25 maio 2015

Comunicação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP à Assembleia de Grande Loja no equinócio da primavera


A importância dos Princípios e Valores

Homenagem a Amadeu Ferreira

(Amadeu Ferreira (1950-2015), personalidade multifacetada: professor universitário, jurista impulsionador da criação dos estudos de Valores Mobiliários na Universidade e co-redator do Código de "Valores Mobiliários", 15 anos vice-presidente da CMVM, escritor, poeta, romancista, contista, dramaturgo, ficcionista, ensaísta, tradutor, assumindo o seu nome civil ou vários pseudónimos, entre eles Fracisco Niebro, Marcus Miranda e Fonso Roixo. Génio, inteligência, cultura, simpatia, bondade, e sobretudo muita simplicidade, são qualidades que coloca ao serviço das causas que abraça, entre elas a cultura e a literatura mirandesas, entregando-se a tarefas hercúleas que tornam Amadeu Ferreira a figura cimeira da literatura mirandesa. Para além da sua vastíssima obra literária em português e mirandês, publicou traduções para mirandês de Camões – poesia lírica e Os Lusíadas, de grande parte da poesia de Fernando Pessoa, nomeadamente a Mensagem, da maior parte dos poetas portugueses do século XX, mas também dos latinos Horácio, Catulo e Virgílio, e ainda de "Os Quatro Evangelhos", a partir da Vulgata latina de São Jerónimo, assim como "O Cântico dos Cânticos - O Mais Alto Cantar de Salomão". A respeito das muitas traduções que realizou para mirandês, referiu à imprensa: "É preocupação minha que os principais poetas da humanidade também falem em mirandês". Muitos dos seus poemas já se encontram traduzidos em várias línguas. Comendador da Ordem do Mérito da República Portuguesa desde 2004, a sua biografia "O Fio das Lembranças – Biografia de Amadeu Ferreira", da autoria de Teresa Martins Marques, publicou-se na Âncora Editora em Março 2015.)

No passado 1 de Março, partiu para o Oriente Eterno um dos maiores amigos que tive: Amadeu Ferreira. Apesar de ser apenas quatro anos mais velho que eu, desde os meus dezasseis anos que o seu exemplo e linha de pensamento moldaram a minha forma de ser para sempre. Mirandês de nascença e de vida, foi Grande Homem em variadíssimos domínios, por isso, em depoimento que fiz para a sua biografia lançada pela Âncora editora no passado 5 de Março, escrevi:

"Para mim falar do Amadeu Ferreira, é sobretudo celebrar o Homem, que pode até nem ser inteligente, nem sábio, nem génio, nem profeta, mas que é antes de mais Homem de Valores, porque incorporou e pratica todos os dias os valores que fizeram com que a humanidade pulasse e avançasse no sentido certo: tudo o resto é vanidade. Obrigado Amadeu, fui um sortudo dos maiores, porque cruzei o tempo e a vida de um Profeta".

Amadeu Ferreira não era maçom, mas várias vezes nos acompanhou em ágapes de Grande Loja, porque subscrevia por inteiro os valores nobres da maçonaria.

Hoje, aqui, conjuntamente convosco, não posso deixar de evocar a sua memória, citando depoimento seu, para a sua única neta, que conta agora com apenas seis meses de idade, onde ele lhe deixa como único conselho para a vida, pautar-se e reger-se por Princípios e Valores fundamentais: todos nós podemos ser essa neta, e todos nós podemos ser continuadores geracionais da sua mensagem, uma verdadeira mensagem maçónica.

E Amadeu Ferreira dirige-se nestes moldes à neta:

"O caminho que cada um tem de seguir para viver a sua vida, é um caminho que ele próprio tem de encontrar e não seguir caminhos alheios. Pode haver sugestões, pode haver dicas, pode haver tudo isso, mas cada um tem de encontrar o seu caminho. Se o não quiser fazer ou não o conseguir fazer, fica perdido. Isto é a primeira ideia que eu quero deixar. Uma ideia de confiança na pessoa, uma ideia de autoconfiança em si própria para encontrar o seu caminho, porque de facto enquanto vivermos, nunca chegamos ao fim do caminho. O caminho é uma procura constante.

Não há respostas prévias, não há soluções que as pessoas tenham. Por isso, vamos encontrando a resposta a cada momento, vamo-la adaptando, ajustando. A ideia de que há sistemas filosóficos e morais que nos dão resposta para tudo é uma ilusão. Todo o pensamento deve ser guiado por princípios e valores, mas eu não consigo ver mais do que dois ou três desses princípios fundamentais, daqueles que valem a pena. Tendo em conta a minha experiência de vida, há três princípios ou valores que considero fundamentais: a liberdade, a humanidade e a positividade.

