26 março 2014

O silêncio do Mestre


Depois de O silêncio do Aprendiz (um dos textos mais lidos do blogue A  Partir Pedra) e de O silêncio do Companheiro, é tempo agora de tratar do silêncio do Mestre.

À primeira vista, poder-se-á pensar que a expressão constitui um absurdo, pois o Mestre Maçom não só não está vinculado ao dever do silêncio como, pelo contrário, tem o dever de usar da palavra, designadamente para ilustração e formação de seus Irmãos e comparticipação na gestão e decisão dos assuntos da Loja. Mas assim não é. Já no final de  O silêncio do Companheiro se referiu que O silêncio do Companheiro é a sua preparação para a sua Elevação a Mestre. Para que, quando tiver direito a usar da palavra, já saiba quando se deve calar! Para que entenda perfeitamente o valor da Palavra e a valia do Silêncio. Então estará pronto! 

Uma das lições que o Mestre Maçom deve ter já interiorizado quando acede à Mestria é precisamente o valor e a oportunidade do silêncio. Que há momentos de falar e momentos de calar. Que, por vezes, a mais sonora declaração decorre do seu silêncio.Ou simplesmente que, quando não tem nada de útil a acrescentar, o melhor a fazer é estar calado...

O Mestre Maçom tem o direito ao uso da palavra em sessão de Loja. Mas esse direito não implica que tenha o dever de falar sempre nem que utilize essa faculdade para perorar sobre tudo e um par de botas, implicitamente desvalorizando o que transmite - pois ninguém sabe de tudo e o homem sábio conhece as suas limitações. Assim, o direito ao uso da palavra implica o dever de saber administrar o seu silêncio, dele só abdicando quando entender mais útil falar do que estar calado.

Como em quase tudo na vida, cada um é como cada qual - e todos evoluem ou podem fazê-lo. Há aqueles que praticamente não precisaram de aprender essa lição: por temperamento são pessoas caladas, reflexivas, ponderadas, que raramente falam - e, quando o fazem, são, precisamente pela raridade da situação, muito atentamente ouvidos. Esses quase nunca falam a despropósito - mas algumas vezes, precisamente pelo seu particular zelo na seleção de quando, como e o que dizer, deixaram de dar contributos que teriam sido preciosos, se partilhados no momento próprio. Há outros que, pelo contrário, são de natureza interventiva, não deixam de dar a sua opinião, não temem estar em minoria, entendem que participar implica opinar, contribuir, ainda que por vezes apenas marginalmente, para as deliberações coletivas. Esses correm o risco de errar algumas vezes, de opinar sem o conhecimento ou a ponderação adequados, de darem a impressão de que, sobretudo, gostam é de ouvir a própria voz - mas são frequentemente preciosos desbloqueadores de discussões, lançam os debates sobre os temas e acabam por auxiliar o grupo, quanto mais não seja porque catalisam acordos e desacordos, concordâncias e críticas, e assim acabam por contribuir para uma sadia discussão dos temas e uma participada deliberação. E há também os que só intervêm quando têm contributo válido para dar e permanecem silenciosos quando não sabem ou, sabendo, nada de especialmente útil têm para acrescentar, ou, simplesmente, porque, no seu entender,  a minudência do assunto não lhes suscita particular interesse - esses são os mais criteriosos, normalmente os mais influentes, os que mais frequentemente contribuem substancialmente para as deliberações.

Ninguém pertence obrigatória e definitivamente a um destes grupos. O avaro de palavras, se atento estiver, irá verificar que deixou passar ocasiões em que a sua intervenção teria sido útil e gradualmente evoluirá para o último grupo descrito. Por seu turno, o tagarela opinativo sobre quase tudo, sendo crítico de si mesmo, irá ter consciência das vezes em que perdeu boas ocasiões para estar calado e, vigiando-se, gradualmente se desencantará do som da sua voz e privilegiará a transmissão do que valha a pena transmitir, progressivamente ganhando o acesso ao conjunto dos realmente influentes nas deliberações do grupo. Mas também os normalmente equilibrados têm de permanentemente se vigiar, seja para não cair na tentação da intervenção a despropósito, seja para não insistir em demasiada introspeção silenciosa. Como em quase tudo na vida, o ponto de equilíbrio é instável e delicado. A gestão da palavra e do silêncio acaba por ser, ao longo do tempo, aperfeiçoada por quase todos. E quase todos acabam por aprender a falar quando é útil que falem e a guardar silêncio no resto do tempo. 

