30 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - V

Nenhum homem pode ser Iniciado ou admitido como membro de uma Loja sem prévia comunicação, à mesma, com antecedência de um mês, para que se faça uma investigação sobre a reputação e capacidade do candidato, a não ser com autorização como a do número anterior.

Esta quinta regra determina dois princípios que ainda hoje continuam a ser escrupulosamente seguidos e que, sem dúvida, constituem pontos essenciais no processo de admissão de qualquer novo elemento: a Inquirição e a Exposição nos Passos Perdidos.

A Inquirição é o processo de tomada de conhecimento pela Loja de quem é aquele que se lhe quer juntar, quais os seus propósitos. Ou seja, de averiguação e certificação de que se trata efetivamente de alguém livre e de bons costumes, que de boa fé procura aceder e prosseguir no caminho do autoaperfeiçoamento, segundo o método maçónico. Ou ainda dito de outro modo, que se está perante um homem bom passível de se tornar um homem melhor.

Mas outros elementos são verificados no processo de inquirição, designadamente o enquadramento social e familiar do candidato e sua compatibilização com a atividade maçónica e as caraterísticas do candidato e sua capacidade de harmoniosa integração no grupo pré-constituído. Com efeito, muito difícil será que, por muito desejoso disso que esteja o candidato, proficuamente se trilhe um caminho maçónico com a oposição do cônjuge ou dos familiares próximos. A Maçonaria pressupõe sempre a prioridade que cada um dos seus elementos deve dar à família e, consequentemente, procura evitar conflitualidade entre a Família e a Maçonaria que, mais tarde ou mais cedo, obrigue à opção por uma ou por outra. A regra é a da harmonização entre as obrigações familiares (e também sociais e profissionais) e as obrigações maçónicas, não a do conflito entre ambas. Busca-se a coexistência e que cada vertente contribua para a melhoria do homem, assim mais bem integrado em cada uma das realidades. Sem a presença das necessárias condições de coexistência, o percurso maçónico, o propósito de melhoria, tornam-se impossíveis de concretizar. Por outro lado, a busca maçónica pressupõe que aquele que a deseja possua ideias próprias, assertividade e autoconfiança, mas implica também a necessária flexibilidade para se adaptar a um grupo que já existe e, oportunamente, poder contribuir para o seu fortalecimento, coesão e melhoria, não para ser fonte de conflitos, dispersões, enfraquecimento global.

Dentro de um padrão global, que se poderá considerar universal, cada Loja estabelece as suas práticas, métodos e prioridades no processo de Inquirição dos seus candidatos. A diversidade da natureza humana e dos grupos humanos é quase inesgotável. Não admira assim que um candidato que se acha adequado para se integrar numa Loja fosse, porventura pernicioso se incluído numa outra, tal como a integração numa Loja pode potenciar muito mais a evolução de um específico candidato do que se essa integração ocorresse numa outra Loja.

A exposição da candidatura nos Passos Perdidos, ou seja, a afixação do pedido de admissão à Iniciação do candidato em local próprio das instalações da Obediência para tal efeito, visa permitir que, no decorrer do processo de Inquirição, o máximo de elementos, quer da Loja, quer de outras Lojas da Obediência, tomem conhecimento do propósito existente e possa, assim, se for caso disso, expor qualquer objeção que tenha por pertinente. Procura-se assim evitar surpresas na avaliação do candidato, contraponto indispensável à plena e incondicional confiança que, uma vez admitido e iniciado, o grupo lhe devotará.

Uma referência à expressão "Passos Perdidos", que julgo exclusiva da Maçonaria Portuguesa. Em Portugal, os "Passos Perdidos" são o espaço, o hall exterior à sala das sessões da Assembleia da República. Nesta Casa da Democracia, muitos entendimentos são negociados, muitas estratégias políticas discutidas, muito do que é decidido na Sala das Sessões toma efetivamente forma nos Passos Perdidos. Por analogia, nas edificações maçónicas em Portugal designa-se por "Passos Perdidos" os corredores ou o hall exterior ao Templo onde se realiza a sessão maçónica. Por norma, é num desses espaços (por regra, não utilizáveis nem utilizados para atividades administrativas ou rituais) que se afixam as propostas de candidatura, para que fiquem disponíveis para apreciação de todos os obreiros. Daí que, em Portugal se designe essa afixação por exposição nos Passos Perdidos.

Uma única exceção existe para estas cautelas e este rigoroso processo de avaliação: a faculdade que assiste ao Grão-Mestre (ou Vice-Grão-Mestre em substituição do Grão-Mestre) de "fazer maçom à vista", isto é, iniciar alguém maçom, independentemente de prazos, inquirições ou exposições nos Passos Perdidos. Numa das existentes coletâneas de Landmarks, a de Mackey (popular, designadamente, no continente americano), integra mesmo o oitavo dos Landmarks elaborados. Na Regra dos Doze Pontos, documento fundamental da Maçonaria Regular europeia, não se faz expressamente referência a esta possibilidade de o Grão-Mestre "fazer maçons à vista". Mas a segunda Regra expressamente remete para a obediência aos Antigos Deveres, ou seja, às Regras Gerais dos Maçons fixadas por Anderson na Constituição de 1723. Esta é uma dessas Regras Gerais. Por esta via também a Maçonaria Regular europeia declara a prevalência do poder conferido ao Grão-Mestre de "fazer maçons à vista".´Este poder não se resume à Iniciação, estendendo-se à Passagem (ao 2.º grau, de Companheiro) e à Elevação (ao 3.º grau, de Mestre Maçom). Constitui uma das "válvulas de segurança" do sistema de regras maçónico para possibilitar a atuação excecional perante situações excecionais. É uma  regra de aplicação muito parcimoniosa, verdadeiramente excecional, hoje em dia francamente rara... mas existe e é aplicável, sempre que necessário o seja.       

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

23 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IV

Nenhuma Loja deve iniciar mais de cinco Irmãos ao mesmo tempo. nem nenhum homem com idade inferior a vinte e cinco anos pode ser Mestre, a não ser que tal seja autorizado pelo Grão Mestre ou seu Vice-Grão-Mestre.

A quarta Regra Geral dos Maçons constante da Constituição de Anderson de 1723 refere-se a uma condição limitativa relativa à iniciação.

A Iniciação é a cerimónia pela qual um profano que se candidatou a integrar a Maçonaria adquire a condição de maçom, no grau de Aprendiz. É uma cerimónia que, com pequenas variantes, é executada da mesma forma desde há cerca de trezentos anos pelas Lojas de todo o mundo, qualquer que seja o rito que pratiquem. O essencial da cerimónia é o mesmo, independentemente de ritos, localização geográfica, língua, costumes, épocas. É uma cerimónia destinada a marcar o espírito daquele que a ela é submetido. Para que esse objetivo possa ser atingido, é essencial que o candidato desconheça o que se vai passar. É por essa razão - e unicamente por ela! - que os maçons se comprometem formalmente a não revelar o seu teor a qualquer profano. Sem embargo desse compromisso, a que, naturalmente, estou também vinculado, já neste blogue dediquei dois textos (A Iniciação - I e A Iniciação - II) ao tema. Foram dois textos que me deram satisfação em escrever, precisamente porque, cumprindo o meu compromisso de não revelar o que não deve ser revelado, permitem ao leitor ter a noção do que é esta cerimónia. Os profanos ficam com a noção do que estruturalmente é e de qual o seu propósito. Os maçons reconhecem no seu teor o que se passou. 