Primeiro, um princípio de liberdade, sem o qual não temos dignidade, nem nos autonomizamos como pessoas. O princípio da liberdade constitui e alberga o fundamento da dignidade humana. Ser livre significa pensar pela sua cabeça, mas de acordo com a sua experiência, com a experiência que temos em cada momento.

Depois um segundo princípio, que é um princípio de humanidade. O importante são as pessoas. Nós temos de viver com as pessoas. Temos de respeitar as pessoas, compreendê-las, orientarmo-nos para elas, mesmo quando nos desiludem. As pessoas são o mais importante que há no mundo. Portanto, esse princípio de humanidade, é absolutamente essencial. Como costumo dizer: as pessoas são o único monumento que existe à face da terra, tudo o resto é obra.

Há um terceiro princípio essencial, a que costumo chamar princípio de positividade, isto é: vale sempre a pena fazer coisas. O mundo pode ser transformado. Temos de ter ideias no sentido de transformar o mundo. O mundo não está feito, não está acabado, temos capacidade de intervir nele e portanto, cada um de nós pode intervir nesse mundo e pode ajudar a transformá-lo, porque desde o momento em que nascemos, o mundo já não é o mesmo, só pelo simples facto de termos nascido. Isso traz-nos uma responsabilidade muito grande. A ideia de que não vale a pena fazer nada, de que vai tudo sempre a bater ao mesmo, é uma ideia falsa.

Este princípio de positividade, de que vale a pena interagir como cidadãos de corpo inteiro, não ser indiferente, é inquestionável.

Estes princípios de liberdade, de humanidade e de positividade, são irrenunciáveis, absolutamente essenciais e sem os quais, a vida não faz sentido. Sem os quais a dignidade humana não tem fundamento".

Também eu meus queridos irmãos, me tenho esforçado para incutir estes princípios fundamentais na ação dos maçons, por isso referi na minha prancha de tomada de posse como G:.M:: "...no nosso tempo, a liberdade, passou de mera ordem metafísica, para um plano, em que deve afirma-se como a primeira exigência do maçom moderno". Já em relação ao princípio de Humanidade, referi: "Não nascemos maçons, tornamo-nos maçons. E detrás disto há a ideia de que somos os criadores da nossa própria realidade, seja fantástica ou seja a realidade que realiza, por isso cada maçom, no seio da comunidade fraterna de irmãos, é responsável pela sua própria humanização, porque esta não lhe é dada originalmente, ela é fruto de uma luta que edifica a construção permanente: a criação, a luz, a retidão, a separação permanente entre a luz e as trevas, uma caminhada humanística que nos deve constantemente aproximar do próximo".

Relativamente ao princípio de Positividade, fazer todos os dias pequenas coisas para transformar o mundo, foi sempre o grande desígnio da maçonaria universal, e com perseverança, muita coisa temos conseguido, mas temos que continuar.

E continua Amadeu Ferreira, a falar assim para a neta:

"Eu faço derivar todo o comportamento humano a partir destes princípios, incluindo o meu. Se falha algum deles, ficamos mancos, desorientamo-nos, perdemo-nos. São princípios que apontam para um caminho que não é linear, mas difícil. É um caminho que, em relação a cada um deles, nós nos enganamos, temos de andar para trás e para a frente, para ajustar agulhas, em relação aos quais muitas vezes não sabemos que rumo seguir.

Temos que o procurar constantemente. Com a certeza de que todos esses princípios comportam riscos elevadíssimos. Aliás, viver, é uma coisa maravilhosa, mas é um risco. Onde não há risco não há ganho. Por isso vamos encontrar pessoas que apesar de tudo são uns escroques que nos fazem mal, mas não podemos desistir da humanidade, porque se nós perdermos a nossa própria humanidade, coisificamo-nos e portanto, perdemos também essa dignidade.

Vamos encontrar um Planeta Terra mau, pessoas maldosas, que nos fazem mal, inclusivamente, pessoas que nos querem mal. Encontramos guerras desde o início da humanidade, holocaustos, mas aplicar o princípio da positividade à humanidade é possível, pois ela pode ser transformada. Já fomos selvagens, já fomos canibais. Houve alturas em que saíamos de umas guerras para as outras. Só vivíamos de sangue, em que a profissão mais nobre era a profissão de guerreiro e a profissão dos nobres era a guerra. Nós já vivemos esse tempo. Hoje não é assim, mas o que vemos hoje pelo mundo fora? Gente a matar-se, gente que não quer saber uns dos outros.

