25 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIII

Na Reunião Trimestral todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão, serão serena, tranquila e maduramente discutidos e decididos. Só aqui os Aprendizes deverão ser elevados a Mestre e Companheiros, exceto se tal for dispensado. É aqui também, que todas as diferenças, que não possam ser conciliadas e resolvidas particularmente ou pela respetiva Loja, deverão ser consideradas e resolvidas; e se algum Irmão se sentir lesado pela decisão aqui tomada, pode apelar para a Reunião Anual seguinte da Grande Loja, fazendo o seu apelo por escrito, ao Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou Grandes-Vigilantes. 
Os Mestres ou Vigilantes de cada Loja deverão trazer ou organizar uma lista dos membros iniciados ou admitidos na mesma Loja desde a última Reunião da Grande Loja; deverá haver um livro, mantido pelo Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou por algum Irmão nomeado pela Grande Loja como Secretário, onde todas as Lojas deverão ser registadas, com as respetivas data e local onde foi criada, e os nomes de todos os membros de cada Lojas. Também aí serão anotadas todas as decisões da Grande Loja, suscetíveis de registo. 
Deve também decidir qual o mais prudente e melhor método de arrecadar e dispor do dinheiro recebido, ou depositado, destinado à caridade e auxílio para algum Irmão que tenha caído na pobreza ou penúria, e para ninguém mais. Cada Loja deve dispor dos seus fundos destinados a caridade, para auxílio a algum Irmão pobre, de acordo com o seu próprio regimento interno. Até que todas as Lojas estejam de acordo sobre um novo método (com uma nova regulamentação) de como fazer chegar esses fundos arrecadados pelas Lojas à Grande Loja, para que numa Reunião Trimestral ou Anual, se decida como criar um fundo comum para melhor auxílio dos Irmãos pobres. 
Deve também nomear um Tesoureiro, um Irmão de confiança, que deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do cargo, e que deverá estar sempre presente, e que poderá levar para a Grande Loja o que entender, especialmente o relacionado com seu cargo. Deve ser-lhe entregue todo o dinheiro destinado a caridade, ou para qualquer outro uso da Grande Loja, e que ele deverá registar num livro mencionando os fins e usos a que cada montante se destina. Os quais entregará mediante uma ordem assinada, nos termos em que a Grande Loja acordar, estabelecendo uma nova Regra. 
O tesoureiro não pode votar para a escolha do Grão Mestre ou Vigilantes, embora o possa fazer em qualquer outro assunto. 
De igual modo o Secretário deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do seu cargo, podendo votar em qualquer situação, exceto na escolha do Grão Mestre ou Vigilantes. 
O Tesoureiro e o Secretario terão cada, um assistente, que deverá ser um Irmão ou Companheiro, mas nunca um membro da Grande Loja, não podendo falar sem lhes ser permitido ou pedido. 
O Grão Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, supervisionam o Tesoureiro e o Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos os assuntos, e decidir o que deverá ser feito em qualquer emergência. 
Outro Irmão, que deve ser um Companheiro, deverá ser nomeado guarda da entrada da Grande Loja, mas não deverá ser membro desta. 
Estas funções deverão ser mais tarde explicitadas através de uma nova Regra, quando a necessidade e a conveniência as tornarem mais prementes para a Fraternidade. 

Esta extensa Regra XIII regula as competências da Assembleia de Grande Loja. Denota um estado organizativo ainda incipiente, decalcado das práticas e formas organizativas herdadas da Maçonaria Operativa. 

De qualquer forma, embora a evolução do tempo e o crescimento da Fraternidade tenham imposto alterações significativas,, nesta Regra se encontram as sementes de muito do que existe e hoje se pratica.

Naquela época pioneira, com vinte Lojas agrupadas na Grande Loja de Londres e Westminter, concebia-se que nas Assembleias de Grande Loja se discutissem "todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão". Hoje, mesmo numa relativamente pequena Obediência, como a GLLP/GLRP, com perto de cem Lojas, seria manifestamente impossível discutir "serena, tranquila e maduramente" - e, sobretudo, eficientemente - todas os possíveis assuntos diários da Grande Loja, das Lojas e dos obreiros, abarcando do geral ao particular, passando pelo intermédio, toda uma vasta gama de possibilidades, interesses, propostas e situações, a menos que cada Assembleia fosse uma maratona de, pelo menos, uma semana de duração - sem intervalos! O que, convenhamos, impediria a análise serena, tranquila e madura de tudo o que ultrapassasse a normal duração de umas horas de uma assembleia... Imagine-se então como seria nas Grandes Lojas com centenas ou milhares de Lojas e dezenas ou centenas de milhar de obreiros...