A IV Regra Geral interdita que se processe, em simultâneo, mais de cinco iniciações. Este limite é, hoje em dia, na generalidade das Obediências maçónicas, muito mais severamente restringido. Por exemplo, no Regulamento Interno da Loja Mestre Affonso Domingues expressamente se interdita a iniciação em simultâneo de mais do que dois candidatos. E mesmo esta possibilidade de dupla iniciação em simultâneo deve ser entendida como exceção. A regra é de que se deve procurar iniciar apenas um candidato de cada vez. 

Estipula esta regra IV que nenhum homem de idade inferior a vinte e cinco anos deve ascender ao grau de Mestre. É uma regra que, hoje em dia, não está expressamente prevista. Mas, na prática, só muito excecionalmente poderá um maçom ser exaltado Mestre com menos de vinte e cinco anos. É requisito de admissão na Maçonaria a maioridade, pelo que só após a mesma se dá início a qualquer processo de candidatura (e deve ter-se em conta que raramente homens tão jovens se candidatam e vêm a sua candidatura viabilizada, seja por falta do amadurecimento indispensável ao real interesse e propósito de autoaperfeiçoamento, seja por falta de estabilidade económica, profissional ou social que permita que o homem se dedique a algo que ultrapassa a satisfação das necessidades básicas e essenciais, do próprio e da sua família). O processo de candidatura é moroso, não sendo inédito - muito pelo contrário - que decorra por mais de um, dois, ou mesmo três anos. O tempo de permanência no grau de Aprendiz só muito dificilmente é inferior a um ano e é corrente que dure dois anos - e já vi atingir os três e mais anos. Igual tempo, ou quase, passa o maçom no grau de Companheiro. Muito dificilmente se é exaltado Mestre Maçom com menos de vinte e cinco anos. Pelo contrário, raros são os maçons que atingem esse grau com menos de três décadas de vida - e isto numa Obediência que se carateriza por ter muita gente jovem, como é a portuguesa GLLP/GLRP! Por isso refiro frequentemente que uma das virtudes necessariamente cultivadas pelos maçons e pelos que o desejem ser é a Paciência!

A última indicação que esta IV Regra nos dá é que as condições limitativas nela expressas podem ser derrogadas pelo Grão-Mestre ou pelo Vice-Grão-Mestre. Em Maçonaria Regular, há regras estritas que nem o Grão-Mestre pode derrogar (os Landmarks) e regras que a autoridade do Grão-Mestre pode derrogar - obviamente, com caráter de excecionalidade. São poucas e cuidadosamente previstas, sempre de forma expressa. Constituem estas exceções como que válvulas de segurança para que sejam atendidas situações excecionais, que só com medidas excecionais adequadamente podem ser atendidas. E só àquele Mestre investido nas funções de Grão-Mestre (ou o seu substituto, o Vice-Grão-Mestre) é conferido o poder de, mediante o seu discernimento, e mediado pela sua prudência, determinar quando deve haver lugar a uma atuação excecional. Na prática, raramente sucede - e assim deve ser!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

16 maio 2012

Pode um católico ser maçom?

Há tempos, no jornal Público, Ricardo Sá Fernandes, meu colega de profissão e membro do GOL (Grande Oriente Lusitano), publicou um pequeno texto em que se assumia como católico e maçom, defendendo que ambas as qualidades são plenamente compatíveis. Respondeu o padre Gonçalo Portocarrera de Almada, sustentando a posição inversa. Recentemente, um senhor de nome João Mendia afirmou também a incompatibilidade das duas condições.

Decido intervir na polémica. Antes do mais, e como convém, eis a minha declaração de interesses: sou maçom regular, isto é, integro a orientação maçónica original, que só admite no seu seio crentes, qualquer que seja a crença religiosa de cada um. Em termos de convicção religiosa, não me defino como católico, antes como deísta, crente no Criador sem necessidade da intermediação das religiões organizadas, na minha opinião cada uma delas se afadigando a moldar o Criador às suas respetivas conceções particulares. Nesta polémica de se um católico pode ser maçom, parto, pois, de uma posição neutral.

Maçom que sou, mais do que criticar as opiniões expressas pelos que se pronunciaram sobre a questão (opiniões que, concorde ou discorde delas, me cumpre respeitar),  vou-me limitar a expor a minha opinião e as razões dela.
 
Advogado que sou, tenho a deformação profissional de analisar os conflitos, as divergências de opinião, recorrendo ao que está escrito nos livros da lei. E, nesta matéria de religião e espiritualidade, nada me parece melhor do que recorrer ao Volume da Lei Sagrada que é aceite por todas as partes, católicos, maçons e católicos maçons: a Bíblia.
Confiramos então os Dez Mandamentos que Deus transmitiu a Moisés,constantes do Livro do Êxodo, 20, 2-17 (e também em Deuteronómio, 5, 6-21):    

2 Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
3 Não terás outros deuses diante de mim.
4 Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
5 Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.
6 E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.
7 Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.
10 Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas.
11 Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou.
12 Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá.
13 Não matarás.
14 Não adulterarás.
15 Não furtarás.
16 Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
17 Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

 Neste texto nada objetivamente se encontra que permita concluir que ser maçom infringe qualquer dos mandamentos divinos. Cuidadoso que sou com os pormenores, esclareço que o Grande Arquiteto do Universo invocado pelos maçons mais não é do que a designação particular que estes dão ao Criador, evitando assim ter de utilizar uma denominação utilizada por uma religião e não por outra, não sendo um qualquer "outro deus".

Mas prossigamos até ao Novo Testamento e aportemos a Mateus,22, 34-40:

34os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: 36"Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?"
  
37Jesus respondeu: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ 38Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante a esse: 'Amarás ao teu próximo como a ti mesmo'. 40Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos". 

Também aqui, obviamente, nada é infringido com a filiação maçónica. Para um católico que não seja um primário antimaçom, parece-me estar qualquer dúvida desfeita: nem os dez Mandamentos do Antigo Testamento, nem os dois mandamentos invocados por Jesus Cristo impedem que um crente, designadamente um católico, possa ser maçom.

Mas houve condenações e proibições papais. Houve! Porém, por grande que seja a importância dos Papas - e só posso aceitar que, para os católicos, o seja -, o certo é que todos foram, e o atual é, apenas homens. Entre as determinações divinas e as humanas eu, simples crente deísta, atribuo primazia às divinas... Confesso que me faz alguma confusão que haja quem, reclamando-se da pureza do catolicismo, roce a blasfémia de sobrepor as determinações humanas às divinas...

Lição a tirar desta polémica? O fundamentalismo religioso é tão irrazoável e tão perigoso sendo cristão, católico ou de outra orientação espiritual, como islâmico.  Que ninguém disto se esqueça!

Rui Bandeira

09 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - III

O Mestre de cada Loja, ou um de seus Vigilantes, ou algum outro Irmão, por sua ordem, deve manter um livro contendo o regimento interno, os nomes de seus membros, uma lista de todas as Lojas da cidade, a hora e local das suas Sessões, e tudo o que for necessário e deva ser registado.

Esta terceira Regra, este terceiro Antigo Uso e Costume, define o que é uma das caraterísticas essenciais da organização de uma Loja maçónica: o registo escrito do essencial da vida da Loja.