Apesar de tudo, este princípio da humanidade tem de ser inquestionável e não desistir. O princípio da não desistência perante a capacidade que temos de melhorar as coisas, nem que seja um grãozinho. E não podemos ter a pretensão de ver o que melhoramos, muitas vezes não vemos. A nossa passagem é como a marca de água nas notas de banco, não se vê, mas está lá. E, quando se trata de um momento como nas notas, de marca de água, de ver, de distinguir o verdadeiro do falso, isso ajuda.

Olhamos para a vida, para a terra, vemos todos os grãozinhos de poeira que estão deitados? Não vemos, mas estão lá. Fazem montanhas, quando se multiplicam por milhões. E os atos humanos também são assim. Quando se multiplicam por milhões, os atos bons produzem resultados. Às vezes há retrocessos, porque a história não caminha sempre para a frente e nós temos de ter capacidade para aguentar esses recuos. Mas esse princípio de facto positivo, de capacidade de transformação, de confiança em nós é absolutamente essencial.

Perante este princípio, não há lugar a desistência, não há lugar a fugas, porque às vezes, apetece-nos fugir, mas temos de enfrentar. Este princípio de humanidade conjugado com a nossa liberdade, que nos ajuda a encontrar o nosso caminho e não o dos outros.

Diria à minha neta: sê tu mesma dentro deste caminho, livre com intervenção de cidadã, com intervenção positiva, no sentido de que o mundo é transformável. O mundo onde nasceste não está totalmente feito, sobrou um bocadinho para tu fazeres. Não há grandes coisas, grandes feitos, isso não existe. Todas as coisas que nós fazemos são pequenas coisas. E as únicas grandes coisas que há são as pequenas coisas. Um sorriso, um amigo que se faz, uma mão que se dá.

E nunca em circunstância alguma, fazermos aquilo que nos envergonha a nós próprios e nos obriga a olhar para o chão. Temos de olhar para cima. Espinha direita! Isto é a coisa mais simples que existe e mais complicada ao mesmo tempo.
Eu faria derivar todo o potencial destes princípios e desta postura. Tudo o que nós temos na vida é uma conquista. Cada dia é uma conquista, cada instante é uma conquista e isto conduz-nos a um princípio de humildade. Humildade no sentido de liberdade, de variação, de não chegar a conclusões, de positividade, de transformabilidade das coisas".

E reparem bem meus irmãos, também este princípio de humildade deve estar bem presente no maçom, porque quem se humilha será sempre exaltado.

E termina assim Amadeu Ferreira a carta à sua neta:

"Estou convencido de que a minha neta, tal como a humanidade, irá encontrando o seu caminho, e muito me orgulharei, se for uma pessoa de princípios e valores, como estes que referi, na base da sua dignidade, da sua vida e da sua felicidade, porque felicidade em geral não existe. O que há são momentos felizes que nós construímos. A felicidade é uma construção nossa e nós construímos esses momentos de felicidade, fruto do momento que vivemos. A felicidade é equilíbrio com nós próprios, nada mais que isso. Não é uma coisa do outro mundo, não é o céu na terra. Isso do céu é uma chatice.

Fora disto, que mais eu lhe poderia querer dizer? Mais nada. Isto dar-lhe-á alegria, que é uma coisa fantástica, permitir-lhe-á encontrar o sorriso certo e mais bonito em cada momento, que é a coisa que mais nos pode fazer bem".

E para terminar, também eu quero vincar a importância dos sorrisos, por isso referi na prancha do último solstício: "já ouvi dizer que não se riem os animais, talvez, sarcasticamente as hienas, e nós queremos tanto aprender o valor do riso fraterno, por isso pediremos sempre muito pouco: apenas ser felizes, e talvez assim façamos o mundo mais feliz, e por contágio, sejamos também nós todos mais felizes".

E com esta singela, mas sentida homenagem a Amadeu Ferreira, Homem de Princípios e Valores, foi uma mensagem forte que hoje vos quis deixar, e dela imbuídos, continuaremos o nosso caminho, fazendo o mundo mais feliz e, por contágio, sermos todos mais felizes, cumprindo os Princípios e Valores, para consolidar a edificação da nossa Ordem, a bem da Humanidade,

À Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Lisboa, 21 de Março 6015

Júlio Meirinhos

18 maio 2015

"Os que ficam pelo caminho" (republicação)


Hoje republico um texto de um dos membros do painel de escritores deste blogue.

O texto em questão é da autoria do Paulo M. e para além de ser um texto que reflete um pouco sobre a caminhada  e a busca pessoal de cada um  pode fazer na Maçonaria. Para além disso suscitou um debate interessante na sua "caixa de comentários".

O texto pode ser lido no seu original aqui.