Três momentos, a meu ver, impõem o silêncio. O primeiro é quando, pura e simplesmente, nada ou muito pouco se sabe ou se pensou sobre o assunto em debate. Esse é claramente tempo de ouvir, não de falar, de aprender, não de partilhar. O segundo, mais delicado de identificar, ocorre quando se sabe algo sobre o assunto, mas ainda não se chegou a uma conclusão precisa. Em termos mais ligeiros, já se tem algumas luzes, mas ainda restam algumas apagadas... Aí ainda não é tempo de partilhar, a não ser que se partilhem dúvidas a serem esclarecidas ou hipóteses a serem trabalhadas. Sobretudo, não é altura de alardear certezas que não se têm, transmitindo meras hipóteses como conclusões. Quem o fizer, está a induzir em erro os demais e a enganar-se a si próprio. Trabalho quase concluído é, para todos os efeitos, trabalho não acabado! É preferível acabar primeiro o trabalho, chegar às conclusões e só depois partilhar o seu pensamento. Estar quase certo é como ser quase virgem: são estados que não existem! Ou se está ou não se está. Ou se é ou não se é... O terceiro momento que impõe silêncio é, creio, o mais difícil de lobrigar, aquele que requer a vivência de êxitos e fracassos, a que não se chega só por intuição ou estudo, decorre da experiência vivida e meditada e aproveitada. Esse momento existe quando, apesar de se saber do que está em discussão, apesar de se ter ideia feita sobre o tema, se tem a consciência de que será melhor para a deliberação, para o grupo, ou simplesmente para a evolução de um Irmão, que o que se tem para dizer seja dito por outro, que intuímos estar em condições de o fazer, e de o fazer tão bem quanto nós o faríamos - e renunciarmos a dizê-lo para que o outro o faça. Quando isso verificarmos, importa ter a noção de que ser um ou outro a dizer só aparentemente tem o mesmo resultado final. Porque renunciar à nossa palavra para que outro Irmão cresça, para que seja o contributo de outro Irmão, e não o nosso, a ser trazido para o grupo pode fazer muita diferença, não só para esse Irmão, mas para todo o grupo - porque ganhou mais um a contribuir, em vez de se bastar com o contributo dos mesmos...

O Aprendiz que faz bem o seu trabalho facilmente identifica o primeiro momento em que se impõe o silêncio. O Companheiro com o seu trabalho concluído reconhece o segundo momento. Mas o terceiro momento, que não é de mera renúncia, mas de colaboração, que não é simples altruísmo, mas de noção de que o fortalecimento do grupo depende do crescimento de todos, não só dos mesmos, e que esse fortalecimento se faz em benefício de todos, esse é apanágio do Mestre que aprendeu a sê-lo!

Pode demorar anos. Porventura será necessário que demore anos. Mas quando o Mestre Maçom descobre esse terceiro momento e age em conformidade com ele, então, sim, atingiu a mestria de si mesmo, aprendeu o significado de estar em Loja - não por si, mas pelos seus Irmãos e, assim, por todos e, logo, também por si. Então deparou com outra, e mais apurada, dimensão do silêncio, o Silêncio do Mestre!

Rui Bandeira

19 março 2014

Entre Colunas


O local de reunião de uma Loja maçónica tem por entrada um espaço delimitado por duas colunas. Estas evocam as duas colunas que existiam no átrio do Templo de Salomão, descritas na Bíblia no 1.º Livro dos Reis, capítulo 7, versículos 15-22:

15 E formou duas colunas de cobre; a altura de cada coluna era de dezoito côvados, e um fio de doze côvados cercava cada uma das colunas.
16 Também fez dois capitéis de fundição de cobre para pôr sobre as cabeças das colunas; de cinco côvados era a altura de um capitel, e de cinco côvados a altura do outro capitel.
17 As redes eram de malhas, as ligas de obra de cadeia para os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas, sete para um capitel e sete para o outro capitel.
18 Assim fez as colunas, juntamente com duas fileiras em redor sobre uma rede, para cobrir os capitéis que estavam sobre a cabeça das romãs, assim também fez com o outro capitel.
19 E os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas eram de obra de lírios no pórtico, de quatro côvados.
20 Os capitéis, pois, sobre as duas colunas estavam também defronte, em cima da parte globular que estava junto à rede; e duzentas romãs, em fileiras em redor, estavam também sobre o outro capitel.
21 Depois levantou as colunas no pórtico do templo; e levantando a coluna direita, pôs-lhe o nome de Jaquim; e levantando a coluna esquerda, pôs-lhe o nome de Boaz.
22 E sobre a cabeça das colunas estava a obra de lírios; e assim se acabou a obra das colunas. 