A existência de registos escritos referentes a Lojas operativas remonta aos finais do século XIV (o mais antigo documento conhecido é o manuscrito Regius, também por vezes referido como manuscrito Halliwell). Efetuada a transição para a Maçonaria Especulativa, é rotina assente a elaboração de atas, a manutenção do registo de obreiros, a existência de regulamento interno escrito, etc..

Hoje em dia todas as Lojas têm um responsável específico para assegurar a elaboração e manutenção dos registos da sua atividade, bem como a correspondência da Loja, o Secretário. O Secretário da Loja é, como a maior parte dos oficiais do Quadro (oficiais por exercerem ofícios, tarefas, específicos; não no sentido de detentores de postos de comando), por regra designado pelo Venerável Mestre, pelo período do mandato deste, do seu veneralato, salvo necessidade de substituição.

Não deixa de ser curioso e significativo que uma instituição que é tão acusada pelos seus detratores de secretismo tenha tanto cuidado no registo escrito, e respetiva manutenção, da sua atividade. Claro que os indefetíveis detratores da Maçonaria clamam que esses registos não são públicos, são ciosamente guardados pelos maçons, pelo que isso em nada afeta a real existência do nefando secretismo. Assim não é: os registos da atividade maçónica têm o mesmo estatuto legal que os registos da atividade de uma qualquer banal sociedade filarmónica ou clube recreativo. Estão abertos à consulta dos membros da organização e daqueles que tenham motivo justificado para tal. Só não estão disponíveis para inconsequentes impulsos voyeuristas ...  E, no estrito cumprimento da legalidade vigente, estão disponíveis para consulta, leitura, verificação, análise, perícias, tudo o que necessário e legal for, das autoridades competentes - dentro da lei e desde que a lei seja cumprida.

Tal como a documentação privada de qualquer cidadão, conservada na sua casa, não pode ser objeto de devassa sem a emissão por juiz competente do devido mandado de busca, também os maçons não autorizam que os seus documentos sejam vistos ou devassados fora do legal condicionalismo que determine essa consulta. Mas qualquer pessoa que de boa fé esteja percebe que isto nada tem a ver com secretismo, antes respeita à simples e corriqueira tutela da privacidade dos cidadãos que os maçons são. 

Os detratores da Maçonaria clamam contra o falado secretismo dela, mas guardam ciosamente para si (e fazem muito bem e têm todo o direito de guardar e é normal que o façam) os seus números de contribuinte, números e extratos das suas contas bancárias, as palavras-passe de acesso à sua banca eletrónica e aos seus clientes de e-mail e a sua correspondência particular... Dois pesos e duas medidas...

Pois bem: que todos fiquem, de uma vez por todas, a saber que, em matéria de registos das suas atividades e dos seus membros, a Maçonaria não é diferente de qualquer sociedade recreativa!

Há cerca de trezentos anos que, rotineiramente, nas Lojas maçónicas de todo o mundo, se elaboram e guardam atas das reuniões, se elaboram e conservam trabalhos apresentados, lidos e discutidos em Loja. Não admira que todo esse enorme acervo documental constitua espólio que é objeto de estudo de historiadores, maçons e profanos, historiadores da História da Maçonaria ou historiadores tout court. Assim é possível conhecer pérolas como a ata da sessão em que ocorreu a iniciação de Wolfgang Amadeus Mozart, mas também quando e para que sessões foram escritas algumas emblemáticas obras do genial compositor.

Tal como é possível afirmar, sem sombra de dúvida - porque tal está registado em uma ou mais atas -, que personagens famosos, artistas relevantes, cientistas insignes, foram maçons. Apenas com uma ressalva: os maçons acham que essa divulgação deve ser como a toponímia - não se deve utilizar em relação a quem ainda está vivo... 


Fonte:
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

02 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - II

O Mestre de uma Loja tem o direito e o poder de convocar os membros da sua Loja para uma sessão quando lhe aprouver, em caso eventual ou de emergência, bem como o de definir hora e local das suas Sessões. 
Em caso de doença, morte, ou inadiável ausência do Mestre, o Primeiro Vigilante deve atuar como Mestre pro tempore, exceto se estiver presente algum Irmão que tenha sido Mestre desta Loja, anteriormente; neste caso os poderes do Mestre ausente revertem para o último Mestre presente: embora este não possa atuar sem que o dito Primeiro Vigilante tenha convocado a Loja, ou, em sua ausência, o Segundo Vigilante. 

O Mestre referido nesta regra é o que presentemente se denomina de Venerável Mestre. Esta regra permanece como fonte da prática das Lojas da Maçonaria, na ausência de regulamentação própria e específica de cada Loja ou Grande Loja. Mesmo existindo regulamentação, muitas vezes a mesma é fixada de harmonia com este Antigo Uso e Costume.

Por exemplo, a regra de substituição provisória do Venerável Mestre pelos seus Vigilantes, Primeiro e Segundo, por esta ordem, em caso de doença, morte ou impedimento transitório do Venerável Mestre do Regulamento Geral da GLLP/GLRP foi fixada em moldes muito semelhantes ao constante da Regra Geral II da Constituição de Anderson. Pode mesmo, com propriedade, dizer-se que a regra fixada é a mesma, havendo pequenos acrescentos ou previsões adicionais - inevitáveis após o decurso de trezentos anos...

Assim, o Regulamento Geral da GLLP/GLRP prevê expressamente que, em caso de morte, doença ou impedimento transitório do Venerável Mestre de uma das Lojas que integram a Obediência, a sessão de Loja é convocada pelo Primeiro Vigilante ou, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante, exatamente como na Regra Geral II de 1723, acrescentando-se apenas, para a já remota hipótese de também o Segundo Vigilante estar impedido, a possibilidade de ser, então, a Loja convocada por um Antigo Venerável. 

A exemplo da Regra Geral II de 1723, porém, a reunião de Loja, na ausência do Venerável Mestre, só pode ser presidida por um Antigo Venerável que aceite fazê-lo, dando-se, se necessário, preferência aos mais recentes. De novo em relação ao Antigo Uso e Costume, só se prevê a possibilidade de, se assim o Grão-Mestre o determinar, ser a reunião presidida por um Grande Oficial por si designado.

Quanto ao poder de definição de hora e local das reuniões correntes, por regra os Regulamentos de Loja modernos prevêem essa matéria. Por exemplo, no caso da Loja Mestre Affonso Domingues, estão indicados os dias das sessões ordinárias (segundas e quartas quartas-feiras de cada mês) e é fixada uma janela horária de hora e meia dentro da qual o Venerável Mestre pode determinar a hora do início previsto para a sessão.

Quanto à possibilidade de convocatória de uma sessão de urgência, também o Regulamento Geral da GLLP/GLRP assim o prevê, em moldes idênticos ao desta Regra Geral II, acrescentando apenas a possibilidade de, ocorrendo impedimento do Venerável Mestre (e pode até ser esta a razão da urgência...), poder então a sessão de urgência ser convocada pelo Primeiro Vigilante e, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante.