Agora faço a transcrição do respetivo texto:

""Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiros. Nem todos os Companheiros ascendem a Mestres. E seguramente que nem todos os Mestres virão a exercer o ofício de Venerável Mestre. É assim a realidade!" Assim escreveu o Rui Bandeira num texto publicado em 2008, ainda não tinha eu recebido o meu avental branco. Na altura, quando o li, achei estranho o tom, a naturalidade, e o que tomei por critérios de seleção apertadíssimos. Recordo-me de ter pensado algo como "Estes tipos não brincam em serviço... Devem ser bestialmente exigentes, e só escolhem os melhores para progredir... Isto devem ser chumbos de três em pipa..."

Estava tão enganado!

Com o tempo vim a perceber que dificilmente a Loja "chumbava" fosse quem fosse, a não ser nas circunstâncias mais excecionais, mas que, não obstante, o Rui tinha razão: havia muitos que ficavam pelo caminho. Mas se a Loja não chumbava ou impedia a progressão, quem o fazia então? Ora... o próprio, quem mais?! Comecei a perceber que por detrás de cada nome que era chamado no início da sessão pelo Secretário e a que se seguia um silêncio em vez de ser anunciada a presença se encontrava um Irmão que não viera. E que os nomes que eu ouvia repetidamente e a que não associava uma cara eram de Irmãos que, de todo, não apareciam.

Uns - já Mestres - haviam-se desencantado, suponho, com a rotina da vida da Loja, e tinham agora outros entreténs - razão por que não punham os pés numa Sessão fazia tempo. Outros tinham, simplesmente, prioridades - frequentemente profissionais ou familiares - que se impunham sobre a presença em Loja, ou não tinham de todo disponibilidade para integrar a Linha de Sucessão assumindo um Ofício. Uns e outros lá iam aparecendo, uns mais e outros menos frequentemente, mas alguns desapareciam completamente de circulação.

A outros - ainda Companheiros - sucedia perderem o estímulo, ou não aguentarem tanto tempo sem poder falar e sem ser exaltados a Mestre. Ao fim de um tempo, também alguns destes começavam a faltar, a envolver-se pouco, e a certa altura eram, também eles, um desses nomes que se ouve e se associa a uma cara, mas que se tem uma certa nostalgia de não ver há meses...

Por fim, alguns Aprendizes eram iniciados, achavam graça à coisa, mas não tinham vida nem disponibilidade para pertencer a uma Loja que se reúne duas vezes por mês em dias e horas certos. Outros, quiçá mal conduzidos ou defeituosamente escrutinados, acabavam por se aperceber que a Maçonaria não lhes fazia vibrar corda nenhuma, e desapareciam.

Alguns interiorizavam que não queriam mais pertencer à Maçonaria, e pediam para sair. Outros, divididos entre o querer e o não poder, não assumiam a impossibilidade de permanecer, e iam ficando sem ficar. A certa altura, já nem as quotas pagavam, nem asseguravam os "mínimos olímpicos" da assiduidade - nós nem somos esquisitos: uma presença por ano basta-nos - e tinha que se lhes chamar a atenção para que cumprissem com os seus deveres.

E de facto confirmei ser precisamente assim, como o Rui tinha dito: há os que ficam pelo caminho, e os que vão progredindo de degrau em degrau, uns mais depressa e outros mais lentamente. Por vezes, alguns metem-se por becos sem saída e, ou adormecem, ou corrigem o percurso. Mas se é sempre triste vermos um irmão sentar-se na beira do caminho, descalçar as botas e adormecer encostado a uma árvore - pois sabemos que a maioria ficará ali para sempre - já nos enche de orgulho ver um irmão subir mais um degrau, assumir mais uma responsabilidade, receber mais um reconhecimento.

Os caminhos são muitos, e o destino é cada um que o escolhe. Não é, portanto, a Loja que é exigente e o "chumba" - pois para isso teria que ser a Loja a determinar os objetivos, e estes pertencem a cada um. É antes o Maçon que é muito ocupado, desiludido, ou simplesmente complacente, e se retira pelo seu pé. E assim deve ser. É que a Maçonaria não é para todos: é só para aqueles que de facto queiram - e façam por isso."

Autor: Paulo M.  


11 maio 2015

ÉTICA? ÉTICA... ÉTICA!


O tema comum do nosso encontro de hoje é ÉTICA. Mas será que todos temos a mesma noção deste termo? Não arriscarei muito se afirmar que, se fizéssemos um rápido inquérito entre todas e todos os presentes, obteríamos respostas diversas... Acho portanto útil maçar-vos alguns minutos com uma referência ao que os Mestre da filosofia entenderam, ao longo do tempo, sobre o significado de Ética.