Hoje, os assuntos individuais e de Loja resolvem-se em Loja. Quando surjam problemas que não possam ser resolvidos, atenuados ou tratados a esse nível, são transmitidos ao Grande Oficial competente para lidar com esse assunto em concreto. Os conflitos que surjam são regulados em Loja, com recurso para o Tribunal de Apelação. As Assembleias de Grande Loja são reservadas para o debate e deliberação das questões que transversalmente respeitem a toda a Obediência, incluindo, naturalmente, a eleição do Grão-Mestre, do Grande Tesoureiro e demais Grandes Oficiais que devam ser eleitos e a posse de todos os Grandes Oficiais.

E evidentemente que hoje já não se leva para a Assembleia de Grande Loja a lista dos obreiros que, desde a última Assembleia, foram iniciados, passados e elevados, por evidente inutilidade de tal. Estes dados são oportunamente comunicados pelo Secretário da Loja à Grande Secretaria (hoje funcionando com o auxílio de profissionais a tempo inteiro) e devidamente registados e atualizados os arquivos e listagens existentes.

Nesta Regra refere-se expressamente o ofício de Hospitaleiro (e de Grande Hospitaleiro), o oficial encarregado de coordenar a atividade beneficente da Loja e da Grande Loja. Mas note-se que os fundos para beneficência naquela época se destinavam exclusivamente a obreiros "que tenham caído na pobreza ou na penúria, e para ninguém mais". Os fundos não chegariam para mais, então... Progressivamente a atividade beneficente da Maçonaria alargou-se às viúvas e filhos de maçons e a obras sociais ou de assistência que os maçons considerem dever apoiar ou fomentar.

Naquela época, o Tesoureiro não era, como hoje na GLLP/GLRP, eleito, mas nomeado, embora pela Assembleia. Há uma diferença entre eleição, que pressupõe candidaturas e votação, e nomeação, que pressupõe proposta e aceitação, por deliberação, eventualmente com recurso a votação.

Assinale-se, por outro lado, que, na época, os Grande Vigilantes eram eleitos, eram representantes das Lojas, enquanto que hoje são nomeados pelo Grão-Mestre.

Não subsiste o impedimento de o Grande Tesoureiro e o Grande Secretário votarem para a eleição do Grão-Mestre, até porque hoje, designadamente na GLLP/GLRP, a eleição para Grão-Mestre é efetuada pelo universo de todos os Mestres em good standing, segundo o universal princípio democrático de"um homem, um voto".

Por outro lado, permanece - e bem - a regra de que todos os fundos, quer os administrativos, quer os destinados a beneficência, ficarem à guarda do Tesoureiro, embora, naturalmente, deva ser feita a destrinça entre uns e outros. Ao Hospitaleiro e ao Grande Hospitaleiro compete a aplicação prudente e criteriosa dos fundos disponíveis para beneficência, não a sua guarda.

Esta Regra institui ainda o conceito de Assistentes de Grandes Oficiais, na época em relação apenas ao Grande Secretário e ao Grande Tesoureiro, hoje aplicada em relação a todos os Grandes Oficiais cujas responsabilidades aconselham sejam auxiliados por um ou mais Assistentes.

O Guarda Externo - ofício existente nos ritos ingleses e deles derivados (e não existente, por exemplo, no Rito Escocês Antigo e Aceite, que dispõe de Guarda Interno, isto é, no interior da sala de reuniões e, assim, participando na integralidade de todas as reuniões) - era então efetuado por um Companheiro, isto é, o que hoje corresponde a um Mestre da Loja, mas não o seu  Venerável Mestre. Hoje, os ofícios de Guarda Externo e de Guarda Interno são normalmente assegurados por Mestres - e, em regra, no REAA, por Mestres experientes, já que, tradicionalmente, e sempre que possível, o Guarda Interno é o Past Venerável Mestre do ano anterior (portanto o Venerável Mestre de dois anos antes), em simbólica transição dos ofícios mais complexos para o ofício mais humilde e menos exigente, demonstrativa de que, para qualquer maçom, incluindo os que exerceram ofícios de maior responsabilidade, nenhum ofício, nenhuma tarefa, é considerada menor.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 138- 139.