Como se vê, trezentos anos depois, a Maçonaria mantém no essencial as suas regras!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

Rui Bandeira

25 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - I

O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder e o direito de estar presente em qualquer Loja legítima, assim como o de a presidir, com o Mestre da Loja à sua esquerda, e a ordenar que seus Grandes Vigilantes o assessorem; mas estes não podem agir como Vigilantes nas Lojas, excepto naquelas em que estiver presente o Grão Mestre, e sob seu comando, porque o Grão Mestre pode nomear os Vigilantes da Loja, ou quaisquer outros Irmãos que lhe aprouver, para que o assessorem e atuem como seus Vigilantes pro tempore.

Vimos já, no texto introdutório ao conjunto de "Regras Gerais" que aqui se publicam e comentam, que estas foram inicialmente compiladas por George Payne, em 1720, e posteriormente comparadas por Anderson com os "antigos Arquivos e Usos Imemoriais" e por ele ordenadas. Logo a primeira Regra é demonstrativa de que o conjunto de regras fixado, embora baseado nos Antigos Usos e Costumes herdados da Maçonaria Operativa, foi adaptado à nova realidade organizativa do que se convencionou chamar Maçonaria Especulativa.

Com efeito, a Maçonaria Operativa organizava-se em Lojas independentes, que se reuniam periodicamente em Assembleias, em que se acordavam as regras comuns a serem seguidas, mas não possuía uma direção centralizada, um Grão-Mestre com poderes interventivos nas várias Lojas.

A figura do Grão-Mestre, e sobretudo a definição dos seus poderes, não apenas como um executor das deliberações da Assembleia de Maçons ou Grande Loja, nem sequer apenas como coordenador da atividade autónoma das Lojas, mas como um verdadeiro dirigente da super-estrutura, com poderes interventivos e ordenadores no interior das próprias células-base da mesma, as Lojas, é introduzida com a criação da Grande Loja dos Modernos, em 1717.

Com essa criação, claramente mitigou-se a independência das Lojas. A Grande Loja dos Modernos (e subsequentemente todas as Grandes Lojas da Maçonaria Especulativa que a partir do seu modelo se criaram) não foi uma mera estrutura federadora das Lojas, e muito menos confederadora. Rapidamente se assumiu como vera estrutura dirigente, definidora de regras, certificadora das boas práticas da Maçonaria, da sua estrutura (maxime Grão-Mestre e Assembleia de Grande Loja) emanando as regras, as determinações, que deveriam ser seguidas pelas Lojas, cuja autoridade passou a ser, no essencial, delegada pela Grande Loja, embora se incluísse e inclua nessa delegação uma ampla autonomia e poder decisório de cada Loja, em relação às suas relações e opções internas.

Esta assunção do Poder estrutural pela Grande Loja implicou, necessariamente, o respetivo poder fiscalizador do cumprimento das regras emanadas (e por isso as Grandes Lojas possuem Grandes Inspetores, cuja função é precisamente fiscalizar a conformidade da atuação das Lojas com as regras e rituais definidos) e o poder disciplinar, isto é,  poder de coercivamente impor o cumprimento das regras e sancionar o seu incumprimento, seja em termos individuais ou de grupo.

Símbolo desta assunção do Poder Maçónico pela Grande Loja e pelo seu representante executivo máximo, o Grão-Mestre, é precisamente esta primeira regra: O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder de estar presente em qualquer reunião de qualquer Loja (ainda que contra a vontade desta, conclui-se). 

Mas não só: estando presente, tem o poder de dirigir a reunião, relegando o Venerável Mestre da Loja para o lugar puramente simbólico de se sentar à sua esquerda. Embora o Venerável Mestre da Loja seja o obreiro que foi eleito pelos que a compõem para a dirigir, esta eleição, esta manifestação de vontade, cessa perante a vontade do Grão-Mestre. Este, embora também eleito, foi-o por toda a estrutura - porventura até com a oposição da particular Loja que visita e dos seus obreiros. É assim evidente a relação de hierarquia estabelecida, ficando evidente que a legitimidade geral do Grão-Mestre se sobrepões à específica legitimidade do Venerável Mestre eleito pela Loja, mesmo no estrito âmbito desta e do seu normal funcionamento. O que pressupõe claramente que a fonte primordial do Poder Maçónico é a Grande Loja, a estrutura que agrega todos os maçons de um determinado território, assumindo as estruturas base ou celulares apenas o poder que lhes é tácita ou expressamente delegado pela estrutura global. A organização maçónica é, assim, ao contrário do que muitos - mesmo no interior da Maçonaria - pensam, uma organização de tipo unitário, não federal. Mais explicitamente, talvez: a Grande Loja não é uma federação de Lojas, é uma vera estrutura de direção, criação e certificação de Lojas. Estas existem porque a sua existência é aceite, reconhecida, quiçá promovida, pela Grande Loja e têm o conjunto largo de poderes decisórios e organizativos que têm, não porque originariamente assim seja, mas porque nelas foram delegados esses poderes. 

A Maçonaria Especulativa não é uma estrutura basista, isto é, cujo poder fundamental se origina na base e flui até ao topo, mas, pelo contrário, uma estrutura unitária descentralizada. Mas é, simultaneamente, uma estrutura eminentemente democrática, pois o poder fundamental central assenta na Assembleia de Grande Loja, isto é, na assembleia dos representantes escolhidos pelas Lojas. E o Grão-Mestre tem o lato poder que tem, porque é eleito, ou por essa assembleia de delegados de Lojas, ou diretamente por voto universal dos Mestres de toda a estrutura. O Poder é unitário, descentralizado por via de delegação, mas funda-se, baseia-se, no universo global de elementos que compõem a estrutura.

O que se verifica é que a estrutura global, a Assembleia de Grande Loja, baseada nesse poder concedido pelo universo dos indivíduos associados, e consequentemente, aquele a quem são conferidos poderes executivos - e não só -, o Grão-Mestre, se sobrepõe às estruturas locais, as Lojas. O que suscita a conclusão de que o Poder individual originário de cada maçom é tanto mais forte quanto mais diluído num universo maior. Com efeito, o Mestre maçom associa-se aos demais Mestres maçons da sua Loja para eleger o Venerável Mestre dela. E associa-se a todos os Mestres maçons de todas as Lojas da Obediência para eleger o Grão-Mestre, cujos poderes sobrelevam os dos Veneráveis Mestres das várias Lojas. 

Esta verificação implica a conclusão de que o que, em termos de estrutura, significativamente mudou na transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa foi a independência das Lojas, que se transfigurou em mera autonomia. Na Maçonaria Operativa existiam Lojas independentes que se associavam para definir regras comuns, sem prejuízo da respetiva independência. Na Maçonaria Especulativa, as Lojas associaram-se para criar uma estrutura comum, para a qual transferiram o essencial dos poderes organizativos e regulamentadores, abdicando da sua independência em favor da sua integração na estrutura superior, conservando apenas a autonomia que a própria regulamentação da Grande Loja consagra - e que não podia deixar de consagrar, sob pena de descaraterizar, quiçá irremediavelmente, o que se entende por Maçonaria, que assenta conceptualmente no brocardo "um homem livre numa Loja livre" (mas "livre" não sendo sinónimo de "independente", embora necessariamente implicando o conceito de "autónomo").

O que é de assinalar é que esta transformação - que, em termos estruturais, é muito similar à estrutura dos Estados unitários modernos - ocorre no século XVIII!

