05 outubro 2011

Contra factos...



Todos conhecemos a controvérsia em torno da educação sexual, mesmo quando uns e outros acordam que esta deva ser instrumento de prevenção de doenças e gravidezes indesejadas. De um lado, uns advogam a promoção da abstinência, de padrões de conduta e de dicotomias entre bem e mal, no contexto de que o ato sexual é público e sagrado e como tal sujeito às leis da moral e da religião. Do outro lado, outros promovem o recurso a meios anticoncecionais, a permissividade perante uma gama alargada de identidades e práticas sexuais, e reduzem o ato sexual a um ato biológico privado e regido pelas leis naturais. Pelo meio, uma multiplicidade de posições mais ou menos moderadas e contemporizadoras.

Em poucos países este debate é tão verrinoso e extremado como nos Estados Unidos da América. Recentemente, em face do contexto económico desfavorável e dos inevitáveis cortes orçamentais em tudo quanto se afigure supérfluo, terá recrudescido uma forma muito pragmática de elaborar políticas, nomeadamente no que concerne a saúde pública mas não só: aquilo a que se chama "prática baseada na evidência" (evidence-based practice).

Em sentido lato, pode dizer-se que se trata de uma metodologia que parte da análise estatística dos efeitos de um certo tipo de ato (seja este um tratamento médico, uma prática pedagógica, ou mesmo determinada punição prevista na lei) sobre uma população, no sentido de se aferir e comparar a eficácia relativa de diferentes abordagens ao mesmo problema. Ou dito de outra forma: experimenta-se, mede-se os resultados, e decide-se com base nestes.

Recentemente, primeiro as seguradoras e depois os próprios sistemas de segurança social começaram a questionar a validade e eficácia de certos métodos, tratamentos ou "curas", no sentido de evitarem desperdícios em atos inúteis mas muitas vezes dispendiosos. Estas entidades passaram a exigir que se demonstrasse um nexo de causalidade entre o tratamento e os benefícios que do mesmo supostamente adviriam. Uma das aplicações mais conhecidas deste método é a dos ensaios clínicos que se fazem na indústria farmacêutica quando se procura determinar se certos medicamentos são úteis no tratamento de determinadas doenças.

De facto, certas áreas do conhecimento foram, num ou noutro momento da História, pouco coesas e meramente acumulativas de saberes distintos e pessoais de sucessivas gerações, sucedendo que muitas das práticas carecessem de evidências científicas que as justificassem. Por outro lado, esta "fluidez" de conhecimento levou ao aparecimento de oportunistas e burlões (como os famosos "vendedores da banha da cobra") que alegavam conhecimentos que, aos olhos dos leigos, lhes permitiam confundir-se com os profissionais formalmente treinados. Não admira, assim, que estes últimos tivessem sido dos primeiros a defender uma metodologia que separasse os atos úteis (os seus) dos inúteis (dos outros) com base nos seus resultados, alegando mesmo o interesse da saúde pública...

Esta metodologia tem, com mais ou menos resistência, sido adotada por outros campos do saber, por outras áreas de atividade, a ponto de ser hoje em dia indiscutíveis, em muitos meios, as suas virtudes. O ensino formal nas escolas ensina esta forma de pensar, o que a vem divulgando e democratizando cada vez mais - chamam-lhe "método científico". Mas, se formos ver o que foi o Iluminismo, e como este apresentou a Razão a uma humanidade obscurecida pela tradição, pela inércia e pela superstição, rapidamente encontramos nele as origens deste método de pensamento. Passa-se, graças a ele, de um mundo em que as leis são inquestionáveis, aplicadas de cima para baixo e legitimadas por um qualquer direito divino, para uma sociedade que produz as sua próprias leis, que tudo questiona e em que tudo é passível de escrutínio e validação.

Voltando ao início, nos Estados Unidos levou a que fossem cortados fundos aos programas de educação sexual que não apresentassem os resultados esperados. Não se discutiu os méritos das ideias: discutiu-se, pragmaticamente, financiar o que quer que seja que funcione.

A Maçonaria Regular, orgulhosa filha do Iluminismo, não se mete em controvérsias de cariz político. Não deixa, todavia, de influenciar, através da educação de cada um, a forma como se faz política, mas com uma diferença muito grande face ao poder político: estes últimos têm as próximas eleições como horizonte temporal; os maçons ficam contentes por saber que ajudaram, ao longo dos últimos 300 anos, a tornar o mundo um pouco mais justo e perfeito.

Paulo M.

28 setembro 2011

Maçonaria e Poder (XI)


General Gomes Freire de Andrade

Em 1804, constituiu-se formalmente o Grande Oriente Lusitano. Foi seu primeiro Grão-Mestre o desembargador Sebastião José de São Paio de Melo e Castro Lusignan, neto do Marquês de Pombal. Também integrou o Grande Oriente o General Gomes Freire de Andrade. Sinal da sua já forte ligação ao Grand Orient de France é o facto de a sua primeira Constituição maçónica, de 1806, ter adotado o Rito Francês como rito oficial e exclusivo do Grande Oriente Lusitano. Outro sinal disso foi um episódio ocorrido após a entrada de Junot em Lisboa, em 1807: uma delegação do Grande Oriente Lusitano, encabeçada pelo irmão do Grão-Mestre, Luís de São Paio de Melo e Castro, foi cumprimentá-lo ao seu quartel-general. O entendimento entre o general invasor e os maçons, de influência francesa, foi tão grande, que (valha a verdade, com indignação de muitos maçons) chegou a ser proposta, numa Loja, a substituição do retrato do Príncipe Regente pelo do Imperador Napoleão e, mesmo, foi apresentada proposta para que Junot viesse a ser nomeado Grão-Mestre! Os simpatizantes da causa francesa foram, porém, longe de mais e a maioria dos maçons manifestou-se contra os invasores.

Rechaçada a invasão de Junot, novas Invasões Francesas, a segunda comandada pelo General Soult e a terceira pelo Marechal Massena, têm lugar. Acorre um corpo expedicionário inglês, integrando muitos maçons - ao ponto de ter tido lugar um desfile de militares britânicos maçons, com bandeiras e emblemas. A atenção da Inquisição centrou-se, de novo, na Maçonaria, tendo, em 1810, sido presos 30 maçons, sob a acusação de serem simpatizantes da causa francesa. O Duque de Sussex, filho de Jorge III (que viria, em 1813, a ser o último Grão-Mestre da Premier Grand Lodge e o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra), intercederia pela sua libertação.