Rui Bandeira

18 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII

A Grande Loja consiste, e é formada, por Mestres e Vigilantes de todas as lojas registadas, com o Grão-Mestre presidindo, o seu Vice-Grão-Mestre à sua esquerda, e os Grandes Vigilantes nos seus respetivos lugares e deverá fazer uma Reunião Trimestral pela Festa de São Miguel, Natal e Dia de Nossa Senhora, em lugar escolhido pelo Grão-Mestre; onde nenhum Irmão, que não seja nesse momento membro dessa Loja, deverá estar presente, exceto se tiver autorização; e, neste caso, se estiver presente não lhe será permitido votar, nem emitir opinião, exceto se pedir permissão e esta lhe for concedida pela Grande Loja, ou que esta lhe seja pedida pela (Grande) Loja. Todas as decisões, da Grande Loja, deverão ser tomadas pela maioria dos votos, cada membro tendo um voto, e o Grão-Mestre dois votos. Exceto se a (Grande) Loja delegar no Grão-Mestre determinada matéria em particular, por uma questão de eficiência.

Esta regra determina os requisitos e forma de organização das sessões de Grande Loja. Com evidentemente necessárias alterações (na época, a Grande Loja dos Modernos agrupava vinte Lojas; hoje, a GLLP/GLRP, uma pequena Obediência de um pequeno país agrupa mais de noventa e a Grande Loja Unida de Inglaterra conta nos seus registos com vários milhares de Lojas), estipula os princípios que ainda hoje são seguidos nas Grandes Lojas maçónicas de todo o Mundo, enquadrando as variantes que os costumes locais foram propiciando.

A Grande Loja é assim uma assembleia de representantes das Lojas, como que o Parlamento da Obediência, com o poder decisório, designadamente legislativo (regulamentar) e eletivo, soberano na respetiva organização maçónica. A forma e número de representantes das Lojas variam, hoje em dia, de Obediência para Obediência. No caso da GLLP/GLRP, as Lojas que tenham nos seus quadros até quinze Mestres efetivos em situação regular (as Lojas mais pequenas ou em fase de lançamento) têm direito a um representante na Assembleia de Grande Loja, em regra o seu Venerável Mestre; as Lojas com mais de quinze e até vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a dois representantes, habitualmente os seus Venerável Mestre e Primeiro Vigilante; as Lojas com mais de vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a três representantes, normalmente os seus Venerável Mestre e os dois Vigilantes.

Sempre que haja impedimento de um dos normais representantes da Loja, pode qualquer dos seus representantes normais ser substituído por qualquer dos Mestres da Loja em situação regular, mediante delegação do seu Venerável Mestre, ouvida a Loja, comunicada à Grande Secretaria por escrito com, pelo menos, vinte e quatro horas de antecedência, em relação ao início da Assembleia de Grande Loja.

As reuniões, ou sessões, da Assembleia de Grande Loja têm lugar trimestralmente, em março, junho, setembro e dezembro, normalmente no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício que ocorre em cada um desses meses. Na Regra original mencionam-se as três reuniões trimestrais, por volta da Festa de S. Miguel (equinócio de outono, no hemisfério norte), Natal (solstício de inverno no dito hemisfério) e, na Inglaterra da época, dia de Nossa Senhora (equinócio da primavera, na metade norte do globo terrestre). No trimestre restante, por volta do dia de S. João Batista (solstício de verão na parte norte do planeta), decorre a mais importante ou festiva Assembleia, originalmente a Assembleia Anual.

As assembleias de Grande Loja destinam-se aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais com assento nelas. No rigor regulamentar, só excecionalmente podem assistir outros obreiros. Mas a exceção é, na prática, a regra: na GLLP/GLRP, todos os obreiros da Obediência (Mestres, Companheiros e Aprendizes) que queiram e possam podem tomar parte nos trabalhos e é fomentado que assim suceda. O cerimonial do Ritual de Grande Loja, a reunião e convivência de obreiros de todo o País são fatores de entrosamento dos mais novos e de agradável reencontro dos mais antigos, que amplamente compensam os custos adicionais de se ter de providenciar salas de reuniões aptas a acomodarem várias centenas de obreiros! Evidentemente que o direito de uso da palavra é restrito aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais e o direito de voto exercido apenas pelos representantes das Lojas...