É habitual, em muitas Lojas maçónicas, que os obreiros que apresentam perante a Loja trabalhos por si elaborados o façam colocados entre essas duas colunas. Onde assim se pratica - e assim se faz, por exemplo, na Loja Mestre Affonso Domingues -, quando é chegada a ocasião de um obreiro apresentar o seu trabalho, o Venerável Mestre solicita que se conduza esse obreiro "entre colunas" e o mesmo é conduzido precisamente para esse local. O obreiro que apresenta o seu trabalho fá-lo assim situado num extremo da sala de reuniões, de frente para o Venerável Mestre e tendo os restantes obreiros da Loja situados à sua esquerda e à sua direita, ao longo da sala, entre si e o Venerável Mestre.

Esta colocação daquele que apresenta um trabalho, profere uma palestra, tem a grande vantagem de permitir que o orador seja perfeitamente visto por todos os presentes e a todos veja perfeitamente. Mas só é adequada em salas de reuniões de tamanho não demasiado grande. Num salão de grandes dimensões, esta colocação do orador torna difícil ouvir o mesmo a quem esteja colocado no lado oposto da sala (precisamente o Venerável Mestre e aqueles que se sentam junto a ele no espaço denominado de Oriente) - a não ser que se utilize sistema de captação e amplificação de som.

Esta colocação do obreiro que apresenta um trabalho perante a Loja é utilizada com alguma frequência, mas, ao contrário do que muitos pensam, não tem qualquer significado simbólico. Ou melhor, o significado simbólico de estar "entre Colunas" não tem nada a ver com as colunas delimitadoras da entrada na Loja.

É incorreto pensar que a expressão "entre Colunas" significa precisamente o posicionamento do obreiro entre as duas colunas evocativas das do Templo de Salomão. Estar "entre Colunas" é estar entre os seus Irmãos, estar em Loja coberta (onde estão apenas maçons) e em funcionamento. Com efeito, quando uma Loja maçónica reúne, a generalidade dos seus membros senta-se em lugares colocados em duas colunas longitudinais ao longo dos lados da sala de reuniões, à direita e à esquerda do Venerável Mestre, o qual está sentado na linha imaginária central do espaço de reunião da Loja, no topo oposto à entrada desse espaço de reunião. Algumas exceções têm a ver com a colocação de alguns Oficiais em exercício de funções na Loja.

Para facilidade de orientação (e também com algum significado simbólico), os maçons designam as direções e os espaços do seu local de reunião com recurso aos quatro pontos cardeais. Assim, as colunas que delimitam o espaço de entrada no local de reunião estão colocadas no Ocidente; o Venerável Mestre senta-se no Oriente; os obreiros sentam-se em filas longitudinais entre umas e outro, denominadas respetivamente de Coluna do Norte e Coluna do Sul.

Os trabalhos de um maçom são apresentados em Loja entre Colunas, isto é, no meio dos seus Irmãos, com a Loja em funcionamento e, assim, a coberto (apenas na presença de maçons). É um espaço de acolhimento, de segurança, onde o obreiro pode exprimir livremente as suas opiniões, colocar à consideração dos seus pares o resultado do seu trabalho, sabendo que este será apreciado em função do seu mérito e não de preconceitos, amizades ou inimizades. Sempre que o seu trabalho tiver encómios, elogios, é porque o mereceu, não por hipocrisia ou polidez social; todas as críticas que receber têm como escopo a melhoria, o aperfeiçoamento, não o rebaixamento ou apoucamento do trabalho ou do seu autor. As críticas apontando falhas ou sugerindo correções ou melhorias são feitas estritamente em conformidade com o pensamento honesto de quem as formula e podem e devem ser tomadas em conta pelo autor do trabalho, em ordem a lograr melhorá-lo; as críticas positivas, os elogios que porventura se receba, são a melhor garantia de que o trabalho pode ser apresentado sem receio perante qualquer plateia, qualquer que seja o seu grau de exigência - porque passou o crivo da plateia mais exigente do mundo: a constituída pelos seus Irmãos, em apreciação honesta e sempre com base em critérios de excelência. 