Após a expulsão das tropas francesas, ficou a dirigir o Exército português (e na regência de facto do país...) o Marechal Beresford, que favoreceu a atividade maçónica. Em 1812, só em Lisboa existiam 13 Lojas. Foi um breve período em que a Maçonaria portuguesa voltou a florescer ao abrigo da orientação inglesa.

Entretanto, Gomes Freire de Andrade, que integrara a "Legião Portuguesa" criada por Junot, que partira para França em 1808, sob o comando do Marquês de Alorna, e que participara na campanha da Rússia, regressou a Portugal e participou ativamente na contestação à suserania britânica. Eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano em 1816, prepara, a partir do próprio GOL, uma insurreição contra Beresford. Em 25 de maio de 1817, é, juntamente com mais outros onze oficiais, preso, por denúncia de três outros maçons (três traidores, como na Lenda do 3.º grau...),
José Andrade Corvo de Camões, Morais de Sarmento e João de Sequeira Ferreira Soares, e posteriormente todos enforcados - Gomes Freire de Andrade em São Julião da Barra e os demais no Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria.

Na sequência destes factos, D. João VI promulga, do Brasil, um alvará régio declarando «criminosas e proibidas todas e quaisquer sociedades secretas, incorrendo os seus membros no crime de lesa-majestade, com as severas penalidades consequentes». A Maçonaria passa à clandestinidade!

A Revolução Liberal de 1820, no Porto, tem forte participação maçónica: integraram os conspiradores os maçons Manuel Fernandes Tomás, Desembargador da Relação do Porto, José Ferreira Borges, advogado, José da Silva Carvalho, advogado, João Ferreira Viana, Duarte Lessa, José Maria Lopes Carneiro, José Gonçalves dos Santos, João da Cunha Souto Maior e vários outros. Cunha Souto Maior e Silva Carvalho viriam, mais tarde, a ser Grão-Mestres do GOL.

Claro que, chegado o tempo da contra-revolução absolutista, os maçons iriam pagar o preço do seu envolvimento no Liberalismo. Em 1823, um novo édito de D. João VI condenava a atividade maçónica - de Pedreiros Livres, Carbonários e Comuneros - com o degredo de cinco anos em África e numa multa pecuniária de mais de cem mil reis para os cofres das obras pias e muitos maçons, juntamente com outros liberais, são presos em Peniche (não foi só no século XX que o Forte de Peniche serviu de masmorra para opositores políticos...). Uma pastoral do cardeal de Lisboa contra os maçons veio a originar o assassínio, pela plebe inflamada, de 17 maçons, entre os quais o Marquês de Loulé. O padre de Campo Maior proclamava: " Deve ser derramado em massa o sangue dos portugueses como antigamente o sangue dos judeus porque o infante jurou não embainhar a espada antes de resolver a situação com os maçons. Estou sequioso de banhar as minhas mãos de sangue". Em cumprimento de ordem nesse sentido do Grão-Mestre, as Lojas foram fechadas e a Maçonaria remeteu-se, de novo, à clandestinidade, salvo no bastião liberal da ilha Terceira.

D. Pedro IV - que fora nomeado Grão-Mestre da Maçonaria brasileira em 1822 - organiza, a partir da Terceira, uma força expedicionária liberal, que, sob o seu comando, desembarca no Mindelo em 1832 e se apodera do Porto. Embora cercadas nessa cidade, parte das tropas liberais reembarca nos navios que as trouxera dos Açores e desembarca no Algarve, marchando sobre Lisboa, sob o comando do Marechal Saldanha, tomando a capital em agosto de 1833.

D. Pedro IV é aclamado rei e as forças clericais não tardam a pagar o preço pelo seu alinhamento com o absolutismo e a sua perseguição aos maçons: os jesuítas são de imediato expulsos (de novo, após a primeira expulsão, decretada pelo Marquês de Pombal, posteriormente anulada após a saída deste do Poder), os padres e frades que haviam defendido a usurpação miguelista são punidos e, com a Convenção de Evoramonte (que formalizou o definitivo exílio de D. Miguel), em 1834, é suspensa a atividade de todas as Ordens Religiosas.

No plano maçónico, a confusão e a divisão grassava: os liberais exilados elegeram, nada mais, nada menos, do que dois Grão-Mestres: pelos expatriados em Inglaterra, José da Silva Carvalho; pelos acolhidos em França, o Duque de Saldanha. Regressados os liberais a Portugal, no Porto é eleito ainda um terceiro Grão-Mestre, Passos Manuel. Não há fome que não dê em fartura e, num ápice, passa haver três Grandes Orientes em Portugal, rivalizando entre si! Escreveu Borges Grainha que «nos ministérios consecutivos que D. Maria II chamou ao poder, em curtos intervalos, entrava, geralmente, algum Grão-Mestre desses Orientes, encontrando-se na Oposição os Grão-Mestres dos outros. O resultado era assim que havia Orientes e lojas ministeriais frente a Orientes e lojas oposicionistas».

Esta confusão ainda conseguiu aumentar mais, antes de tudo desaguar em reunificação, trinta anos depois. O Grande Oriente de José da Silva Carvalho adotou o nome de Grande Oriente de Portugal. Neste, seria, em 1840, por breve período, Grão-Mestre o ministro Costa Cabral. Tendo este sido substituído, em meados desse ano, pelo Visconde de Oliveira, Costa Cabral e os seus partidários afastam-se e criam a Grande Loja Portuguesa (e vão quatro!). Por seu turno, as organizações de Saldanha e de Passos Manuel reunificam-se na Confederação Maçónica (passa, de novo, a três!). Mas, entretanto, sob o malhete de Mendes Leal, forma-se o Grande Oriente Lusitano (passa a quatro!) e, dirigida por José Elias Garcia, cria-se a Federação Maçónica (e vão cinco!). A isto, há que juntar um Oriente do Rito Francês (contem seis!) e uma Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês (chegamos a sete!). Mas não desesperemos: o Grande Oriente de Portugal, a Grande Loja Portuguesa, a Confederação Maçónica e a Federação Maçónica agrupam-se no Grande Oriente Português (ficam quatro!), este associa-se, em 1869, ao Grande Oriente Lusitano e ao Oriente do Rito Francês, constituindo o Grande Oriente Lusitano Unido e, três anos depois, este acolhe no seu seio a Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês. Em 1872, está reunificada a Maçonaria Portuguesa, no Grande Oriente Lusitano Unido !