Para Sócrates, a Ética consistia no conhecimento, de forma a vislumbrar, através da felicidade, o fim, o objetivo, dos nossos atos. A Ética tinha como propósito preparar o homem para se conhecer a si próprio, uma vez que, precisamente, é o Conhecimento a base do ato ético. Essencial era o Conhecimento da Lei, das normas sociais vigentes, porquanto, para Sócrates, a obediência à Lei era o limite entre a civilização e a barbárie. Em suma, para Sócrates, o Conhecimento que subjazia à Ética não se limitava à mensagem do Oráculo de Delfos, o conhecido aforismo do “Conhece-te a ti mesmo” – ainda hoje um dos pressupostos ideológicos da Maçonaria especulativa -, mas abrangia necessariamente o conhecimento, a obediência e a atuação respeitadora das leis vigentes na Sociedade, condição essencial para a existência e manutenção do corpo social.

Já para Aristóteles, a Ética podia ser definida como uma busca da felicidade dentro do âmbito do ser humano, se o Homem se esforçar a atingir a sua excelência. A Felicidade como objetivo era central no conceito aristotélico de Ética e consistia na realização humana e no sucesso que o Homem pretendia obter, para tal agindo no seu mais alto grau de excelência, através do desenvolvimento das suas qualidades de caráter. Esta noção de aperfeiçoamento, de aprimoramento das nossas caraterísticas, em busca da maior aproximação possível da Perfeição também é cara ao ideário maçónico.

Platão construiu o seu conceito de Ética em torno da finalidade da condução do Homem ao Bem, um dos valores arquetipicamente existentes no mundo ideal, no plano dos Deuses, que os homens apenas podiam aspirar a emular. Em face deste arquétipo do Bem, a vida humana não se poderia resumir apenas à busca do prazer, mas dever-se-ia dedicar a atingir o valor mais alto do Bem. Para tal, era essencial a ideia da Ordem, ou da Justa Proporção, que consistia no equilíbrio de diversos elementos desembocando no mesmo e justo fim. Designadamente, o Bem atingia-se através da atuação na justa medida, do equilíbrio, entre o Prazer e a Inteligência. Tal Bem, evidentemente – falamos do fundador do Idealismo... – não consistia nas coisas materiais, mas em tudo aquilo que permitia o engrandecimento da alma, ou seja, a ética platónica ensinava que acima dos prazeres, riquezas ou honras estava a prática das Virtudes – outro conceito que indubitavelmente integra o cerne do pensamento maçónico. 

Voltando agora a atenção para a Idade Média, verificamos que Santo Agostinho – talvez o melhor exemplo do pensamento dominante em dez séculos de História do Pensamento Ocidental – tinha, não surpreendentemente, uma noção completamente diferente do conceito de Ética. No paradigma agostiniano, a Ética Humana dependia de dois polos: por um lado, Deus, o Supremo Bem; por outro, o Pecado Original, afetando toda a Humanidade. Por via deste, o Homem não era intrinsecamente Bom e necessariamente que seria levado ao Mal e aos vícios da carne, a não ser que lograsse seguir uma vida virtuosa, em Deus. Para Agostinho, a atuação ética pressupunha o domínio da natureza humana, conspurcada pelo Pecado original, mediante uma vida virtuosa, através da qual seria possível aceder à Salvação. Para ele, a verdadeira Felicidade está na esperança da Salvação e, portanto, depende da Vida Eterna. Assim, embora Agostinho partilhasse com Aristóteles a noção da essencialidade da prática das virtudes e do aprimoramento individual, porque para ele Deus é o princípio e o fim de todas as coisas, a Felicidade é inatingível no decorrer da vida humana, só sendo alcançada junto de Deus na Vida Eterna, para tal sendo indispensável a conduta ética, isto é, a vida virtuosa.

Oposto à visão agostiniana da Ética é o conceito que dela teve Nicolau Maquiavel. Refletindo na esfera do Poder, sua obtenção, manutenção e exercício, mas facilmente se extrapolando o seu pensamento para a conduta humana em geral, Maquiavel define como valores essenciais a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, tudo se subordinando a eles, custe o que custar. Assim, uma ação só numa perspetiva histórica pode vir a ser considerada boa ou má, consoante o resultado com ela obtido em prol dos ditos valores essenciais. Esta crua visão facilmente pode ser considerada como anética, pois põe o acento tónico nos fins, nos objetivos, cuja obtenção ou não justificaria ou não a ação realizada. Mas a simples recusa desta noção é, a meu ver, insuficiente. Importa ainda anotar o primeiro aparecimento da prioridade absoluta do coletivo sobre o individual. O indivíduo pode ser sacrificado, sem qualquer limite, em prol do interesse coletivo, considerando Maquiavel ser tal perfeitamente ético... se resultar! Esta noção veio a ser desenvolvida amplamente, designadamente pela corrente materialista, nos séculos XIX e XX e, neste último século, temos visto várias consequências da sua aplicação. Adiante, que a companhia não é das melhores...