Uma última nota: a demonstração de que a Maçonaria Especulativa, embora alterando a conceção da sua estrutura, se organiza como estrutura eminentemente democrática está na referência aos Grandes Vigilantes, expressamente se consignando que assessoram o Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre. Mas só substituem os Vigilantes da Loja se o Grão-Mestre assim o ordenar. Por uma razão muito simples: os Grandes Vigilantes não são eleitos, antes são designados. Não possuem a legitimidade do Grão-Mestre. Este, que foi eleito por todos, é que tem o poder de, quando está presente numa Loja, assumir ou não assumir o malhete (pode, apesar de estar presente, deixar a condução dos trabalhos ao Venerável Mestre da Loja, se assim o entender - e normalmente assim sucede); assumindo a condução dos trabalhos, pode decidir ser assessorado pelos Grandes Vigilantes, pelos Vigilantes da Loja ou por outros elementos que nomeie ad hocpro tempore.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

22 abril 2012

De volta...


Olá a todos,

Como creio que perceberam, estive afastado algum tempo destas lides que tanto prazer me dão. Este afastamento teve a ver com motivos de ordem exclusivamente pessoal mas que, garanto-vos, mexem claramente connosco.

Gostava de retomar, retomando um assunto que há algum tempo, foi manchete em quase todos os nossos órgãos de comunicação social - a eventual promiscuidade entre Maçonaria e poderes, sejam eles políticos, ou outros...

Qualquer sociedade dos tempos modernos é sujeita, de forma clara ou não, à influência de grupos organizados, que intencionalmente ou não procuram influenciar "a trajectória" em função dos seus interesses. Se um desses grupos puder ter um nome e esse nome for uns dos tradicionalmente identificados como "de risco", então está criada uma mistura delicada, até porque será certamente visada pela comunicação social.

Ao publicar neste blog, estou a assumir que sou maçon... e faço-o com a duplicidade de quem se sente orgulhoso de o ser, e de quem sente que quer dar... unicamente dar, sem nada receber - Infelizmente, a nossa sociedade parece não conseguir visualizar uma coisa sem a outra... possivelmente é a isto que chamam a sociedade materialista, traduzida naquela "famosa" frase - ninguém dá nada a ninguém.

Toda a polémica que ocorreu recentemente, relacionando políticos com maçons, foi um claro sinal dos tempos em que vivemos - perdemos valores, perdemos a nossa capacidade critica, engulimos tudo os que nos impingem, mas preferimos centrar-nos em identificar culpados, de preferência "culpados de estimação" - aqueles que podem sempre ser os responsáveis, até porque estão tão ocupados em fazer bem, que não têm tempo para se defender.

Não pretendo afirmar que todos os maçons são "impolutos". Por mais apertado que seja o nosso método de selecção, procurando identificar homens cuja prioridade seja crescerem e tornarem-se Homens, haverá sempre alguns erros de "Casting"... pessoas que usam o que for preciso para seu benefício pessoal. Contudo, esta incapacidade de ler as pessoas na sua totalidade, identificando as suas reais intenções, não deve e não pode levar a confundir o trigo com o joio.

Um maçon, que o é de verdade, procura melhorar, ajudar, dar a mão... contribuir para um homem melhor e para uma sociedade melhor. Compete-nos assegurar que assim é, e compete-nos impedir que a Arte Real seja utilizada para projectos individuais ou colectivos que nada tenham a ver connosco e com os ideais que defendemos.

Mensagem final deste texto que já vai longo... Estou de volta...

Fraternais abraços de
A. Jorge

18 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons: Introdução


O quarto capítulo da Constituição de Anderson de 1723 é dedicado às Regras Gerais. Enuncia trinta e nove, após a seguinte Introdução:


Compiladas, inicialmente, por George Payne, no ano de 1720, quando era Grão-Mestre, e aprovadas pela Grande Loja no Dia de São João Batista, no ano 1721, no Stationer's Hall, Londres, quando o Grande e Nobre Príncipe John, Duque de Montagu, foi unanimemente escolhido nosso Grão Mestre para o ano seguinte; ele escolheu John Beal como seu Vice-Grão-Mestre, e Josiah Villeneau e Thomas Morris foram escolhidos, pela Loja, como Grandes Vigilantes.
E agora, sob o comando de nosso Mui Venerável Grão-Mestre Montagu, o autor deste livro comparou-as com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade, e ordenou-as segundo este novo método, com muitas explicações apropriadas, para o uso das Lojas dentro e fora de Londres e Westminster.


Estas Regras Gerais incluídas na primeira Constituição elaborada sob os auspícios da Premier Grande Loja, a Grande Loja de Londres e Westminster, também conhecida pela Grande Loja dos Modernos, geralmente considerada como o catalisador da evolução da antiga Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa, não devem ser confundidas com os Landmarks. Estes, conforme já referi em Os Landmarks, são os princípios delimitadores da Maçonaria.

Ao contrário do que se possa concluir desta definição, não existe uma fixação universal de uma lista de Landmarks.

A GLLP/GLRP adota a tradução em português da "Regra em 12 pontos" fixada em 1938 pela sua Grande-Loja mãe, a Grande Loge Nationale Française que, na versão portuguesa, podem ser lida no sítio da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

A Grande Loja Unida de Inglaterra tem, no seu Livro das Constituições de 2009, o sumário dos Antigos Deveres e Normas, em 15 pontos, que deve ser lido pelo Secretário ao Venerável Mestre eleito imediatamente antes da sua Instalação, sumário este que pode ser lido numa das páginas do sítio da UGLE.

Muito generalizada na Maçonaria americana e sul-americana está a compilação de 25 Landmarks efetuada por Albert G. Mackey, cuja tradução em português pode ser consultada, por exemplo, no sítio da Augusta e Respeitável Loja Simbólica Fraternidade Serrana, n.º 57.

A Maçonaria Liberal ou Irregular, ou seja, a corrente que, na esteira do cisma maçónico protagonizado pelo Grand Orient de France, admite ateus e agnósticos, e que em Portugal é representada pelo Grande Oriente Lusitano, adotou como princípios definidores a Declaração das Potências Signatárias do CLIPSAS (Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Strasbourg), conforme se pode ler no sítio do Grémio Fénix.

As Regras Gerais compiladas na Constituição de Anderson de 1723, como se verifica pelo seu texto introdutório, foram escritas e ordenadas por James Anderson após um trabalho deste de "comparação com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade", ou seja, pretendeu ser a compilação dos Antigos Usos e Costumes da Maçonaria.

Muitas vezes hoje se afirma que determinado procedimento ou regra provém dos antigos usos e costumes da Maçonaria. Muitos crêem que esses antigos usos e costumes são hoje apenas conhecidos por via de tradição oral, porventura com variantes ou imprecisões - que, afinal, permitiriam invocar quase tudo como decorrente desses quase desconhecidos e imprecisos antigos usos e costumes.

Os Antigos Usos e Costumes da Maçonaria estão, afinal, compilados e reduzidos a escrito desde 1723!

São práticas e usos tipicamente de origem britânica. Derivam muitos, se não mesmo a quase totalidade, de práticas seguidas e consolidadas na Maçonaria Operativa. Mas não nos esqueçamos que a Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, sob cuja égide James Anderson elaborou a Constituição de 1723, foi a instituição que catalisou a evolução da Maçonaria Operativa na atual Maçonaria Especulativa. Não podemos excluir - porventura será mesmo ajustado admitir... - que parte do que Anderson fixou como Regras Gerais, invocando provir dos Antigos Usos e Costumes provenientes da Maçonaria Operativa, afinal sejam já adaptações, evoluções, modernizações, ajustadas à nova realidade nascente.