Os três primeiros quartéis do século XIX marcaram a ascensão, divisão e reunificação da Maçonaria em Portugal. Retrospetivamente, entendo poderem tirar-se algumas conclusões, que nos ajudam a elucidar os acontecimentos futuros:

1) Tendo como pano de fundo o conflito franco-britânico, vemos, num primeiro momento, desenvolverem-se em Portugal duas orientações maçónicas: a inglesa e a francesa, cada uma sob a proteção dos respetivos exércitos.

2) O Poder clerical alinha politicamente com o absolutismo e ambos reprimem a Maçonaria; a Maçonaria alinha ativamente pelo Liberalismo. Como consequência, acentua-se o anticlericalismo, quer nos Liberais, quer nos maçons.

3) As circunstâncias decorrentes da repressão absolutista e clerical fazem com que ambas as correntes maçónicas (francesa e inglesa) participem ativamente no campo liberal, muito cedo se impondo (independentemente da origem de cada tendência) a direta intervenção na luta política, não só dos maçons, como das organizações maçónicas, enquanto tal. Ou seja, o século XIX em Portugal marca a prevalência da interferência das organizações maçónicas na vida e nas lutas políticas, independentemente da origem "inglesa" ou "francesa" de cada maçom ou de cada Loja. Esta caraterística virá a perdurar indisputadamente por mais um século, em Portugal.

4) Com o triunfo do Liberalismo e a integração direta na área do Poder político dos maçons (que lutaram, de armas na mão, pela vitória desse ideal), surgem em poucos anos, várias divisões na Maçonaria. Foi o preço - quiçá inevitável - da direta interferência da Maçonaria na luta política, passando os maçons a dividirem-se segundo as suas clivagens políticas.

5) Os maçons laboriosamente conseguem reunificar-se e a Maçonaria portuguesa entra no último quartel do século XIX reunificada no Grande Oriente Lusitano Unido.

Então, esbatida já a controvérsia absolutismo-liberalismo, começava a esboçar-se a questão seguinte: Monarquia x República. A Maçonaria viria a posicionar-se nesta controvérsia com o efeito de duas caraterísticas que, a meu ver, explicam o seu papel nos eventos futuros: o hábito de intervir politicamente e o anticlericalismo que as perseguições clericais instalaram na sua matriz de pensamento. Para o bem e para o mal, estavam reunidos os elementos que levariam ao apogeu e queda da Maçonaria em Portugal, em escassos sessenta anos.

Fontes:

http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Gomes_Freire_de_Andrade http://213.58.158.155/NR/rdonlyres/5687C9BA-2CAD-45D8-9ACE-75DA5FB7E047/2999/Jos%C3%A9daSilvaCarvalho.pdf
http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=37

Rui Bandeira

24 setembro 2011

O almoço



A pequenita - teria uns 7 ou 8 anos - comia com a família num restaurante de comida rápida. Compenetrada, ou talvez alheada, comia devagar o primeiro dos pedacinhos de frango que escolhera para refeição nesse dia - tão devagar, de facto, que ainda não tinha tocado nas batatas fritas.

Arrastando-se com dificuldade, tentando fazer-se invisível, mas discretamente atento ao que o rodeava, um velho sem-abrigo passa junto à mesa. Mede a miúda com os olhos, vê-a sem fome, e cobiça-lhe as batatas fritas - talvez antecipando-as já no contentor do lixo, frias e sem graça.

Na posição defensiva e encolhida de quem ouve, de manhã à noite, "não" sobre "não", aproxima-se um pouco da mesa, mantendo a distância a que está habituado a que o mantenham, e sugere à miúda, mais do que pede:
"- Se depois não quiser as batatas, não as deite fora..."

A miúda, subitamente despertada dos seus devaneios, não entende logo. Com um olhar inquisitório, pergunta à mãe:
"- O que é que aquele senhor queria?"
"- Tem fome, queria comer." - explica-lhe a mãe. "Pediu as tuas batatas fritas, se não as quisesses."

Num gesto, sem pensar, a miúda
"- Senhor!"
e ele, sem reconhecer a interpelação,
"-Senhor!" repete ela,
e ele, há muito desabituado de ser tratado assim, percebe, por fim, que é com ele, e volta-se, incrédulo perante a vista da caixa - o almoço da miúda - que ela lhe estende. Olha para a mãe da criança, que com os olhos lhe faz sinal que aceite, e ele, agradecido e balbuciante, toma a caixa e sai num repente.

A mãe, ainda não refeita da surpresa, mal contém o orgulho,
"- Fizeste bem," enquanto se levanta para ir comprar outra dose - sim, que a miúda tem que almoçar.

Essa, impávida e sem perceber o que a mãe vai fazer, ataca com a maior naturalidade as batatas - o que restou do seu almoço. Sem pedir mais nada.

Filha de maçons.

Paulo M.

21 setembro 2011

Maçonaria e Poder (X)


A Maçonaria foi introduzida em Portugal, ainda na primeira metade do século XVIII. A primeira Loja de que há conhecimento foi a Loja que ficou conhecida como a dos "Hereges Mercadores", fundada por comerciantes britânicos, protestantes, ainda antes de 1730. Esta Loja foi, em 1735, inscrita no registo da Grande Loja de Londres (Premier Grand Lodge) sob o n.º 135 e, mais tarde, sob o n.º 120, tendo vindo a ser abatida ao quadro de Lojas daquela Grande Loja em 1755. Esta Loja, de orientação estritamente inglesa e Regular, nunca teve qualquer intervenção política e, mesmo após a condenação da Maçonaria por Clemente XII, em 1738, nunca foi incomodada pela Inquisição, certamente devido à nacionalidade dos seus obreiros.

A segunda Loja de que há conhecimento em Portugal foi a "Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia", fundada em 1733. Agrupava predominantemente irlandeses, maioritariamente católicos. Eram essencialmente comerciantes, mas também havia marítimos, soldados, médicos, um estalajadeiro, um mestre de dança e três frades dominicanos. Veio a integrar-se nesta Loja o arquiteto húngaro Carlos Mardel, um dos principais responsáveis pelos projetos de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755. Com a publicação da bula de Clemente XII condenando a Maçonaria, esta Loja dissolveu-se.