Assim, em bom rigor, os trabalhos devem ser apresentados entre Colunas, isto é, com o orador situando-se no eixo central longitudinal do espaço de reunião, frente ao Venerável Mestre, mas não necessariamente ao fundo da sala, junto ao Ocidente, não necessariamente entre as colunas evocativas das do Templo de Salomão. Tal pode e deve ser feito no local entre as colunas de obreiros do Norte e do Sul mais propício e adequado para mais bem se ser visto e ouvido. Tão simples como isso.

Para um maçom, estar entre Colunas é estar num dos sítios mais confortáveis do mundo: é estar entre os seus Irmãos, num espaço e tempo onde impera a confiança, a amizade, mas também a sinceridade e a justiça na avaliação. 

Rui Bandeira

12 março 2014

O Vigésimo Terceiro Venerável Mestre


Foi eleito para o exercício do ofício de Venerável Mestre em julho de 2012. Foi instalado na Cadeira de Salomão no início do ano maçónico de 2012/2013, para exercer o ofício até à instalação do seu sucessor, prevista para ocorrer no início do ano maçónico subsequente.

Sucedeu ao Venerável Mestre que aqui referi ter sido, na Loja, "talvez o maçom que mais bem preparado foi e estava para assumir o ofício de dirigir a Loja quando tal lho foi solicitado pelo conjunto dos obreiros" e cujo "mandato começou bem, prosseguiu agradável e terminou melhor. Elevou muito a fasquia para os seus sucessores".

Rui S., o Vigésimo Terceiro Venerável Mestre, não tinha, assim, tarefa fácil - e tinha consciência disso. As suas caraterísticas pessoais eram diferentes das do seu antecessor. Onde este era organizado, Rui era espontâneo. A um cultor da organização e da programação, sucedeu um afável e gregário gestor de iniciativas que privilegiava o momento, a integração do inesperado.

Nuno L. organizara a Loja com rigor. Rui S., com a noção de que o trabalho de organização estava feito, no essencial, procurou catalisar a Loja para as organizações. Com a casa arrumada, entendeu ser o momento de a Loja organizar iniciativas abertas ao exterior. Estimulou a realização de eventos sob a égide da pessoa coletiva que confere personalidade jurídica à Loja, a Associação Mestre Affonso Domingues, seja em organização própria, seja em colaboração com terceiros.

Duas vertentes distintas marcaram essas realizações. Por um lado, atividades sociais envolvendo os obreiros da Loja e suas famílias, no reforço dos laços entre todos. Foi o caso, por exemplo, de uma visita programada e guiada a Palmela, de uma segunda - e diferente da primeira - visita guiada a locais de Lisboa com interesse maçónico e de uma visita à Loja João Gonçalves Zarco, que trabalha ao Oriente do Funchal, complementada com um programa social pensado tendo em vista também as famílias que se deslocaram acompanhando os obreiros visitantes. Por outro, o apoio a organizações e eventos de caráter cultural, de que refiro, a título exemplificativo, uma exposição de fotografia de dois obreiros da Loja e uma outra exposição organizada numa aldeia do distrito de Lisboa.

O ano de mandato do Rui S. foi, assim, um ano de sucessivos eventos e organizações. Foi um ano de fazer, de executar, de reforço de laços entre os obreiros da Loja e suas famílias. Foi, sem dúvida, um ano agradável.

Mas todo o verso tem o seu reverso e este período também teve algumas implicações ou consequências negativas. A pujança da Loja manifestava-se externamente, mas descurando-se um pouco o que se tinha por adquirido, a sua organização interna. E ocorreu algo que se revelou mais difícil de ultrapassar: a imagem de pujança que externamente a Loja transmitiu  levou naturalmente a que esta fosse solicitada a colaborar no lançamento de outros projetos, de outras Lojas, cedendo alguns dos seus obreiros. Em pouco tempo, apenas num ano, a Loja cedeu  vários obreiros seus para lançamento de outras Lojas. O próprio Rui S., no final do seu mandato, anunciou que não asseguraria a função de Ex-Venerável Mestre (o principal conselheiro do Venerável Mestre em exercício), porque iria, pelo menos por seis meses, dirigir uma nova Loja. O ano de realizações foi também o ano em que a Loja teve de abdicar de um significativo número de quadros que formara e com que contava para a direção dos seus destinos nos anos mais próximos.  Na esteira da sua tradição de organização de doações de sangue, a Loja deu boa parte do seu sangue para novos e outros projetos... A Loja ficou assim com o número de Mestres ativos consideravelmente reduzido.