Naturalmente que as deliberações são formadas em função da maioria dos votos expressos em relação a cada assunto sujeito a deliberação - algo que hoje temos por natural, vulgar e intuitivo, mas que não era tanto assim no século XVIII...

A Assembleia de Grande Loja, para além de órgão decisor soberano de uma Obediência maçónica, é assim um periódico pretexto para o convívio dos maçons de todo o país da respetiva Obediência, fator de coesão importante entre os maçons. No rever periódico de Irmãos que muitas vezes só nessas ocasiões se encontram se forjam os laços de amizade e solidariedade que são caraterísticos dos maçons - e que os profanos tanto criticam, sem outra razão plausível que não a inveja pela sua incapacidade de lograrem tão amplamente a geração de tão fortes laços. Assim se consegue que um maçom nunca esteja só em qualquer parte do mundo onde haja outro maçom: sobrevindo necessidade ou simplesmente em honra da cortesia, hospitalidade ou simples convívio, onde quer que esteja tem o apoio, a palavra amiga, se necessário o auxílio, de outro Irmão - por vezes ambos não se conhecendo ou apenas se conhecendo de vista... de alguma Assembleia de Grande Loja!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.


Rui Bandeira

16 julho 2012

O "Grande Arquiteto Do Universo" é uma divindade maçónica?


É conhecido o facto de os maçons se referirem ao Criador como o "Grande Arquiteto Do Universo". Todavia, muitos equiparam essa expressão a outras, próprias de cada culto ou religião, no sentido de considerar o "Grande Arquiteto Do Universo" uma "divindade maçónica", assim como se pode dizer que Krishna é o nome de uma divindade Hindu, Allah o nome da divindade muçulmana, ou YHVH o nome da divindade judaica.

A expressão "falsos deuses" é paradigmática de uma postura de intolerância perante uma fé distinta da de cada um, segundo a qual "se o meu Deus é o verdadeiro, os dos outros só podem ser falsos". A postura da maçonaria a este respeito é a de que a Divindade é única, não obstante cada um Lhe chamar nomes diferentes. Assim, para um maçon não há "falsos deuses", mas antes distintas interpretações do divino; se são falsas ou não, é matéria não de discussão, mas de respeito e tolerância pela diferença e diversidade.

É natural, porém, que quando pensamos em "Allah" evoquemos as características que Lhe são atribuídas pelos seguidores do Islão, e um fiel de uma religião estranhe que se chame ao "seu" Deus uma coisa diferente daquela a que está habituado. No entanto, como fazer se cada um se refere ao Criador de um modo diferente?

Ao adotar a expressão "Grande Arquiteto Do Universo", a maçonaria não pretendeu "criar uma nova divindade", ou substituir o Deus de cada um. Pelo contrário, cada maçon é instado a cumprir com os preceitos da sua fé.

Procurei um paralelismo para explicar o conceito, e creio que o encontrei: o "Grande Arquiteto Do Universo" é um pouco como o "Dia da Mãe". No Dia da Mãe não se comemora alguém que todos reconheçam como "mãe universal"; pelo contrário, cada um comemora, sob a égide do termo universal "Mãe", ninguém menos do que a sua própria mãe - cada um a sua!

O mesmo se passa com o Grande Arquiteto do Universo. Não é um novo Deus; é o mesmo Deus que cada um já conhece, sob um nome que a todos sirva.


Paulo M.

11 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XI

Todas as Lojas devem observar procedimentos iguais, tanto quanto for possível; para tal e para criar um bom entendimento entre os Maçons, devem ser mandatados membros das Lojas para visitar outras Lojas, tão frequentemente quanto as Lojas acharem conveniente.

Esta Regra institui e constitui a origem de uma prática que é inerente à Maçonaria e à condição de maçom: a visita a outras Lojas.

Todo o maçom tem o dever de assiduidade, isto é, de comparência às sessões da sua Loja.  E, teoricamente, pode viver toda a sua vida maçónica, com aproveitamento, apenas frequentando a sua Loja, o seu grupo, com que partilha trabalhos e estudos, que influencia e de que recebe influência.