Descartes retoma o conceito de que a Ética constitui a realização da Sabedoria, suficiente para a Felicidade, a qual é por ele considerada “a melhor existência que um ser humano pode ter esperança de alcançar”. Para ele, a Ética assenta em dois pilares essenciais: a Virtude e a Felicidade, aquela entendida como uma disposição da vontade para efetuar escolhas de acordo com o juízo da Razão sobre o Bem, esta singelamente entendida como a tranquilidade. A noção cartesiana da ética redunda assim na compatibilização das visões socrática, aristotélica e platónica sobre o tema. O Renascimento na sua mais evidente expressão…  

A obra-prima de Baruch de Spinoza tem para nós, maçons, o sugestivo título de A Ética demonstrada à maneira dos geómetras. Está dividida em cinco partes, nas quais trata sucessivamente do Ser, do Homem, dos Afetos, da Servidão humana e da Liberdade. Para Spinoza, a razão e os afetos não se opõem. A própria razão é um afeto, um desejo de encontrar ou criar as oportunidades de alegria na vida e evitar ou terminar as circunstâncias causadoras de tristeza. Em suma, a Razão é ela mesma um afeto tendente à Felicidade. A ética de Spinoza é a ética da alegria, só ela nos conduz ao amor e à felicidade. Para ele, a Ética não resulta do altruísmo, bondade ou solidariedade, mas da própria condição natural. Está mais próximo dos clássicos gregos do que de Santo Agostinho. Tal como aqueles, para Spinoza a Felicidade é o objetivo último da ação humana.  

Locke acreditava que a Ética tem que ser demonstrada racionalmente, pois nenhuma regra de conduta moral é válida se a sua necessidade não for fundamentada através da Razão. Para ele, os principais fundamentos (racionais, obviamente) das regras morais são a busca da Felicidade e o propósito de evitar a deterioração da Sociedade.

A propósito de Razão, o teórico da Razão Pura, Immanuel Kant, relativamente ao conceito de Ética não estabelece nenhum bem ou fim que tenha de ser alcançado e não se pronuncia sobre o que temos de fazer, apenas sobre como devemos atuar. Para ele, o que importa é a intenção, a coerência entre a Lei e a ação, não o fim. Situa-se claramente nos antípodas do florentino Maquiavel. Se alguma aproximação lhe detetamos é ao pensamento de Sócrates.

Nietsche rejeita uma visão moralista do mundo e atribui os valores éticos ao campo das emoções, não da Razão. Para ele, o Homem Ético é aquele que não reprime os seus instintos, desejos e emoções, concretizando-os em atos libertários. Dificilmente se poderia conceber um conceito mais individualista do que este!   

Habermas considera que a Ética depende da valorização da Diferença e da Liberdade Humana, impondo que a Diferença seja equiparada à normalidade. A Ética projeta-se em valores como a Vida, a Solidariedade, a Cooperação, a Amizade. 

Finalizo esta excursão por vários Mestres da filosofia com a referência a Peter Singer, filósofo australiano da Ética Prática. Para Singer, em termos de aplicação prática, Ética e Moral são sinónimos e enfaticamente ele chama a atenção para algo de que pudemos aperceber-nos ao longo do enunciado de pensamentos com que os venho maçando: a Ética NÃO É um conjunto de proibições. Como ele cristalinamente ilustra, mentir em circunstâncias normais é um mal – mas no caso de uma pessoa vivendo na Alemanha nazi a quem a Gestapo batesse à porta à procura de judeus, mentir negando a existência de judeus escondidos nas águas-furtadas da casa era o eticamente adequado...

Para Singer, Ética é uma perspetiva que concede à Razão um papel importante nas decisões e os juízos éticos devem ser formulados de um ponto de vista universal, isto é, os interesses individuais ou de grupo não valem mais do que os outros interesses de outros indivíduos ou de outros grupos. O juízo ético é aquele que procura, em relação a cada problema, determinar a solução ou a conduta que possibilite o maior bem, entendido como a maior e melhor satisfação das necessidades possível – ou seja, a maior Felicidade!

Feita esta resenha do pensamento de vários Mestres, verificamos que, na diversidade dos seus pensamentos, podemos detetar uma linha comum, talvez um pouco surpreendente: a Ética tem essencialmente a ver com a busca e o anseio humanos pela Felicidade! As normas, as imposições ou proibições de condutas que normalmente associamos à Ética não são o cerne do conceito, mas as condições para a viabilização dessa busca humana da Felicidade.