A terceira Loja conhecida em Portugal foi fundada em 1740 pelo lapidário de diamantes John Coustos, suíço naturalizado inglês, e agrupava cerca de trinta comerciantes e lapidários franceses, ingleses, um belga, um holandês, um italiano e três portugueses, maioritariamente católicos (John Coustos, o Venerável, era, porém, protestante). Denunciada esta Loja à Inquisição em 1743, os seus obreiros foram presos, torturados e condenados. Os seus principais elementos foram condenados às galés. Os portugueses foram, pura e simplesmente, executados. Por pressão de Jorge II de Inglaterra, John Coustos e os seus companheiros acabaram por ser libertados, em 1744, sob condição de abandonarem o país. John Coustos, já em Inglaterra, veio a publicar um livro que viria a ter alguma notoriedade na Europa desse tempo, The Sufferings of John Coustos for Freemasonry and for His Refusing to Turn Roman Catholic in the Inquisition (Os sofrimentos de John Coustos na Inquisição pela Maçonaria e pela sua recusa de se converter ao catolicismo). A Loja ficou, obviamente, extinta, com a intervenção da Inquisição.

Só depois do terramoto, consolidado o poder do Marquês de Pombal, expulsos os jesuítas e fortemente limitado o poder clerical, voltou a haver condições para a atividade maçónica em solo português. Em 1763 havia em Lisboa uma Loja de orientação inglesa e, crê-se, uma Loja francesa e uma terceira, mista de militares e civis. Em 1768, fundou-se uma Loja no Funchal. Porém, com a morte de D. José I e o afastamento do poder do Marquês de Pombal, regressaram as perseguições. Em 1791, havia Lojas maçónicas em Lisboa, Porto, Coimbra, Valença, Funchal e nos Açores, mas as fortes perseguições inquisitoriais em 1791 e 1792 desmantelaram, pela segunda vez, a Maçonaria em terras lusas.

Só com o desembarque em Portugal, em 1797, de um corpo expedicionário inglês, se voltaram a reunir condições para o restabelecimento da atividade maçónica em Portugal, existindo, no ano seguinte, quatro Lojas de orientação inglesa em Lisboa, três de militares e uma mista de militares e civis, incluindo portugueses. Estas Lojas tiveram, no registo da Premier Grand Lodge, os números 94, 112, 179 e 315. Esta última veio, mais tarde, a ser a Loja n.º 1 dos registos portugueses, com o nome de "União".

Ao abrigo do poder militar inglês, novas Lojas se foram formando, adquirindo a condição de maçons nomes ilustres da intelectualidade portuguesa da época.: abade Correia da Serra, Filinto Elísio, Ribeiro Sanches, Avelar Brotero, Domingos Vandelli, José Anastácio da Cunha, José Liberato Freire de Carvalho, Domingos Sequeira.

Desta primeira fase da introdução da Maçonaria em Portugal, em três tempos, podem tirar-se algumas conclusões significativas:

1) Até ao início do século XIX, a atividade maçónica em Portugal foi, essencialmente, de orientação inglesa, segundo as regras da Maçonaria mais tarde denominada de Regular, não interferindo, nem procurando interferir, na coisa pública.

2) A grande oposição à Maçonaria em Portugal proveio do Poder religioso, pela mão da Inquisição.

3) Quando o Poder político ou o Poder militar (de forças externas) limitaram o Poder clerical, a Maçonaria reflorescia.

Estes factos, aliados aos sucessos da Revolução Francesa e à posterior presença de forças expedicionárias napoleónicas em Portugal, vieram a refletir-se na evolução futura da Maçonaria lusitana, em especial na sua relação com o Poder: se inicialmente a Maçonaria de orientação Regular e não interventiva no Poder foi perseguida e desmantelada, só conseguindo reaparecer à sombra do Poder, civil ou militar, que limitava o Poder clerical, então haveria que, sobretudo, garantir que o Poder clerical não voltasse a ser tão forte que pudesse, de novo, pôr em causa a atividade maçónica, se necessário intervindo de forma a favorecer o Poder político que tal garantisse.

Vinham aí as guerras napoleónicas, a suserania inglesa e a Guerra Civil entre Absolutistas e Liberais. A Maçonaria em Portugal ia atravessar todo esse período de instabilidade. E, paulatina e insensivelmente, ia derivar da orientação Regular para a intervenção política, aproximar-se intimamente do Grand Orient de France, vindo a culminar no anticlericalismo que foi marca da I República.

Ironicamente, este percurso foi, em grande parte, motivado pela interferência do Poder religioso, que impediu a natural e livre implantação da Maçonaria Regular. As perseguições das Inquisição lavraram o terreno onde germinaria a Maçonaria Irregular, ou Liberal, em Portugal. Dois séculos viriam a decorrer até à institucionalização da Maçonaria Regular em terras lusas.

Fontes:

http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=28

http://en.wikipedia.org/wiki/John_Coustos

Rui Bandeira

19 setembro 2011

Os maus maçons



As boas ações dos maçons ficam quase sempre - como é suposto - no segredo do íntimo de cada um. Não é próprio de um maçon alardear o bem que espalha em seu redor, ou, como diz o evangelho segundo Mateus, "não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita". Assim, os bons exemplos daquilo que os maçons fazem nunca chegam a ser verdadeiros exemplos: desconhecidos de quase todos, é como se não tivessem sequer ocorrido.

Não falam as bocas do mundo das boas obras deste ou daquele maçon, e se falam não mencionam o facto de ser maçon - eventualmente de forma pública. Mas, se por acaso o mencionam, não se diz nunca que foi "a maçonaria", por intermédio dessa pessoa, que fez bem; o bem é, sempre e quando muito, um ato individual.

Já quando o nome de um suposto maçon cai na lama da praça pública, logo os clamores se erguem para estabelecer uma suposta ligação entre um facto e o outro, e logo se toma a parte pelo todo, atacando-se a totalidade dos maçons por causa de uma acusação feita a um ou a uns poucos... De facto, a discrição que carateriza a maçonaria joga frequentemente em seu desfavor.