Porém, ela tinha no seu seio a solução para o problema que surgira. Nuno L. deixara a Loja com um quadro de Companheiros bem guarnecido, ainda reforçado no decorrer do mandato de Rui S.. Foi apenas uma questão de apressar a ultimação da formação destes elementos e preparar o seu acesso a Mestres Maçons. No final do mandato de Rui S., a Loja estava pronta para reguarnecer o seu quadro de Mestres. O ano seguinte seria dedicado a essa tarefa e à rápida integração e preparação destes para a subsequente assunção dos destinos da Loja.

A sucessão de realizações no período de mandato de Rui S. implicou ainda um outro preço: foram mobilizados fundos da Loja e, no final do ano, feitas as contas, os fundos disponíveis tinham baixado consideravelmente. A Loja não estava em dificuldades financeiras, longe disso, mas tomou consciência de que era também necessário reequilibrar a vontade de fazer coisas, organizar, com as disponibilidades económicas reunidas e disponíveis. 

O ano de liderança do Rui S. foi um ano de agradável fruição do que se reunira, do que se obtivera. Mas foi também um ano que mostrou que era necessária a definição de justos e prudentes equilíbrios: equilíbrio entre a capacidade e "velocidade" de formação de quadros e a possibilidade de dispensar quadros formados para lançamento de outros projetos; equilíbrio entre a vontade de organizar, fazer, com a necessidade de manter organizada e equilibrada a retaguarda de funcionamento burocrático e de financiamento da Loja.

Com o Rui S., a Loja aprendeu algo que era a altura de aprender: a necessidade de equilíbrio, a conveniência de se organizar de forma a que nunca se venham a dar passos maiores do que a perna. Em linguagem de estratégia militar, aprendeu que a vanguarda não pode avançar sem a preocupação de manter garantidas as linhas de abastecimento. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, avançou-se, fez-se, realizou-se. Mas houve a lucidez de entender que as "linhas de abastecimento" (de quadros e de meios financeiros) estavam a ficar fracas e que era necessário reforçá-las. E, portanto, de decidir fazer uma pausa nas realizações externas para proceder aos necessários rearranjos e reforços.

Com o Rui S., a Loja tomou consciência dos seus limites. E não os ultrapassou, antes parou e providenciou as necessárias correções. Porque assim fez, ficou melhor e mais forte. Porque identificou em tempo as suas debilidades e as causas delas e se preparou para as corrigir em tempo útil. Aprendeu assim que os avanços não são sempre em linha reta e sem pausas. Há que saber consolidar para voltar a avançar. Há que reparar brechas nas fileiras antes de prosseguir. Esta lição espero que seja recordada no futuro da Loja. Porque é a diferença entre a pujança da juventude, quando se pensa que o mundo é nosso e tudo se pode fazer, e o equilíbrio da maturidade. A Loja Mestre Affonso Domingues, na sua juventude de vinte e três anos está a aprender a ser madura!

Rui Bandeira

06 março 2014




05 março 2014

Delta (II)


No texto anterior, procurei explicar e ilustrar a forma do símbolo Delta e as várias variantes que podem existir. É agora a altura de me referir ao significado desse símbolo.

O Delta, sendo um triângulo com dimensões respeitando a Proporção de Ouro ou Divina, procura ser um símbolo que espelha a Harmonia e a Beleza. O símbolo triangular (independentemente da forma) desde tempos imemoriais que é associado ao significado de Força em expansão. Muitas vezes iluminado - e com expressa chamada de atenção aos presentes para que os seus olhos se voltem para a Luz... -, o Delta é associado à verdadeira Sapiência, ou Sabedoria, à Verdadeira Luz.

Este singelo símbolo, afinal apenas três segmentos de reta que se juntam de determinada forma, apela assim ao conjunto da trilogia maçónica por excelência: Sabedoria - Força - Beleza. Desenvolvendo, temos que Sabedoria, Força e Beleza são caraterísticas necessariamente presentes na Perfeição. Com efeito, só existe Perfeição se estiverem presentes a Sabedoria, a Força e a Beleza. A falta de qualquer destas caraterísticas impede que se considere o que quer que seja como perfeito. A Perfeição é, todos o sabemos, uma caraterística que, embora desejada, embora apreciada, não é inerente ao ser humano. O ser humano pode aspirar à perfeição, pode tentar aproximar-se dela o mais possível, mas - lá está! - o máximo que consegue é aproximar-se, nunca lá chegar. A Perfeição é caraterística imanente a algo superior ao Homem, que existe noutro plano, enfim, àquilo que os vários povos e seres, cada um à sua maneira e segundo a sua cultura, referem por Divindade. Só a Divindade é Perfeita, por definição.