Entendemos assim facilmente porque há em diferentes épocas e latitudes tão diferentes conceitos de Ética: porque as condições de vida e de enquadramento social de cada época e latitude tornaram diferentes as formas de busca e de tentativa de concretização do humano anseio pela Felicidade.

Sendo assim, compreende-se que é normal a primeira afirmação que hoje fiz: cada um dos presentes terá uma diferente noção de Ética porque, embora de forma porventura subtil, a Felicidade que cada um busca é diferente da dos demais, é própria, pessoal e intransmissível.

Mas, sendo assim, que denominador comum poderei eu sugerir hoje, aqui e agora, sobre Ética, de forma que seja aceitável para os apressados espíritos de hoje, inundados de informação tão abundante que nem sequer logramos, por vezes, sobre ela incidir um juízo verdadeiramente crítico? 

Sem grande preocupação de rigor científico – por evidente e confessada falta de capacidade para tal -, mas procurando ilustrar o conceito de uma forma sugestiva, gostaria de vos propor um entendimento de Ética que julgo ser uma noção completa, isto é, com princípios, meios e fins: 

ÉTICA É O CONJUNTO DE PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A DETERMINAÇÃO E UTILIZAÇÃO DOS MEIOS À NOSSA DISPOSIÇÃO PARA ATINGIRMOS OS FINS A QUE NOS PROPOMOS. 

Atenção que Ética não é uma declaração de princípios. Ética é a utilização dos princípios por cada um adotados. Um solene conjunto de princípios, por muito bonitos ou consensuais que sejam, que serve apenas para eles serem invocados, declarados, apregoados, mas que na realidade não são utilizados, é como a coleção de porcelanas da minha tia-avó: só serve para estar exposta na sala e ser exibida às visitas! Não passa de bacoca manifestação de vaidade e fútil exibição de pretensas preciosidades, alegadamente valiosas, mas realmente inúteis! Em nada e para nada releva ou interessa apregoar ou invocar ou proclamar solenes princípios se estes não passarem de palavras soltas em ocasiões julgadas oportunas e não forem efetivamente praticados.

A Ética não está nos princípios declarados, está nos princípios praticados. Não está nas palavras, está nos atos. Não está nos consensos formados, está nas cooperações levadas a cabo. Não está nas intenções, está nas concretizações. Não está nas justificações, está nas consequências. Não está dentro de cada um de nós, está no que cada um de nós projeta para o exterior de si.

A Ética não é um conceito estático, é uma aplicação dinâmica. O Homem não É ético.  O Homem sempre, em cada momento, renova-se e FAZ-SE Ético, em cada decisão, em cada escolha, em cada ato.

Só temos verdadeiramente Valores, ou seja, Princípios, se os utilizamos SEMPRE para conformarmos os nossos atos na concretização dos nossos objetivos (e sempre é sempre: quando nos convém e principalmente quando não nos convém).

PRINCÍPIOS que determinam os nossos MEIOS para atingirmos os nossos FINS – esta a noção de Ética que considero adequada para todos. 

E esta noção de Ética, bem vistas as coisas, não é limitadora, é construtora. Construtora da nossa personalidade e da nossa conduta. Construtora da nossa imagem de nós perante nós próprios. Construtora do conceito que granjeamos dos outros em relação a nós. Construtora do que somos, do que fazemos, do que conseguimos. Construtora do sentido das nossas vidas. Construtora das nossas vitórias, mas também construtora da superação dos nossos desaires. Construtora da nossa Vida, do nosso lugar na Vida e da nossa legítima fruição da Vida. Construtora, em suma, da nossa FELICIDADE.

Afinal os Mestres tinham razão! Por isso os reconhecemos como tal!


Rui Bandeira
9/5/2015
Colóquio da GLFP A Maçonaria no século XXI
Painel Desafios éticos no Mundo atual


Bibliografia:

https://jfariaadvogados.wordpress.com/2010/01/27/a-etica-de-socrates/, consultado em 8/4/2015.
http://www.webartigos.com/artigos/a-etica-em-aristoteles/23318/ , consultado em 8/4/2015.
http://www.webartigos.com/artigos/a-etica-platonica-e-aristotelica/87414/ , consultado em 8/4/2015.
https://sentadonalua.wordpress.com/2012/07/12/a-etica-de-santo-agostinho-frente-a-etica-aristotelica/, consultado em 11/4/2015.
http://descartesfilosofia.blogspot.pt/p/etica.html, consultado em 11/4/2015.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Maquiavel , consultado em 11/420/15.
http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=79 , consultado em 11/4/2015.
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica_%28livro%29 , consultado em 11/4/2015.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Baruch_Espinoza , consultado em 11/4/2015.
http://www.eses.pt/usr/ramiro/docs/etica_pedagogia/A%20%C3%89TICA%20DEESPINOSA.pdf , consultado em 11/4/2015.
http://www.efdeportes.com/efd129/a-etica-revisitada-olhares-atraves-da-historia.htm , consultado em 11/4/15
http://afilosofiadaintegracao.blogspot.pt/2009/03/etica-de-kant.html , consultado em 11/4/2015. 
Peter Singer, Ética Prática, consultada em 11/4/2015, em http://docente.ifrn.edu.br/edneysilva/etica-pratica 

04 maio 2015

1º de Maio, Dia do Trabalhador ( e do maçom, digo eu!)...


Depois de ter publicado no texto anterior uma reflexão sobre o 25 de Abril, hoje venho publicar outro texto mas desta vez motivado pelo “1º de Maio”.

O que poderá  aparentar que transformei este espaço de liberdade com politiquices e afins… Mas nada de mais errado!

Quem não leu o texto anterior e apenas viu as letras do título poderia supor tal, aceito isso. 
Mas quem leu o texto anterior na integra e se for ler este texto também, no final constatará que “politiquismos” não existem, mesmo que a Política seja um conceito necessário para a vida das civilizações e seu progresso.

Mas o que me importa abordar neste texto é o contexto de trabalho que se pode assacar da celebração do feriado do “ 1º de Maio”.

Festeja-se esse dia por este mundo fora para celebrar o Dia do Trabalhador, logo de todos nós.

Mas num sentido mais estrito da palavra “trabalhador”,  também aqui os maçons podem considerar esse dia com um dia seuE passo a explicar.

O maçom considera-se alguém que labora o seu interior – o seu íntimo – para o bem da sociedade em geral. Logo utiliza geralmente como metáfora ou alegoria do seu trabalho pessoal a construção de um templo em si mesmo, lapidando e burilando a “pedra bruta” que é ele próprio.
 E este trabalho não é nada fácil por sinal. 

Posso até afirmar que para algumas pessoas é uma tarefa bastante árdua e com algum sacrifício pelo meio.
Moldarmos o nosso carácter, a nosso postura, o nosso comportamento e os nosso pontos de vista habituais, que geralmente apenas estão visados para nós próprios e raramente para os outros, é bastante difícil. Talvez seja uma tarefa tão hercúlea como a construção das pirâmides do Egipto ou a Grande Muralha da China… 
Pois nunca foi fácil para ninguém perceber que poderá estar errado em relação a algo ou que tem se “mudar” a si próprio se quiser evoluir como ser pensante.

Evoluir nunca foi fácil para o Homem, logo ele teve de trabalhar para isso suceder.

Instruíu-se, educou-se, formou-se, fez múltiplas coisas para que lhe fosse possível alcançar o que hoje em dia tem e experencia. Mas neste conjunto de ações que fez, algo é aceitável por todos, o Homem “trabalhou”; umas vezes com maior proveito outras vezes nem tanto, mas aprendeu com isso e soube ultrapassar esses momentos que aconteceram pelo meio. 
O Homem unicamente pelo seu trabalho, prosperou…

- E é isso que deve ser também festejado num dia como este.-

E o maçom sendo ele também um trabalhador no mundo profano e principalmente no meio maçónico, deve ele sentir também a homenagem em causa efetuada neste dia, nesta celebração.

No interior das suas Respeitáveis Lojas, os maçons trabalham nas suas Pranchas, trazendo alguma "luz" aos seus irmãos, debatem as suas ideias e aprendem  - neste caso, reitera - um conjunto de princípios que deverão empregar no mundo profano, por forma a que possam ser  válidos cidadãos no local onde vivam ou para o país que os acolham.

Pode a generalidade da população desconhecer o trabalho maçónico que se faz em prol da sociedade, mas o maçom não o descura porque o conhece e sabe que muitas vezes o que foi conquistado pela sociedade deve-se ou deveu-se ao trabalho dos seus irmãos. E por isso mesmo compete ao maçom preservar esse trabalho feito e se possível levá-lo a uma fasquia superior, caso tenha condições para isso.

Pode a sociedade (dependendo dos países em questão) não conhecer o que fazemos, mas temos de o continuar a fazer, nem que seja por nós próprios e pelos outros que pensam e vivem tal como nós…

O que nos espera será sempre: trabalhar, trabalhar e trabalhar…


PS: Texto escrito ao fim da tarde do “primeiro de Maio” e publicado hoje por opção editorial minha.