Negar as evidências não é próprio de seres racionais ou de pessoas inteligentes. Por isso começarei por afirmar: é claro que há maçons que fazem coisas mal feitas; venha o primeiro dizer que nunca cometeu um erro. O facto de um maçon cometer erros só prova que cumpre um dos requisitos para ser maçon: pretender aperfeiçoar-se. Um maçon que cometa um erro pode contar com o apoio dos seus irmãos, e será tanto mais apoiado quando manifeste a firme vontade de se corrigir e aperfeiçoar. Por isto mesmo, uma pessoa perfeita não teria lugar na maçonaria. 

Mesmo os melhores fazem, por vezes, coisas mal feitas. Assim, não me assusta nem me incomoda nada que se diga que um maçon cometeu um erro. Preocupa-me, sim, saber como reagiu ele a esse erro: evitou-o? corrigiu-o? remediou o mal feito? ou persistiu no erro, acomodou-se a ele e voltou a repeti-lo? E quando não são os melhores a errar? Quando são os piores? Quando não é um ato mau cometido por alguém que tem um historial consistente de fazer o bem, mas um ato mau de alguém que costuma fazer o mal?

Deixem que estabeleça um paralelismo. Tem-me chocado, como creio que a milhões de outros, saber do escândalo dos abusos sexuais de crianças por padres católicos por esse mundo fora. Choca-me tanto mais quanto fui criado no seio de uma família católica, e toda a vida conheci e privei com muitos padres. Por isso me repugna a ideia de que um padre possa ser pedófilo. Como é possível que um padre - alguém que eu tenho, em princípio, na melhor das contas - possa tornar-se em algo de tão odioso?

Um dia, de repente, apercebi-me de que estava a ver ao contrário: não eram os padres que se tornavam pedófilos, mas os pedófilos que se tornavam padres. Se bem atentarem, é o disfarce perfeito: não precisa de explicar o facto de não viver com ninguém, e pode estar quase sempre com crianças por perto. Como evitar, então, os padres pedófilos? A meu ver, evitando-se que os pedófilos se tornem padres. Note-se que isso não diminui o número de pedófilos, mas pode reduzir para zero, ou perto disso, o número de padres pedófilos.

Com a maçonaria e os maus maçons acontece fenómeno semelhante. Infelizmente, dos muitos que tentam juntar-se aos maçons para obter prestígio, benefícios e privilégios, alguns conseguem ser admitidos. Quando, por fim, se revelam através das suas más ações, o mal está feito. E, quando as suas más ações são conhecidas, é toda a maçonaria que fica manchada.

Porque a maçonaria regular é cumpridora das leis de cada país onde está estabelecida, e porque pretende, precisamente, manter um distanciamento dessas práticas, caso um maçon seja condenado pela justiça pelo cometimento de crimes ou ilícitos graves, só pode aguardar por um veredicto: a expulsão. Mas melhor do que remediar é prevenir. Quando os processos de inquirição são adequadamente conduzidos minimiza-se o risco de se admitir quem não deva sê-lo. E é assim que deve ser.

Paulo M.

15 setembro 2011

Maçonaria e Poder (IX)


A introdução da Maçonaria em França correu através da classe nobre e contemporaneamente à Guerra Civil em Inglaterra. Os apoiantes dos Stuarts exilaram-se em França e aí organizavam-se procurando recolocar no trono o rei deposto ou os seus descendentes. Conforme já referi em Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay, a própria génese do Rito Escocês Antigo e Aceite ocorre em França e no ambiente privilegiado da nobreza, isto é, no âmago do Poder, no tempo do Ancien Régime.

Devido à clivagem entre Antigos e Modernos, em Inglaterra, às rivalidades políticas resultantes da Guerra Civil inglesa e suas sequelas e à diferente vivência ritual existente nos dois países - em Inglaterra, praticando-se apenas o ritual da Craft, que ainda hoje permanece, designadamente no rito de Emulação; em França, criando-se e desenvolvendo-se outros rituais, designadamente o que viria a fixar-se como o do Rito Escocês Antigo e Aceite -, desde cedo existiu alguma rivalidade e alguns desencontros entre a Maçonaria inglesa, então Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, e a Maçonaria francesa (primeiro numa espúria Grande Loja de França, depois com o Grand Orient de France.

Os tempos da Revolução Francesa encontraram a Maçonaria desse país fortemente dividida, em termos de classes. Segundo um estudo de Estêvão de Rezende Martins (Quem Fez a Revolução Francesa, Revista Humanitas, vol. 7, n.º 2, p. 168), em maio de 1789 havia 200 deputados maçons nos Estados Gerais, pertencendo 79 destes à nobreza e distribuindo-se os restantes 121 pelo clero (sim, pelo clero católico!) e pela alta e média burguesia.

Napoleão Bonaparte utilizou conscientemente a maçonaria como instrumento político. Embora se tenha afirmado que ele próprio foi iniciado maçom em 1798, na ilha de Malta, não existem provas conclusivas de tal. No entanto, não existe dúvida de que quatro dos seus irmãos (José, que viria a ser rei de Espanha, Luís, que reinou na Holanda, Luciano, príncipe de Cannino e Jerónimo, rei da Westfalia) foram maçons. Também o foram o cunhado de Napoleão, Murat, e o enteado, Eugène de Beauharnais. E igualmente foram maçons 22 dos seus Marechais. José Bonaparte assumiu as funções de Grão-Mestre do Grand Orient, enquanto que Luís Bonaparte dirigiu a estrutura do Rito Escocês. Em dezembro de 1804, o Grand Orient anexou o Rito Escocês e a maçonaria francesa ficou sob a direção de José Bonaparte.

A invasão napoleónica da Península Ibérica foi efetuada com muitos militares maçons integrando as forças invasoras. A primeira loja maçónica criada pelos invasores napoleónicos na Península Ibérica foi a de San Sebastián, em 18 de julho de 1809. Seguiram-se outras em Vitória, Saragoça, Barcelona, Girona, Figueras, Talavera de la Reina, Santoñas, Santander, Salamanca, Sevilha e, naturalmente, Madrid, onde se instalou (em local que fora da Inquisição...) a Grande Loja Nacional de Espanha.

Em Portugal, e a título de exemplo, Gomes Freire de Andrade, que integrou o exército napoleónico em campanhas um pouco por toda a Europa, foi maçom e viria a ser Grão-Mestre do Grande Oriente de Portugal.

A Maçonaria francesa comprometeu-se fortemente na Revolução, adotando a sua divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade - que, ainda hoje, permanece, e justamente, como uma das divisas da Maçonaria.

