17 fevereiro 2010

Ansiedade


Um nosso leitor "brasileiro, nascido no Estado de São Paulo" contactou-me pedindo que escrevesse algo sobre o tema da ansiedade.

Não é propriamente um tema diretamente relacionado com a Maçonaria e só marginalmente poderá ser associado a ela - abaixo procurarei mostrar como.. Mas o pedido foi formulado de forma tão simpática e tão eloquentemente fundamentado, que não posso deixar de a ele corresponder.

Vejamos então o que a um maçom se oferece escrever sobre a ansiedade...

A ansiedade não é um defeito - é um estado de espírito que a todos pode acometer - e seguramente que a todos já acometeu. Em bom rigor, tal como o medo é uma arma que a natureza nos confere em prol da nossa preservação e segurança, a ansiedade é uma munição posta à nossa disposição para aguçar o nosso espírito, prepararmo-nos para o que aguardamos que venha aí. Em si mesma, a ansiedade não é boa, nem má - é um facto da vida.

Porém, a ansiedade excessiva ou injustificada, essa sim, é um problema que devemos aprender a ultrapassar e a dominar.

Muitas vezes confunde-se ansiedade com impaciência. São semelhantes - mas diferentes. A impaciência desespera da espera. A ansiedade não decorre propriamente da espera, mas do desejo - ou temor - do que se aguarda que aí venha. Passa por cima da espera para se fixar diretamente no que se aguarda esteja para além dela.

Salvo quando patológica ou injustificada, a ansiedade é natural e boa: prepara-nos para o que aí vem. Sabendo-se que algo de novo (agradável, desagradável, ou simplesmente desconhecido) vai surgir, a ansiedade ajuda-nos a prepararmo-nos. Antevemos o momento feliz ou temido. Imaginamos e antecipamos como podemos reagir.

Muitas vezes também a ansiedade se enlaça e se confunde com o temor do desconhecido. Não se sabe se o que aí vem é bom ou mau, se nos fará felizes ou infelizes, se melhorará as nossas condições ou nos dificultará a vida. Mas uma e outro, ainda que possam coexistir, são diferentes: a ansiedade prepara-nos, alerta-nos; o temor do desconhecido apenas nos paralisa...

Na vida, temos muitas vezes que fazer opções sem que tenhamos todos os dados disponíveis. Temos que assumir riscos. Que, por muito calculados que sejam, continuam a ser riscos... Ainda que as probabilidades de uma opção ter um resultado favorável sejam de 99 %, isso não é propriamente um grande conforto para aquele que acaba por se deparar com a ocorrência do 1 % restante...

Aquele que experiencia alguma ansiedade pelo resultado da sua opção, se for só isso e se for na medida certa, utiliza esse seu estado para se preparar para aproveitar o que de bom ocorra ou para minimizar o que de indesejado suceda. Aquele que se queda pelo temor, pela indecisão, pela paralisia, enquanto não vê o resultado da sua opção, nada está a influenciar no seu destino: limita-se a suportar o que a sorte ou as circunstâncias lhe vierem a colocar no seu caminho.

Também por vezes erradamente se designa por ansiedade o estado em que a pessoa se encontra quando tem de escolher entre duas opções, dois caminhos, duas ações. Isso não é ansiedade - é indecisão. E a indecisão ultrapassa-se... decidindo! Decidindo o melhor possível, em face dos elementos disponíveis. E, uma vez lançados os dados (alea jacta est, frase célebre atribuída a Júlio César), então, sim, pode-se ficar ansioso e porventura será bom que se fique ansioso: a opção foi feita, cumpre-nos prepararmo-nos o melhor possível para a consequência - boa ou má - que resultar da nossa escolha.

Em Maçonaria, aprendemos a gerir e a não confundir a positiva, desde que equilibrada, ansiedade, com a impaciência nem com a indecisão, nem com o temor do desconhecido. E o maçom aprende a fazê-lo... mesmo antes de o ser: o candidato à iniciação tem de aguardar algum tempo, por vezes bastante, outras vezes muito, algumas outras muitíssimo, até saber a decisão sobre a sua candidatura.

Tomada a decisão de pedir a iniciação, já não é a indecisão que o assalta. Não deve ser a impaciência a aguilhoar o seu espírito: não ganha nada com isso, não depende dele... Também não se justifica qualquer temor, embora desconheça o que aí vem - é-lhe garantido que nada do que aí vier porá em causa a sua segurança ou dignidade ou convicções. No entanto, durante todo o tempo de espera, a ansiedade está lá - e é bom que esteja: alerta-o para melhor viver o que virá a viver, desperta-o para melhor aprender o que virá a aprender, prepara-o para melhor fruir o que virá a fruir.

Na Maçonaria, como na vida, a ansiedade não é para ser evitada, nem lamentada: é para ser dominada e aproveitada!

Rui Bandeira

4 comentários:

Ferra Mula disse...

Ir.'.Rui Bandeira,

Muito se escreve sobre a Tolerância.
Gostaria muito que o Ir.'. fizesse uma peça de arquitetura sobre a Intolerância.
É sabido que a Tolerância é uma virtude que deve ser praticada pelos IIr.'., mas me parece que do ponto de vista global, a intolerância é o mal do século que se findou e continua mais evidente em nossos dias.

Agradeço atenção do Ir.'.
T.'.F.'.A.'.
Airton da Fonseca

Alexandre disse...

A música “Barco Negro” da Amália diz tudo acerca da ansiedade.
Tal como a minha.
E mais não digo, a musica está neste site e responde por mim. Um simples calhau mal talhado.
O que falta construir precisa de muita pedra, até das pequenas.

Rui Bandeira disse...

@ Blog do Ferra Mula:

Irmão Airton, vou procurar corresponder ao seu pedido. Mas, por razões de programação de textos, o tema sugerido não será abordado antes de 10 de março.

@ Alexandre:

Calhaus mal talhados somos todos nós! O que importa é aparelhar esses calhaus e dar-lhes a forma, a lisura e a beleza dignas de virem a figurar no Templo da Criação.

Temos toda uma vida para isso!

Alexandre disse...

Caro Rui Bandeira
Mesmo sem ser seu irmão construtor, faço do meu dia a dia os possíveis para me alisar ao menos um pouco, tenho a plena consciência que, apesar dos meus esforços não deixo de ser uma pedra ainda mal talhada, ao mesmo tempo tenho o dever de alterar tal situação.
Manda a minha maneira de ser.