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23 julho 2010

A Guerra Civil Inglesa (ou porque não se discute política ou religião em Loja)




Entre 1500 e 1800 diferentes reis e rainhas de Inglaterra perseguiram, prenderam, mataram ou simplesmente incomodaram católicos, anglicanos, metodistas, puritanos, luteranos, presbiterianos, calvinistas, quakers, e virtualmente qualquer outra variação da Cristandade. A convicção pessoal e a fé de cada monarca tinha graves consequências, muitas vezes fatais, nos seus desafortunados súbditos que não oravam perante o mesmo altar.

A Guerra Civil Inglesa, iniciada em 1642 entre Monárquicos, partidários do rei Carlos I de Inglaterra e Parlamentaristas, liderados por Oliver Cromwell foi, na sua essência, uma luta entre a Igreja estabelecida, apoiada pela nobreza (que pretendia ver o seu poder perpetuado) e protestantes puritanos radicais, oriundos de uma classe média emergente, desejosos de se governar a si mesmos. A guerra só terminaria sete anos depois, com a condenação de Carlos I à morte e a tomada do poder por Cromwell e pelos puritanos. Não obstante Carlos I ter sido mal amado pelo seu povo e não ter propriamente deixado saudades, bastou menos de uma década de um estilo tirânico e sangrento de governação com Cromwell à cabeça para que os ingleses quisessem a sua monarquia de volta. Carlos II foi coroado em 1661 e, ao contrário do seu pai, era um homem bem mais interessado na ciência e na razão do que na perseguição religiosa. Abriu, assim, as portas para uma nova era, uma era que iria acolher favoravelmente os novos princípios da Maçonaria Especulativa.

Um dos piores aspetos desta guerra foi ser um conflito de irmão contra irmão, vizinho contra vizinho, amigo contra amigo. Esta terrível circunstância afetaria o futuro e a filosofia da Maçonaria até aos nossos dias. Foi assim que, em 1717, quando a primeira Grande Loja foi formada em Londres, foram estabelecidas regras pouco usuais. Em primeiro lugar, proibiu-se a discussão de religião: as reuniões não seriam interrompidas por argumentos entre católicos, anglicanos, puritanos e protestantes. Enquanto os membros acreditassem em Deus, a sua fé não seria questionada. Em segundo lugar, as batalhas políticas entre monárquicos e parlamentaristas - que tinham dado origem à guerra civil - não seriam toleradas: os maçons estavam determinados a sobreviver às questões que haviam devassado o seu país, e a impedir que quem quer que fosse os pudesse acusar de heresia ou de traição. Em seu lugar, as Lojas insistiam no estabelecimento de laços fraternais entre os seus membros. Ficava, de igual modo, estabelecido um valor muito querido à Maçonaria: a tolerância.

Eis as razões históricas da proibição da discussão de política ou religião em Loja. A Maçonaria Regular tem - muito tradicional e britanicamente, poderíamos dizer - tendência para ser avessa a grandes "inovações", e para se ater àquilo que o tempo confirmou como sendo adequado. Não houve, até agora, razão bastante para se reverter essas proibições - pelo que estas ainda vigoram.

Em muitas Lojas - como na Loja Mestre Affonso Domingues - essa regra não é interpretada no sentido de ser vedada a referência a qualquer tema político ou religioso, mas antes no sentido de proibir qualquer controvérsia ou discussão sectária ou confessional, ideológica ou partidária, que divida a Loja em "lados", em "partidos" e em "partes" que tenham por denominador comum a convicção, a crença ou a ideologia de cada um. Pode, assim, discutir-se se determinada medida política concreta será melhor ou pior, mas sem que nunca se questione - ou se mencione, sequer - partidos ou correntes ideológicas; assim como se pode apresentar um trabalho sobre uma determinada religião, mas sem que seja admissível que a mesma seja criticada. Outras Lojas entendem diversamente, e aplicam uma interpretação mais estrita, abstendo-se de qualquer referência a um e outro tema. Não posso fechar este assunto sem referir a Maçonaria Liberal - de inspiração francesa - em que estas restrições não existem de todo. Saliento, por fim, que estas proibições se referem apenas aos trabalhos em Loja e que, fora destes, qualquer maçon pode pronunciar-se como entenda sobre o que tenha por conveniente.

Paulo M.