sou professor de ninguém , nem sequer dos meus alunos - acho é que nós os Aprendizes devemos partilhar o pouco que sabemos entre nós - é um acto de solidariedade entre iguais, se quiser. Se o que escrevi, ajudou, então já valeu a pena. Obrigado pelas suas palavras.

José Ruah - Foi liberto um monstro "Bloguista" de consequências imprevisíveis...

J.Paiva Setúbal disse...

Meu Caro A.Jorge, a propósito de "Tolerância".
Tinha acabado de "postar", há pouco, quando me entrou no correio este texto girissimo:

Oito da noite, numa avenida movimentada. O casal já está atrasado para um jantar.
A morada é nova bem como o caminho que ela consultou no mapa,antes de sair. Ele conduz o carro. Ela orienta e pede para que vire na próxima à esquerda. Ele tem a
certeza de que é à direita. Discutem. Percebendo que, além de atrasados poderão ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida. Ele vira à direita e percebe, que estava errado.
Embora com dificuldade, admite que insistiu no caminho errado,
enquanto faz o retorno.
Ela sorri e diz que não há nenhum problema se chegarem alguns minutos
atrasados.Mas ele ainda quer saber:
- Se tinhas tanta certeza de que eu estava errado,devias ter insistido um pouco mais... E ela diz:
- Entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz. Estávamos à beira de uma discussão; se eu insistisse mais, teríamos estragado a noite!

MORAL DA HISTÓRIA
Esta pequena história foi contada por uma empresária, durante uma
palestra sobre simplicidade no mundo do trabalho.
Ela usou a cena para ilustrar quanta energia nós gastamos apenas para demonstrar que temos razão, independentemente de tê-la ou não. Desde que ouvi essa história, tenho-me perguntado com mais frequência:
'Quero ser feliz ou ter razão?'
Outro pensamento parecido diz o seguinte: 'Nunca se justifique. Os
amigos não precisam e os inimigos não acreditam.'