O Delta, evocando a Sabedoria, Força e Beleza e, por via delas, a Perfeição, simboliza, assim, a Divindade, o Poder ou Força Criadora. A conceção dessa Divindade, das suas caraterísticas, de como é designada, deixa a maçonaria à liberdade, ao juízo e à crença de cada um. Por isso, essa entidade comummente evocada por todos, mas cada um à sua maneira e segundo as suas conceções, é designado pelos maçons de Grande Arquiteto do Universo. Depois, cada um designá-Lo-á pelo que entender, seja Deus, seja Jeovah ou Javeh, seja Allah, seja Vishnu, seja Universo, seja Natureza, seja, enfim, o que cada um e a sua cultura entenderem. Isso é com cada qual.

O Grande Arquiteto do Universo NÃO É uma "divindade maçónica" nem o produto ou designação decorrente de qualquer sincretismo religioso. O Grande Arquiteto do Universo é apenas e tão só a designação encontrada como máximo denominador comum, como ponto de confluência de todas as crenças, culturas e conceções, para referir a entidade criadora, ou superior (ao plano humano e material), em que cada um creia, consoante a sua fé ou conceção. 

Porque as conceções religiosas podem ser as mais diversas, díspares, mas todas são igualmente respeitáveis, porque a crença de cada um é inerente à sua própria identidade e modo de estar na vida e no mundo, não sendo lícito respeitar mais umas do que outras, os maçons buscaram uma designação que, ligada à sua tradição da Arte da Construção, pudesse ser utilizada por todos, cada um mencionando como tal a sua particular conceção e designação da Divindade da sua crença particular.

O Grande Arquiteto do Universo não é "adorado" ou "venerado" em Loja maçónica. A adoração ou veneração da divindade do culto de cada um é matéria que só a cada um diz respeito, pela forma e nos locais que a crença de cada um determine ou aceite. O Grande Arquiteto do Universo é, por sua vez, apenas um símbolo, o símbolo comum do ponto de encontro de todas as crenças e conceções de todos os maçons, permitindo a todos e cada um manterem a sua crença e a sua individualidade independentemente das diferenças que porventura haja em relação às crenças dos demais. Assim, os maçons não "adoram" ou "veneram" o Grande Arquiteto do Universo, limitam-se a trabalhar à sua Glória, isto é, cada um procurando honrar a sua própria divindade segundo a sua individual crença ou conceção.

O Delta não é uma representação do Grande Arquiteto do Universo, pela simples razão de que o Grande Arquiteto do Universo é uma abstração criada pelos maçons para harmonizarem o respeito de todos pelas diferentes crenças e conceções de cada um. Aliás, para algumas conceções religiosas não é, sequer, aceitável, pretender representar-se a sua Divindade...

O Delta é assim um símbolo das caraterísticas comuns imanentes à Perfeição e, por consequência à conceção da divindade de cada um. O Delta não é o símbolo imediato do GADU. É, quando muito, um símbolo mediato: simboliza, evoca, lembra, as caraterísticas da Perfeição e, assim, por essa via e só por essa via, remetendo mediatamente para a divindade de cada um e, logo, para o ponto de encontro de todos, por todos designado, por conveniência comum, de Grande Arquiteto do Universo. 

Porque o Delta é assim um símbolo que lembra algo que remete para algo que significa Algo, simultaneamente diferente e comum a todos, não admira que haja variantes na sua representação. Daí os raios de Luz do Delta Radiante, ou a inserção do iod ou do tetragrama, ou ainda da autêntica apropriação maçónica de um símbolo cristão que é o "olho que tudo vê". Daí também a opção, muitas vezes também presente, da inscrição, no interior do triângulo, da letra "G", de Geometria=Maçonaria=Arquitetura (ver G...de Maçonaria e Maçonaria=Geometria=Arquitetura), como forma de unificar por mais uma abstração as diversas referências individuais.

Mas, para mim, a melhor forma de utilizar o símbolo é a mais simples, portanto a que mais permite incluir a cada um: o triângulo isósceles com o ângulo superior a 108 º e os outros dois a 36 º cada um, sem mais nada dentro e sem mais nada fora. Cada um põe, na sua mente e na sua conceção, o que entender por bem acrescentar e ninguém terá nada a ver com isso. O símbolo mais "despido", mais simples, mais singelo, tem a virtualidade de ser aquilo que deve ser: o mais abrangente possível.

Rui Bandeira