De qualquer forma, para quem pretenda saber o que á a Maçonaria e como evoluiu até aos dias de hoje, é indispensável conhecer estas Regras Gerais e conveniente ter a noção de que as mesmas são a fixação escrita em 1723 daquilo que se convencionou chamar "os antigos usos e costumes da Maçonaria".

Se nada o impedir, tenciono dedicar os próximos trinta e nove textos (ou seja, até ao início do próximo ano, mais semana, menos semana) a aqui divulgar e comentar, uma por uma, as 39 Regras Gerais fixadas na Constituição de Anderson de 1723.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

11 abril 2012

João Damião Pinheiro, maçom estabilizador

João António Neto Guerreiro Damião Pinheiro entrou neste mundo em 3 de janeiro de 1959. Saiu deste mundo, em direção ao Oriente, no dia 6 de abril de 2012, a uma sexta-feira que a sua crença religiosa denominou de Sexta-Feira Santa. Entre uma e outra data decorreram pouco mais de 53 anos. O João terminou o seu tempo entre nós mais cedo do que todos esperávamos. Por isso, a notícia da sua passagem para o Além foi inesperada para todos os obreiros da sua Loja de sempre, a Loja Mestre Affonso Domingues. Os maçons acreditam que a morte é apenas uma passagem e portanto lidam relativamente bem com ela. Mas quando essa passagem ocorre inesperadamente e quando se augurava ainda muitos mais anos entre nós daquele que segue adiante, a incredulidade, o choque, o sentimento de perda, são inevitáveis.

O João Damião Pinheiro foi um elemento que marcou a Loja Mestre Affonso Domingues. Foi - é, sempre! - um amigo cujo afastamento prematuro não podemos deixar de lamentar.

Precisamente no dia em que a Loja Mestre Affonso Domingues se une em torno da memória do João Damião Pinheiro, fazemos questão de que também aqui no A Partir Pedra seja a sua memória evocada. E este texto in memoriam tem a especificidade de ter sido escrito a quatro mãos, por José Ruah e Rui Bandeira. Ambos desejaram fazê-lo, ambos entenderam fazê-lo da forma como o João, sem dúvida, gostaria: cooperando, colaborando, corta aqui, acrescenta ali, emenda acolá.

Neste blogue, a propósito da história dos Veneráveis Mestres, escreveu-se na crónica que se pode ver aqui, sobre aquele que agora podemos já identificar como o Irmão João Damião Pinheiro, que ele foi o obreiro da estabilidade de processos da Loja e que desde então tudo ficou mais firme e definido.

João foi mais que isso, muito mais. Soube interpretar fielmente o dever de um maçom para com a sua Loja, soube ser ele próprio sem ter que abdicar de nenhum principio.


Conhecemo-lo na sua iniciação, nos idos de 1993, no Estoril, e desde então sempre lhe conhecemos apenas uma postura, a da retidão, a de fazer o que era para ser feito.

Em 1995 foi chamado a desempenhar as funções de Tesoureiro da Loja e o resultado foi o primeiro modelo de organização da tesouraria de forma não amadora, e nessa qualidade foi a muleta do José Ruah numa reunião em julho de 1996, quando ele passou à condição de Venerável Mestre eleito.

Integrou a sua equipa como Mestre de Cerimónias, e como não podia deixar de ser com aprumo. Por essa altura, aconteceu a cisão de 1996 - recentemente superada - e, numa noite de dezembro, ele esteve, como muitos outros estiveram, sentado em conjunto à roda de uma mesa. Como memória dessa noite um desenho que ele fez de uma revolução qualquer e cujo escrito era " Carbonária - Pum Pum ( junto de cada uma das espingardas desenhadas) ", e claro, as suas intervenções.

Desempenhou praticamente todos os ofícios de Loja e sem problemas aceitou uma ultrapassagem, atrasando assim a sua eleição para Venerável Mestre um ano.

Durante o seu veneralato tocou-lhe uma situação delicada. Aberto o processo eleitoral para Grão Mestre, ele era um dos proponentes de um dos candidatos. Na loja, o seu padrinho era um dos proponentes do outro candidato. Pôs o tema em debate sem medo, recolheu o sentimento da Loja, que era diferente da sua opção pessoal, e como Homem e Maçom de honra e com a retidão que o norteava, votou na eleição de acordo com o desígnio da Loja a que presidia, não hesitando um minuto que fosse em cumprir a vontade democraticamente expressa pelos seus Irmãos.

Nós que nos achamos muito cibernéticos, devemos também ao João o primeiro sítio da Loja. Não que ele o fizesse mas porque ele achou que era o momento. Um dia chamou uns quantos a sua casa e pôs em marcha o projeto e, passado pouco tempo, o sítio via a luz do dia. Era rudimentar e com grafismo pobre, mas por sua ideia a Loja Mestre Affonso Domingues foi uma das primeiras, senão mesmo a primeira Loja da GLLP/ GLRP a ter um sitio na Internet.

Fez o seu caminho na Ordem, e nos Corpos Rituais onde desempenhou as mais prestigiosas funções, mas não foi nunca um homem de Grande Loja, não enquanto Grande Oficial, mas sim enquanto presença e conselho.


Granjeou muitas amizades, mas acima de tudo respeito. Respeito por ser um homem de ideias e de princípios. Era um enorme prazer poder ouvir o que dizia, falando sempre pouco mas assertivamente.

Era assíduo quanto baste nos últimos anos, também porque a sua vida profissional lhe exigia mais tempo fora de Lisboa. Mas quando entrava em sessão, não era apenas mais um, era sempre um de nós, na plenitude de ser Maçom e na estabilidade que o caraterizava.

A partida extemporânea para o Oriente Eterno deixa-nos um vazio. Nas colunas da sua, da nossa, Loja de sempre vai ser sempre possível rever o seu sorriso, pelo menos enquanto cá estiverem aqueles que com ele pessoalmente partilharam as agruras, mas essencialmente a felicidade, de ser Maçom.

João, um dia iremos ter contigo e sabemos já de antemão que terás já tratado de ter tudo estabilizado e pronto para nós. A memória que guardamos de ti será para nós a energia que nos permitirá continuar até chegar a nossa vez.

À Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Escrito por José Ruah e Rui Bandeira mas, simbolicamente,

04 abril 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 6 - Conduta em face de um Irmão estranho



Deverá cautelosamente examiná-lo, da forma que a prudência aconselhar, de modo a evitar ser iludido por um embusteiro, a quem deverá rejeitar com desprezo e escárnio, e a ter cuidado de modo a não lhe revelar nenhum sinal de reconhecimento.
Mas se descobrir que está perante um verdadeiro e genuíno Irmão, deverá respeitá-lo em conformidade, e se necessitar de ajuda, deverá ajudá-lo como puder, ou então dizer-lhe como poderá ser ajudado: deverá empregá-lo por um período de alguns dias, ou então recomendá-lo para um emprego. Não será obrigado a fazê-lo além de suas habilidades, mas deve dar-lhe preferência se for um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro, em relação a qualquer outra pessoa pobre nas mesmas circunstâncias. Finalmente, deverá respeitar todas estas Obrigações, e todas aquelas que forem comunicadas de outra maneira; e cultivar o Amor Fraternal, que é a Fundação e a Pedra Angular, o cimento e a glória desta Antiga Fraternidade; evitar toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia não permitindo que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter e oferecer-lhe todos os préstimos, desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso. E se algum deles te prejudicar, deverás participar à tua ou à sua Loja; depois poderás recorrer para a Grande Loja aquando da Comunicação Trimestral, e daí para a reunião Anual da Grande Loja, como tem sido a antiga e louvável conduta de nossos ancestrais em todas as nações; nunca buscando o caminho da lei civil, exceto quando o caso não puder ser de outra maneira decidido, e somente depois de, pacientemente, ter ouvido o conselho honesto e amigo do Mestre e Companheiros, que tentarão evitar o recurso à lei civil contra estranhos, e te estimularão a pôr termo a todo e qualquer processo, para poderes dedicar-te à Maçonaria com mais alegria e sucesso; quanto aos Irmãos e Companheiros envolvidos em tais processos, o Mestre e os Irmãos deverão, cortesmente, oferecer a sua mediação, que deverá ser tida em conta pelos Irmãos contendores, e se for impossível a conciliação, estes deverão conduzir o processo sem ira ou rancor (o que não é o comportamento usual), sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados para que todos vejam a boa influência da Maçonaria, como todos os Maçons têm feito desde o começo do mundo e o farão até ao fim dos tempos.


Esta última Obrigação respeita à Fraternidade. Conforme se acentua no seu texto, a Fraternidade é elemento essencial no ideário maçónico, verdadeira pedra angular do que é ser maçom.

A Fraternidade implica, ou pode implicar, o auxílio de um Irmão. Mas não qualquer auxílio. Auxílio para que este, segundo as suas capacidades, as suas habilidades, possa prover ele próprio ao seu sustento. Note-se: não significa isto que se providencie qualquer benefício ilegítimo ou privilégio a um Irmão. O trabalho para que o Irmão necessitado deve ser contratado ou recomendado deve, necessariamente, estar em conformidade com as suas capacidades e habilidades. Não se trata nunca de angariar sinecuras. Deve-se proporcionar oportunidade, mas sempre respeitando o mérito.

A Obrigação institui uma espécie de "direito de preferência": em igualdade de situações e de capacidades, deve-se dar preferência a um Irmão maçom, mas apenas desde que exista necessidade. Quer isto dizer que não se deve preterir ninguém mais capaz, mais apto, melhor classificado, em benefício de um maçom, nem sequer a pretexto da sua necessidade. E quer dizer também que a preferência, em igualdade de circunstâncias, apenas é acionada em favor de "um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro", isto é, em caso de necessidade.

Ou seja, apenas em caso de necessidade e de igualdade de habilitações e aptidões se deve dar a preferência a um Irmão maçom.

Esta a regra, este o limite!

Quem brande com um apregoado nepotismo maçónico ou é ignorante ou está de má fé. Afinal, os famosos "privilégios" que alegadamente os maçons concedem uns aos outros implicam que nunca se prejudique ou ultrapasse ninguém (só em caso de igualdade de condições se deve preferir um Irmão maçom) e só se concebem em caso de necessidade (para acorrer a um "Irmão pobre", isto é, necessitado, nunca para favorecer quem não esteja em situação de necessidade).

Oxalá que todos se comportassem, em matéria de privilégios, como os maçons! Afinal de contas, é apenas natural e óbvio que, em igualdade de circunstâncias, se prefira o próximo ao distante, o amigo ao desconhecido, o parente ao estranho, o vizinho ao forasteiro, aquele em que se confia ao que não merece a nossa confiança. Isto todos, todas as pessoas de bem, fazem, sem hesitação, sem dúvida, sem censura social.

A Fraternidade implica também a sua aplicação no relacionamento pessoal, que deve evidentemente implicar o amor fraternal, evitando-se "toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia", não permitindo "que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter" e oferecendo os préstimos "desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso".

A fraternidade maçónica nunca pode violar as regras da Honra. Não admite, assim, por exemplo, falso testemunho em favor de Irmão - porque é um ato desonroso. Não admite, portanto, que, por exemplo, um juiz maçom beneficie, em qualquer pleito, um Irmão maçom - porque é gravemente desonroso para um juiz violar a imparcialidade que é atributo essencial e indispensável à função de julgar

Mais uma vez, oxalá que todos se comportassem como os maçons no respeito da Honra e das regras!

Finalmente, a fraternidade maçónica não deve implicar com a própria segurança. Do maçom e dos seus. É um limite de sobrevivência óbvio. Fraternidade implica disponibilidade para o auxílio - não para o sacrifício da segurança pessoal e familiar.

A convivência implica sempre a possibilidade de surgimento de conflito. Quando tal suceda, a fraternidade maçónica implica que, sempre que possível (quando não é possível, não é possível...), os litígios surgidos entre maçons sejam internamente regulados, preferentemente por mediação, se necessário, por decisão de órgãos internos a quem é atribuída competência para tal. A mediação é a forma preferencial de regulação de litígios, por razões evidentes: a mediação mais não é que, afinal, um meio de possibilitação de que os litigantes regulem eles próprios o seu litígio, o reduzam, o eliminem, resolvam o problema. Quando tal não for possível, o litígio interno deve ser internamente regulado pelos órgãos próprios para tal, aptos a fazê-lo segundo as regras e o ideário maçónicos. Só se, por sua própria natureza, o litígio não puder ser internamente resolvido se deve recorrer às leis e aos tribunais civis. Mas aí não se trata já de um desacordo entre maçons, a ser regulado pelas regras maçónicas. Trata-se de um conflito entre cidadãos, a ser dirimido pela estrutura de resolução de conflitos da Sociedade.

Uma última nota, em relação à matéria dos conflitos entre maçons: a Obrigação enfatiza que, mesmo que não seja possível a resolução do conflito por mediação, a sua regulação por decisão dos órgãos maçónicos próprios deve ser feita através de um processo conduzido "sem ira ou rancor", "sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados".

Parecerá porventura utópica esta recomendação. Se existe litígio, existe desentendimento, interesses divergentes, porventura inconciliáveis. Inevitavelmente que o conflito implica exaltação, ira, que o conflito de interesses gera rancor, não pode deixar de ser prejudicado o amor fraternal...

Esta visão é errada e decorrente da ausência de vivência maçónica (quem está de fora, por muito que saiba, não vive - e portanto, não sente, não pratica). O maçom aprende a pautar a sua conduta, a praticar, a viver, a respirar, a Tolerância. Tolerância é a admissão dos erros alheios, tal como nós desejamos que os nossos erros sejam admitidos pelos outros.Tolerância é a aceitação natural das divergências, porque se admite que, havendo erro, tanto pode ser do outro, como pode ser nosso. A discussão e troca de pontos de vista, segundo o paradigma da Tolerância treina os maçons para viverem e regularem os conflitos que sobrevenham segundo o mesmo padrão. Se existe um conflito de interesses, obviamente que eu defendo os meus interesses. Mas também admito com naturalidade que o outro defenda os interesses dele. Tem exatamente o mesmo direito que eu. Portanto, não há razão para que nos zanguemos, para que nos exaltemos, para que esqueçamos que somos Irmãos. Conciliamos os nossos interesses, se isso for possível, com o auxílio, a mediação dos outros Irmãos. Se isso não for possível, confiamos a resolução do problema, a decisão de qual o interesse a ser preservado ou em que medida cada um dos interesses deve ser preservado e sacrificado a quem está encarregado de dirimir esses conflitos. E depois o o problema ficou resolvido, é passado, não tem que envenenar a minha relação fraternal no presente e no futuro com aquele com quem tive um conflito de interesses que foi regulado por quem devia regulá-lo. Afinal de contas, a Tolerância manda que se tenha sempre presente que posso estar eu certo e o outro errado, mas também que pode ser o outro quem está certo e eu errado! E, ao longo da vida, muitas vezes estamos certos e muitas vezes estamos errados! O conflito existe para ser resolvido, não para envenenar o relacionamento entre quem o tem...