Mas indubitavelmente que a sua vida maçónica, a sua visão da realidade da Maçonaria, se alarga, aumenta em acuidade, se visitar outras Lojas além da sua. Com essa diligência, o maçom adquire a noção de como a prática das diferentes Lojas é, ao mesmo tempo, semelhante, uniforme, mas diferente. Ou seja, como a base de funcionamento das Lojas maçónicas é semelhante, segue um padrão comum (mesmo quando as Lojas trabalham em diferentes ritos), mas como essa uniformização não prejudica, antes permite e, quiçá, potencia diferentes práticas, diversas prioridades, subtis variantes de organização e atuação, que permitem verificar como é possível criar a diferença dentro da semelhança.

Ao visitar outras Lojas, o maçom adquire assim a noção de que não existe uma forma única de pensar e de trabalhar, que, mesmo seguindo um padrão comum, é uma riqueza incalculável da natureza humana a sua capacidade de variar, de fazer o mesmo diferentemente, de seguir as mesmas regras para atingir diferentes objetivos, prosseguir prioridades diversas. Em suma, que, dentro do plano geral de uma organização tendencialmente universal, há espaço - e pretende-se isso mesmo, que assim suceda! - para tantos projetos quantas as Lojas, que não há uma maneira "certa" de fazer as coisas, mas antes que cada Loja tem a forma de trabalhar que, para si, é a conveniente, que as diferenças entre as Lojas não tornam umas melhores ou piores do que as outras, simplesmente cada uma é a adequada para quem lá está se aperfeiçoar, se desenvolver, progredir ética e espiritualmente.

Visitar outras Lojas pode começar por ser uma simples - e muito humana - questão de curiosidade (vamos lá ver como eles fazem), mas acaba por reforçar aquela que é a caraterística distintiva do maçom que se preze de o ser: a Tolerância, a aceitação da diferença e, mais do que apenas isso, a consciência da riqueza da diferença, da diversidade, das variantes.

 Originalmente, a regra previa que as visitas fossem efetuadas por representantes formalmente mandatados pelas Lojas. A evolução fez com que, nos nossos dias - e já desde há muito - qualquer Mestre Maçom possa visitar e, frequentemente, visite outras Lojas por sua iniciativa e a título individual. Quanto aos Companheiros e Aprendizes, a regra é de que as suas visitas ocorram acompanhados por um Mestre da sua Loja (mas esta regra, designadamente em relação aos Companheiros, não é universal: por exemplo, na Alemanha, quando o maçom é passado a Companheiro, recebe um passaporte, um documento identificativo da sua sua condição e da Loja a que pertence, com uma mensagem do Venerável Mestre da sua Loja, pedindo às outras Lojas que recebam em visita esse Companheiro; é uma das condições necessárias para que possa ser elevado a Mestre que efetue, pelo menos, duas visitas a duas Lojas diferentes, que devem ser certificadas nesse passaporte, como forma de garantir que todo o Mestre Maçom, quando o seja, conhece já que há diferentes formas de trabalhar, diversas práticas, distintas realidades).

Sendo livre a visita a outras Lojas, há, no entanto, que garantir que quem visita uma Loja, quem pretende participar nos seus trabalhos, é efetivamente maçom, no pleno gozo dos seus direitos dessa condição, e maçom do grau que declara ser. Por isso, quando se visita uma Loja, a não ser que se seja já pessoalmente conhecido e reconhecido por um obreiro dessa Loja, que se responsabiliza pela condição de maçom e pelo grau do visitante,  deve o visitante ir munido de um "certificado de good standing", isto é, uma declaração emitida pelo Secretário da sua Loja, certificando que o portador é obreiro dessa Loja, qual o seu grau e que se encontra no pleno gozo dos seus direitos maçónicos. Se a visita for realizada a uma Loja de outra Obediência, deve ainda o visitante ser portador do seu passaporte maçónico, emitido pela Grande Secretaria da sua Obediência, documento pelo qual comprova que integra uma Obediência que mantém relações maçónicas com a Obediência da Loja visitada.

Estes documentos são indispensáveis, mas não necessariamente suficientes. Os obreiros da Loja visitada têm o direito (ou, quiçá, mesmo o dever) de se assegurar, pela forma tradicional, que quem se apresenta como visitante é quem diz ser, e tem o grau maçónico que afirma possuir. Pode (deve) assim o visitante ser telhado, isto é, interrogado (em regra pelo Guarda Interno ou pelo Guarda Externo, nos ritos que utilizam este ofício, mas também podendo tal diligência ser efetuada diretamente pelo Venerável Mestre da Loja ou ser por este delegada em qualquer outro obreiro da Loja), devendo, pela forma tradicional, mostrar saber fazer-se reconhecer como maçom e como maçom do grau que afirma ter. As Lojas inglesas são conhecidas pelo rigor que põem nesta diligência...