Porém, em França, a Maçonaria não se limitou a ver elementos seus intervirem politicamente. Como um todo, enquanto instituição, a Maçonaria comprometeu-se com a Revolução, em prol dos ideais de Liberdade, de Igualdade, de Fraternidade, lema que a II República Francesa consagrou, em substituição do original revolucionário Liberdade, Igualdade ou Morte. Ao contrário da Maçonaria inglesa - e de todas as Obediências que hoje integram o universo da Maçonaria Regular, o Grand Orient não se limitou a criar as condições para que os seus membros individualmente se aperfeiçoassem e, assim, por essa via do aperfeiçoamento individual de cada vez mais, se lograsse o aperfeiçoamento da sociedade. Empenhou-se diretamente na transformação da Sociedade. Embora o empenhamento dos maçons franceses tivesse como escopo ideais nobres, como indubitavelmente são os da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, da Democracia, o método, a forma, de proceder era já diferente do método e do procedimento ancestral maçónico.

Não admira, assim, que as divergências entre a Premier Grand Lodge e o Grand Orient se acentuassem. Até que uma decisão da Obediência francesa, a aceitação de ateus como maçons, veio a ditar a inevitável separação, pois a Maçonaria de tipo inglês não concebe que a qualidade de crente não seja condição necessária para se ser admitido maçom.

Consumou-se assim a separação em dois ramos daquilo que ainda hoje é, genericamente, conhecido apenas por Maçonaria: a Maçonaria Regular, de orientação inglesa, crente, que trabalha à Glória do Grande Arquiteto do Universo e sem intervenção institucional na Política, deixando ao critério de cada um dos seus membros a decisão de intervir, ou não, politicamente, pela forma que entender e inserindo-se na organização política que escolher, sendo proibida qualquer controvérsia política ou religiosa no seu seio; e a Maçonaria seguidora do percurso do Grand Orient de France, dita irregular, ou liberal, que não exige que os seus membros sejam crentes e que admite a intervenção política organizada dos maçons, em prol dos ideais de melhoria da sociedade que defende.

É esta dicotomia que a maior parte das pessoas que não conhecem a história e a evolução da Maçonaria não entende. Não há hoje uma Maçonaria, mas duas. Do antigo tronco comum, existe agora a Maçonaria Regular, crente e não interventiva politicamente, e a Maçonaria Liberal, que admite não crentes e a intervenção política enquanto instituição.

A Maçonaria Regular reconhece o Poder político vigente em cada sociedade e insere-se na mesma de acordo com a legislação vigente: onde legalmente for proibida a Maçonaria, a Maçonaria Regular não está presente. Destina-se a, dentro da legalidade, proporcionar aos seus elementos um meio, um método, um ambiente, uma cultura, que possibilite o aperfeiçoamento de cada um, para que cada qual, melhor, atue na sociedade e, por essa via, gradualmente, esta melhore também.

A Maçonaria Liberal procura estabelecer e garantir os ideiais que professa (e que são indubitavelmente corretos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Democracia) nas sociedades onde atua. Se possível, agindo e inserindo-se legalmente nesta, e nela intervindo politicamente, para além do mais; mas, onde e quando necessário, lutando pela instauração dos valores que defende.

Nenhuma destas Maçonarias é, intrinsecamente, melhor ou pior do que a outra. São, apenas, diferentes. Uns - como os maçons da Loja Mestre Affonso Domingues - inserir-se-ão naturalmente na Maçonaria Regular, por entenderem ser a que melhor lhes convém. Outros preferirão juntar-se à Maçonaria Liberal.

Em termos de relacionamento com o Poder, naturalmente que a Maçonaria Regular tem um posicionamento mais distante, como qualquer outra instituição de cariz não político, enquanto que a Maçonaria Liberal assume a sua vocação de lutadora por valores essenciais e abertura à intervenção política.

Pode haver elementos do Poder tanto na Maçonaria Regular como na Maçonaria Liberal. Mas só os elementos da Maçonaria Liberal podem ser elementos da Maçonaria no seio do Poder. Esta distinção é essencial que seja feita.

Fontes:

http://www.samauma.biz/site/portal/conteudo/opiniao/ap00208revolucaofranc.htm
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ8eR97dQuzOc717i1PxqautX_BEkKU5G8Huqfq0o4W9CQgFV5QaQcX8P0F73IQO5-0uFD7keDrN2IMrb8TD2QMw9ohRN0Hek5uvdsbKP4zLgqpDK-TK1YuxLXZJkg4MrUEiLq/s1600/N1.JPG
http://blogdamaconaria.blogspot.com/2008/05/liberdade-igualdade-fraternidade.html

Rui Bandeira

14 setembro 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - III



Ninguém se torna maçon sozinho, antes é iniciado por quem já passou por idêntica cerimónia, numa cadeia que remonta às difusas origens da maçonaria. É necessário que alguns vão chegando, pois que todos vão partindo um pouco a cada dia que passa. E se a diferença de idades permite que a cada um aproveite o contacto com gerações diferentes da sua de uma forma fraternal que dificilmente se vê neste mundo, não cessa, por outro lado, de nos fazer recordar, serenamente, que a todos espera o mesmo destino.

Onde o jovem recorre à força, o homem maduro usa da astúcia, e o velho da delicadeza. Um sorve, de um trago só, o que lhe puserem à frente; o outro só bebe se valer a pena; o último aprendeu a saborear, gota a gota, o fundinho da última garrafa da sua bebida favorita, que já não se faz mais. Onde um vê defeitos, outro vê diferenças de feitio, e o último sorri sozinho, com saudades das idiossincrasias de um irmão que partiu.

Cada um, no seu caminho, pisa onde escolhe pisar, na certeza de que se olhar para onde puseram os pés aqueles que o antecederam, descobrirá com mais facilidade onde se encontram as poças e as pedras. É esse saber - que não se ensina, mas que se aprende pela observação - que se encontra no coração da maçonaria.

Ser maçon é querer aperfeiçoar-se, tornar-se melhor, ser bom. A maçonaria não ensina nem explica porquê ou para quê. Não promete nada em troca desse melhoramento - e muito menos oferece qualquer salvação eterna. Isso é assunto para a religião, a crença e/ou a fé de cada um. Cada um terá as suas razões, os seus objetivos, e a sua visão para o querer ser melhor; a maçonaria apenas facilita os meios para o conseguir.