Pela terceira vez: oxalá todos se comportassem assim!

Uma informação final: ao tempo da Cosntituição de Anderson de 1723, as estruturas de regulação de conflitos entre maçons eram, por ordem hierárquica ascendente, a Loja, a reunião trimestral da Grande Loja e a reunião anual da Grande Loja. A natural evolução dos tempos, dos procedimentos e organizações faz com que, hoje em dia, na maior parte das Obediências Maçónicas já não seja exatamente assim (afinal, discutir conflitos particulares em assembleias pode ser bastante problemático e complicado), tendo-se criado órgãos jurisdicionais internos especializados.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 135-136.

Rui Bandeira

28 março 2012

O curioso corte de inexistentes relações


No fim de semana passado, li em várias edições eletrónicas de órgãos de comunicação social a notícia de que o responsável máximo do GOL (Grande Oriente Lusitano) tinha publicado um comunicado segundo o qual tinha decidido que esta instituição iria "congelar" relações com a GLLP/GLRP "enquanto José Moreno (Grão-Mestre da GLLP/GLRP) estiver no exercício de funções e não desmentir ou clarificar devidamente as informações publicadas".

Segundo boa parte da imprensa eletrónica, tal decisão resultaria da publicação de um artigo no semanário Sol que, especulando a propósito de uma intervenção do Grão-Mestre José Moreno no American Club, afirmava que estavam a decorrer negociações para a unificação maçónica em Portugal, por integração dos elementos do GOL na GLLP/GLRP.

A primeira perplexidade que este comunicado me suscita é como se "congelam" relações inexistentes. Desde o cisma maçónico de 1877, protagonizado pelo Grande Oriente de França, que aboliu a obrigatoriedade da exigência de um maçom ser crente, de as Lojas trabalharem à Glória do Grande Arquiteto do Universo (entendido como a divindade em que cada maçom deposite a sua crença) e de os trabalhos obrigatoriamente decorrerem na presença do Livro Sagrado ou Livros Sagrados da(s) crença(s) dos obreiros da respetiva Loja, que a Maçonaria que permanece fiel a estas regras, que tem por essenciais, e assim se denomina a si própria de Maçonaria Regular, considera as organizações que adotaram a postura inaugurada pelo GOF (entre as quais o GOL) como Irregulares e, pura e simplesmente, não mantêm quaisquer relações institucionais com elas.

Há mais de 140 anos que não existem relações institucionais entre as Potências Maçónicas Regulares (entre as quais a GLLP/GLRP) e as organizações Irregulares (entre as quais o GOL). Não obstante o total respeito pelas opções e decisões de cada um, não me faz qualquer sentido que se declare "congelar" relações que, pura e simplesmente, não existem!

Quanto à impossibilidade de congelamento de inexistentes relações institucionais, parece-me estar o assunto claro. Mas, não havendo relações institucionais, evidentemente que existem relações pessoais e colaborações pontuais. Os maçons prezam a Tolerância e, assim, convivem facilmente com as diferenças, mesmo quando estas respeitam a questões essenciais. E é pura questão de bom senso que qualquer maçom se sinta mais próximo daqueles que buscam aperfeiçoar-se segundo o método maçónico, ainda que com divergências essenciais, do que daqueles com quem não partilham essa busca. Mas, a este nível, parece-me inócua a decisão do autor do comunicado.

Os meus amigos do GOL continuam a ser meus amigos e eu amigo deles, com ou sem comunicado! Não é por se decretar um qualquer congelamento que as relações pessoais entre nós ficam arrefecidas...

Também não creio que as colaborações pontuais entre maçons regulares e irregulares fiquem afetadas. Se numa dada localidade os maçons da GLLP/GLRP e os elementos do GOL decidiram unir esforços para angariar fundos para obter uma nova ambulância para os bombeiros, não é por causa do anunciado congelamento que o esforço para arranjar a ambulância vai deixar de ser feito.

Se, numa outra terra, os elementos da Loja do GOL e os obreiros da Loja da GLLP/GLRP combinaram entre si que, para maior eficácia na ajuda prestada, uns oferecem à estrutura local de acolhimento de crianças em risco ou sem família fraldas e os outros medicamentos, não será por causa do anunciado congelamento que vão ambas as Lojas passar a inundar a estrutura só com fraldas, sem que nenhuma providencie medicamentos.

Portanto, também ao nível das relações pessoais e da cooperação no auxílio a quem dele necessita me parece inócuo este anunciado congelamento.

Por outro lado, nem sequer se entende muito bem a motivação desta atitude. Se, como diz o líder do GOL não há negociações quanto à fusão do GOL com a GLLP/GLRP, então o que se justificava era verberar, discordar, denunciar, desmentir, as conclusões, as especulações, do semanário, que, ele sim, é quem, pelos vistos, extrai conclusões indevidas, tira ilações erradas.

Aliás, o mesmo semanário refere que o autor do comunicado esteve presente no American Club e assistiu à intervenção do Grão-Mestre da GLLP/GLRP. Aparentemente, então não houve qualquer desconforto com essa intervenção - e, a meu ver, justifica-se plenamente essa ausência de desconforto, já que é natural e saudável que o líder de qualquer organização declare ansiar a liderar todos os que se posicionam na órbita da esfera de atividade da mesma e declare que veja com bons olhos que a sua organização exerça atração perante quem está de fora dela. É tão normal e saudável que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP o afirme como seria se, similarmente, o líder do GOL o fizesse... Cada um defende a sua dama e só lhe fica bem que o faça...

Aparentemente, o que desagradou ao autor do comunicado não foi a intervenção efetuada pelo Grão-Mestre da GLLP/GLRP no American Club, mas as ilações, as especulações, as conclusões que os jornalistas do semanário retiraram. O que me permite que eu, já agora, também tire uma ilação: para o autor do comunicado, o que o incomodou não foi o que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP disse; foi que tivesse sido publicado e interpretado pela comunicação social...

Ou seja, não é grave - e não é mesmo! - que o Grão-Mestre manifeste o seu anseio de unificar os maçons portugueses sob a égide da GLLP/GLRP e se mostre disposto a que tal possa ocorrer, se tal possível for. O que, para o autor do comunicado, é grave e o faz declarar congelar o que não existe é que se saiba disso - porventura que os membros da organização que dirige vejam publicamente aberta esta porta.

O comunicado de congelamento de inexistentes relações tem a aparência de uma posição de força mas afinal o que mostra é receio.

O que não me alegra nada. Pela minha parte, não quero vencer ninguém. Apenas unir o que porventura possa ser unido.

Rui Bandeira