Não é obrigatório, mas é da praxe que, sempre que lhe seja possível, previamente informe a Loja a que pertence de uma visita que projete realizar (ou, se tal não for possível, pelo menos previamente informe o Venerável Mestre da Loja), para que, designadamente, o Venerável Mestre da Loja o possa encarregar de transmitir as fraternais saudações da Loja e do seu Venerável Mestre aos Irmãos e Venerável Mestre da Loja visitada. Similarmente, após a visita, é também da praxe que o maçom informe a sua Loja da efetiva realização da mesma e, sendo caso disso, como quase invariavelmente é, transmita à Loja as saudações da Loja visitada e os cumprimentos do seu Venerável Mestre ao Venerável Mestre da sua Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

10 julho 2012

Uma (nova) idade das trevas?




É conhecida a expressão "Idade das Trevas" como referência à Baixa Idade Média (séc. XI a séc. XV). Neste período de generalizado analfabetismo, o estudo era privilégio de uns quantos, e o conhecimento transmitido quase sempre em contexto monástico - e objeto de rigorosa filtragem de conteúdos que pudessem contrariar statu quoos dogmas vigentes. Não obstante, a produção intelectual e científica não cessou, e os avanços então decorridos vieram a constituir a base da Ciência Moderna.

O Iluminismo, movimento que surgiu no século XVIII de entre a elite dos intelectuais europeus da época, procurou promover a razão, o intercâmbio intelectual a ciência, opondo-se ferozmente à superstição, à intolerância e aos abusos por parte do poder vigente. Kant definiu assim o Iluminismo: "O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo".

O fogo iluminista varreu a Europa e propagou-se à América. Muitos países, porém, viriam a manter-se arredados dos seus princípios até aos dias de hoje. "É uma questão de tempo", poderíamos dizer, "até que os povos atinjam a maturidade necessária; quando isso suceder, reclamarão para si também o que outros conquistaram já." Infelizmente, a história recente vem apontar-nos uma alternativa bem menos risonha.

Nos Estados Unidos da América - um dos países que nasceu, precisamente, do Iluminismo, e fundado nos seus princípios - há, hoje em dia, uma considerável fatia da população anti-intelectual que, evidentemente, renega e rejeita esses mesmos princípios. Ainda muito recentemente foi notícia o facto de o Partido Republicano, no Texas, ter publicado a sua "plataforma de princípios", dos quais consta este:
"Knowledge-Based Education – We oppose the teaching of Higher Order Thinking Skills (HOTS) (values clarification), critical thinking skills and similar programs that are simply a relabeling of Outcome-Based Education (OBE) (mastery learning) which focus on behavior modification and have the purpose of challenging the student’s fixed beliefs and undermining parental authority."

Numa tradução livre: "Educação baseada no Conhecimento - Somos contra o ensino de «Competências Elevadas de Raciocínio», proficiência de pensamento crítico e programas semelhantes, que não passam de novos nomes para «Educação Baseada em Resultados» que se focam na modificação do comportamento e têm o propósito de desafiar as crenças do aluno e minar a autoridade dos pais." Vejamos agora o que isto quer dizer.

De acordo com a taxonomia de Bloom, há seis níveis de objetivos educacionais: o conhecimento, a compreensão, a aplicação, a análise, a síntese e a avaliação. As "Competências Elevadas de Raciocínio" são, então, a análise, a síntese e a avaliação. Estes três níveis de proficiência são os mais importantes para o pensamento crítico.

A "Educação Baseada em Resultados" passa pela definição de aptidões que os alunos devem adquirir e pelas quais são avaliados, por oposição à educação tradicional mais centrada na memorização e aquisição de conhecimento. Os alunos são, assim, avaliados de acordo com a capacidade de executar determinadas tarefas mensuráveis - como, por exemplo, a capacidade de correr 50 metros em menos de um minuto - e não pelos inputs recebidos - como o número de aulas assistidas, ou os livros lidos.