O maçon sabe que o seu trabalho só acaba na sua morte. Sabe que este mundo lhe nega a perfeição, e que esta lhe é inatingível. Não obstante, não cessa de procurar aproximar-se sempre um pouco mais. Sabe que o seu tempo é finito mas é todo aquele que terá, assim como sabe também que o seu caminho é aquele que tiver percorrido, e o seu destino o lugar onde acabar por parar. Dono do seu percurso, senhor do seu tempo, mestre da sua vida, cada maçon pule a sua pedra, busca a sua Luz, ruma ao seu Oriente, até que a partida para o Oriente Eterno o liberte por fim.

Paulo M.

07 setembro 2011

Maçonaria e Poder (VIII)


Prince Hall

Nunca a Maçonaria americana, até hoje, teve uma organização central nacional. Em cada Estado existe uma Grande Loja, soberana maçonicamente nesse Estado, independente e igual das restantes Grandes Lojas. É um reflexo e consequência da grande autonomia de cada Loja, conforme hábito adquirido desde os tempos da colonização do território norte-americano.

Não existe, assim, um Poder maçónico federal, correspondente ao Poder federal americano. Cada Grande Loja atua ao nível do seu Estado - e é tudo. E cada Grande Loja não interfere nas competências e atribuições das outras Grandes Lojas. Para o bem e para o mal!

A independência recíproca das Grandes Lojas e das Lojas americanas quase sempre impediu posições consensuais em relação às grandes questões políticas americanas. Aquando da Guerra Civil americana, as Grandes Lojas estaduais alinhavam-se pelos respetivos Estados. Houve combatentes em ambos os lados da barricada. Albert Pike, um proeminente maçom, autor de uma obra de referência sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, foi um general confederado. No Norte, Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, foram também maçons.

Também na questão racial, a Maçonaria americana institucionalmente não teve - e ainda não tem - uma posição comum. Nos Estados Unidos, a maçonaria foi fundada e implantada por colonos brancos. Durante muito tempo, negros (não apenas os escravos que, logo, não eram homens livres nas suas pessoas) não eram admitidos nas Lojas.

No entanto, já em 6 de março de 1775, antes da Independência americana, Prince Hall, um negro livre, abolicionista e ativista dos direitos civis, e outros 14 homens também negros tinham sido iniciados na britânica Military Lodge, n.º 441. Após a saída do exército britânico de Boston, em 1776, aos maçons negros foi concedida uma dispensa maçónica para operações limitadas como a Loja Africana, n.º 1. Tinham o direito de reunir-se como uma Loja, para participar na procissão maçónica no dia de S. João, e para enterrar os seus mortos com os ritos maçónicos, mas não para conferir graus ou executar outras funções maçónicas. A Grande Loja de Massachussets nunca reconheceu esta Loja, a qual, porém, veio a receber uma carta-patente da Grande Loja Unida de Inglaterra, como sua Loja Africana, n.º 459, emitida em 1784, mas só recebida em 1787.

As Lojas e Grandes Lojas americanas continuavam a não admitir negros nas suas fileiras. Com efeito, devido à vigente regra da unanimidade para novas admissões, bastava um voto contra para impedir a admissão de um candidato. Bastava um elemento racista (que, ainda por cima, não era possível identificar, pois as votações processam-se por voto secreto) para impedir a admissão de um negro, por muito valoroso ou, mesmo, proeminente que ele fosse.

A Loja Africana passou a receber insistentes pedidos de negros para estabelecer lojas filiadas nas respetivas cidades e, conforme os usos da época, serviu de Loja-mãe a novas Lojas de negros em Filadélfia, Providence e Nova Iorque.

Com o tempo, estabeleceram-se lojas Prince Hall qiase em todos os Estados Unidos e constituíram-se Grandes Lojas Prince Hall em 41 Estados (mais Washington DC) daquele país. Não é conhecida a existência de qualquer Loja Prince Hall no Estado de Vermont e, nos oito Estados restantes (Idaho, Maine, Montana, New Hampshire, North Dakota, South Dakota, Utah e Wyoming), as Lojas Prince Hall aí existentes dependem de Grandes Lojas Prince Hall de outros Estados. Porém, até à última década do século passado, as Grandes Lojas mainstream, isto é, as Grandes Lojas tradicionais, constituídas quase exclusivamente por brancos, não reconheciam as suas congéneres Prince Hall, as Grandes Lojas constituídas quase (mas não exclusivamente) por homens negros (ou, como o "politicamente correto" de hoje manda que se diga nos Estados Unidos, por afro-americanos). Desde então, finalmente, pelo menos 41 das 51 Grandes Lojas mainstream reconheceram as suas congéneres Prince Hall nos respetivos Estados (e também algumas ou todas dos outros Estados), tendo também havido entretanto um adicional conjunto de reconhecimentos blanket, isto é, Grandes Lojas reconhecendo todas as Grandes Lojas Prince Hall que tenham sido reconhecidas por outra Grande Loja mainstream. Apenas algumas (10) Grandes Lojas de Estados do Sul resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall.

Esta situação deriva do princípio da independência de cada Grande Loja estadual. Precisamente porque não existe um poder maçónico federal, mas apenas Grandes Lojas Estaduais, independentes entre si, nenhuma Grande Loja se pode imiscuir nos assuntos internos das outras. Daí que o anacronismo de um serôdio racismo ainda imperando em alguns Estados do Sul dos Estados Unidos ainda permaneça. Mas, se a independência de cada Grande Loja possibilita este anacronismo, também a força da censura e do exemplo das restantes vai fazendo o seu caminho: paulatinamente o número das Grandes Lojas que resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall vai diminuindo e espero que não esteja distanmte o dia em que o anacronismo cesse de vez.

Num país ainda não inteiramente liberto do aguilhão do racismo, em que a eleição do seu primeiro Presidente negro (ou afro-americano...) foi um evento para muitos impensável, a Maçonaria comunga das virtudes e dos defeitos das sociedades em que se insere.

Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_Hall
http://sosml68.weebly.com/prince-hall-recognition.html
http://bessel.org/glspha.htm
http://bessel.org/masrec/phachart.htm

Rui Bandeira

05 setembro 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - II



Mais do que uma idade certa, há uma maturidade certa para se ser iniciado. Muitos nunca atingem essa maturidade: nascem, vivem e morrem sem nunca perder um segundo com as "grandes questões", tal a azáfama com que passam por esta existência. Outros atingem-na, encontram as sua próprias respostas, e deixa, a partir de certo ponto, de fazer sentido procurarem outro método de aperfeiçoamento, pois já encontraram o seu próprio método, chegaram às suas próprias conclusões, traçaram o seu próprio caminho.