As "crenças" de que se fala (fixed beliefs") são aquelas que definem o indivíduo e estabelecem a sua identidade; constituem a imagem que temos de nós mesmos, dos outros e das circunstâncias da vida e que de tão repetidas ao longo do tempo se tornaram arraigadas e difíceis de alterar.

Os maçons são cidadãos, e a maçonaria pretende promover o melhoramento da sociedade através do aperfeiçoamento de cada um. Lá porque numa loja maçónica não se discute política, não quer dizer - pelo contrário! - que os maçons - individualmente! - não tomem este ou aquele partido quanto a esta ou àquela questão. Quanto a esta questão concreta, fico horrorizado só de imaginar um maçon a subscrevê-la, tão contrária que é à própria essência da maçonaria. Mas se tal maçon existe, respeitaria a sua posição sem a discutir; pois se é certo que quem não aprende com os erros da História está condenado a repeti-los, não menos certo é que o direito ao erro está na essência da liberdade humana.

04 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - X

A maioria de uma dada Loja, quando reunida, poderá dar diretivas ao seu Mestre e Vigilantes antes da Sessão do Grande Capitulo, ou Loja, para as três Reuniões Trimestrais, ou para a Reunião Anual da Grande Loja; porque seu Mestre e Vigilantes são seus representantes, e devem expressar as opiniões da Loja.

Esta regra consagra o princípio da soberania da Loja. A Loja é soberana em relação ás demais Lojas e à Grande Loja. O poder decisório reside na Loja, não no seu Venerável, nos Vigilantes ou nos demais Oficiais do Quadro.

O Venerável Mestre, eleito, tal como Tesoureiro, e os restantes Oficiais do quadro, designados pelo Venerável Mestre, são Oficiais porque exercem ofícios, isto é, são-lhes confiadas funções, tarefas, que devem exercer o melhor que podem e sabem ao longo do mandato que lhes é conferido. Ao eleger o Venerável Mestre e o Tesoureiro, e ao confiar àquele o poder de designar os demais Oficiais do Quadro, a Loja não está a abdicar da sua soberania nele ou neles, está simplesmente a delegar-lhes funções.

Obviamente que as funções do Venerável Mestre são importantes e extensas: dirigir administrativamente a Loja, coordenar o Quadro de Oficiais, estabelecer as ordens de trabalhos das reuniões e dirigi-las, exercer a competência disciplinar, exceto quanto à aplicação da sanção de expulsão.

Mas o Venerável Mestre deve ter sempre presente que, mesmo quando a Loja lhe confia o amplo poder de decidir em variadas questões - e confia-lho, com amplitude e com confiança -, o poder originário permanece na Loja, no coletivo de obreiros. 

Desde logo, tenha-se presente que a atividade maçónica é inteiramente voluntária. O maçom assume o compromisso de não violar as deliberações da Loja e as decisões do seu Venerável Mestre, desde que regular e regulamentarmente tomadas. Mas não tem obrigação de executar ou colaborar na execução de deliberações com que não concorde. Nesse caso, não viola, não cria obstáculos, mas também não tem de fazer. Tem o direito de nada fazer.

Logo, muito pouco assisado seria o Venerável Mestre que tomasse decisões à revelia do sentimento geral e global da Loja: seria um general sem soldados...

Não se confunda, portanto, delegação de poderes com transferência dos mesmos. A todo o momento, a Loja pode deliberar em contrário de decisão tomada por qualquer dos Oficiais do Quadro, Venerável Mestre incluído.

É assim de boa prática - diria mesmo que indispensável prática - que, antes de qualquer Assembleia de Grande Loja que inclua na sua ordem de Trabalhos  a tomada de deliberações, a Loja debata as questões sujeitas a deliberação e dê ao seu Venerável Mestre e aos seus Vigilantes as instruções que entender. Porque, quando se vota em Assembleia de Grande Loja, não é o Venerável X que vota, nem os Vigilantes Y ou Z, são os representantes da Loja número tal que expressam o voto ou os votos desta.

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

02 julho 2012

Faça-se luz



No início da maçonaria podia haver - e havia! - diferentes correntes de cristianismo na maçonaria, mas todos os maçons eram cristãos. Ao longo do tempo, com a abertura das mentalidades, foi sendo possível admitir membros de outras religiões. Nos nossos dias, a maçonaria regular apenas exige a crença no "Grande Arquiteto do Universo", explicando que este nome não é o de uma "divindade maçónica", mas um novo nome a dar a essa mesma Entidade em que cada um crê; é Aquele a quem os cristãos chamam Deus, os muçulmanos chamam  الله [Allah], os judeus  יהוה [YHWH], os Hindus chamam  ब्रह्मा [Brahmā], e por aí adiante. Deste modo, quando os maçons se pretendem referir a essa Entidade, fazem-no todos através do mesmo nome, ficando assim atenuadas as diferenças decorrentes das diferenças de crença que possam verificar-se, e reforçado o sentido de identidade entre eles, pois, afinal, até todos creem no mesmo Ser Supremo - mesmo que cada um à sua maneira.

Uma vez que a maçonaria é assumidamente uma invenção humana, tem a liberdade de se reinventar e renovar sempre que tal se revele necessário e oportuno. É assim que, se bem que alguns dos símbolos a que a maçonaria recorre sejam da sua própria criação, a simbologia maçónica é, na sua maioria, "tomada de empréstimo" - umas vezes de forma mais dicreta e outras nem por isso - de outras simbologias já existentes. Ao longo da história da maçonaria tem-se assistido a um cuidado cada vez maior com a procura de uma certa neutralidade, do não favorecimento de uma fé em detrimento das demais, e isso consegue-se, frequentemente, através do recurso a símbolos de religiões já desaparecidas mas cuja carga simbólica permanece entre nós por via literária, filosófica ou mitológica.

A referência aos planetas, ao Sol, às estações do ano e a antigas figuras mitológicas pretende apenas constituir ilustração dos princípios morais que se pretende transmitir. Os solstícios, por exemplo, ao serem os momentos em que os raios solares estão mais próximos da perpendicular (no solstício do verão) ou da horizontal (no solstício do inverno) em relação à superfície da Terra, simbolizam respetivamente a retidão moral (verticalidade) e a fraternidade (estar ao mesmo nível). Alertar uma adolescente para os perigos dos predadores sexuais pode ser complicado de fazer; no entanto, recordar-lhe a "história do lobo mau" e, subtilmente, estabelecer um paralelo, pode ser muito mais eficaz do que uma longa e desajeitada conversa. A maioria dos chamados "contos infantis" pretende, precisamente, estabelecer uma base simbólica a revisitar mais tarde, uma vez já absorvidos os princípios, mas sob uma nova realidade: a das circunstâncias da vida real de cada um.

Uma das primeiras estranhezas que se sente quando se ouve, pela primeira vez, uma ata numa sessão, é a da data: "aos vinte dias do mês de janeiro do ano maçónico de seis mil e doze(...)". Porquê "seis mil e doze" se estamos no ano de dois mil e doze? Recordemos o que é que constitui o primeiro ano nossa era: o ano em que terá ocorrido o nascimento de Cristo; por isso se dizia "AC" (Antes de Cristo) e DC (Depois de Cristo), que também se escrevia "AD" (Anno Domini, "Ano do Senhor"). Hoje em dia dizemos estar no ano 2012 EC ("Era Cristã" ou, ainda mais politicamente correto, "Era Comum"). Outros calendários há, cujo início se deu há mais ou há menos tempo. Mede-se o tempo decorrido desde a fundação de Roma (753 AEC) ou do Japão (660 AEC), desde a viagem de Maomé de Meca a Medina (622 EC) ou, de acordo com o calendário judaico, desde a criação do mundo (3761 AEC).

Não era desejável que um calendário - e respetiva bagagem cultural - se impusesse sobre os demais no seio de uma fraternidade em que se pretendia que todos se sentissem iguais. A solução encontrada foi estabelecer-se o "Anno Lucis" - o Ano da Luz - como aquele em que, aproximadamente, o Criador terá, pela primeira vez, feito surgir a Luz. Se recordarmos que a maçonaria é filha do Iluminismo, não faz senão sentido medir-se o tempo desde esse instante. É por isso que, simbolicamente, se soma 4000 anos (número distinto de qualquer calendário existente) ao ano atual e se lhe chama "ano da era maçónica". E, de cada vez que isso se faz, os maçons são recordados de que a fé e a crença de cada um devem ser respeitadas, e que a busca da Luz (ou seja, do conhecimento) deve ser levada a cabo por todos os maçons, independentemente da sua crença, fé ou convicção religiosa.

Paulo M.