Cada maçon tem a sua própria história, o seu próprio ritmo, o seu próprio percurso. Uns chegam mais cedo, outros mais tarde. Uns caminham mais depressa, outros mais devagar. Outros ainda levam mais tempo numa fase, e noutra disparam a correr. Ou ao contrário.

Temos entre nós quem tenha sido iniciado aos vinte e poucos anos, e quem o tenha sido já depois de ser avô. Temos quem tenha sido aprendiz ou companheiro durante bastantes anos, e quem ao fim de menos de dois anos já fosse mestre. Temos quem tenha ficado pouco tempo, quem tenha ficado alguns anos, e quem ainda cá esteja. Por tudo isto, encontra-se numa loja uma grande diversidade de idades, maturidades e sensibilidades. A todos une, porém, a vontade de se tornarem pessoas melhores, e de o fazerem juntos, e aprendendo uns com os outros.

Os aprendizes mais jovens podem aproximar-se mais facilmente de mestres mais próximos da sua idade, até estarem mais à vontade com os mais velhos. Os aprendizes mais velhos terão porventura maior afinidade, pelo menos inicialmente, com os maçons mais maduros. Com o passar do tempo, à medida que aquelas caras vão adquirindo nomes, aos nomes se vão juntando feitios, e os feitios, as caras e os nomes se tornam pessoas que vamos conhecendo e distinguindo das demais, os aprendizes vão-se apercebendo com quem podem aprender melhor o quê, e acabam por aprender com todos - com uns mais do que com outros, mas isso também faz parte...

Chegado a companheiro, o maçon conhecerá já razoavelmente a maioria dos irmãos da sua loja, e estes a ele. Terá, para além disso, passado pela experiência de ter "irmãos mais novos", iniciados depois dele. Esses irmãos mais novos podem ser até mais velhos em idade, o que torna tudo muito mais interessante. E quando se chega a mestre, percebe-se por fim que todos têm alguma coisa a aprender com cada um dos demais.

Os mestres mais novos encontram nos mais velhos a experiência de quem já passou por muitas situações difíceis, tomou muitas decisões - algumas mais certas que outras - e tem, enfim, a sabedoria que só a idade, a experiência e as dificuldades proporcionam. Por seu lado, os mestres mais velhos encontram nos mais novos a possibilidade de reviver e questionar o seu próprio percurso, de tornar de novo novas as suas velhas dúvidas e questões, e a possibilidade de passarem para outros aquilo que receberam dos que os antecederam. Uns e outros partilham da alegria de estarem juntos, de serem diferentes, e de terem algo a aprender uns com os outros.

Sem sangue novo, uma loja está condenada, mais ano menos ano, a abater colunas: não há quem ensinar e, à medida que os mestres forem passando ao Oriente Eterno, a loja vai ficando mais pequena, até deixar de se poder manter. Por outro lado, sem o "sangue velho" - e muitas começaram assim - a loja pode até existir, mas é uma loja sem raízes nem memória, que só adquirirá com o decorrer dos anos.

Diz-se que em maçonaria nada se ensina, e tudo se aprende. É, por isso, um privilégio poder-se aprender com quem cá está há mais tempo.

Paulo M.

31 agosto 2011

Maçonaria e Poder (VII)


Illinois Masonic Medical Center, Chicago

A implantação e evolução da Maçonaria americana seguiu linhas muito próprias, diferentes do que sucedeu no resto do mundo. O imenso continente foi sendo povoado de leste para oeste, em localidades distantes umas das outras e cada uma autossuficiente. Em cada localidade com alguma importância (e mesmo em algumas de reduzida importância...) estabeleceu-se pelo menos uma Loja maçónica, que geralmente tinha como membros os elementos mais destacados dessa sociedade: o juiz, o médico, o banqueiro, os principais comerciantes, etc.).

Em cada povoação, a Loja maçónica integrava a rede social ali existente, fazia parte da vida da comunidade. Cedo começou a perfilar-se o que viria a ser uma importante caraterística da Maçonaria americana: a sua vertente filantrópica. Em termos espirituais muito influenciados pelo puritanismo, para a mentalidade americana é muito importante o conceito de charity (que, no meu entendimento, mais corretamente se traduz por filantropia do que pelo aparentemente mais direto termo caridade). A Loja maçónica local foi naturalmente um espaço e uma estrutura adequados para o exercício do dever de filantropia.

A importância dada pela Maçonaria americana à filantropia, elevando-a a polo essencial da sua atividade, distingue-a da Maçonaria continental europeia, em que a filantropia é uma vertente presente, mas não atinge o nível de essencialidade da sua congénere americana.

A Maçonaria americana criou e sustenta grandes hospitais (gerais, pediátricos, ortopédicos, de assistência a grandes queimados, etc.), o que, como se calcula, implica a reunião e disponibilização de grandes quantidades de fundos financeiros.

Isto implicou a necessidade constante de fluxos financeiros apreciáveis, quer através de donativos, quer através de fundos obtidos pela própria atividade maçónica. Mais do que propriamente as quotas (destinadas ao suporte das despesas das próprias Lojas), importante eram e são os fundos obtidos através do que (algo impropriamente, mas mais facilmente compreensível por todos) poderemos designar por joias: joias de iniciação, de passagem de grau, de acesso e progressão nos Altos Graus.

A atividade filantrópica da Maçonaria americana em grande parte foi e é sustentada por um constante fluxo de novos elementos e de contribuições extraordinárias dos elementos existentes.

Necessário foi - e é - iniciar novos membros em quantidade e assegurar a sua progressão em novos graus como forma de financiar a atividade filantrópica.

Isso levou a uma outra caraterística distintiva da Maçonaria americana, em relação às suas congéneres europeias: a existência de muitas Lojas com várias centenas de membros, mas das quais apenas uns poucos são membros efetivamente ativos.

Nos Estados Unidos, em grande parte ser-se maçom é ser-se inscrito na Maçonaria, fazer uma espécie de "recruta" e a modos que umas "especialidades", atingindo-se o topo dos Altos Graus, ou perto disso, com uma rapidez impensável na Europa (mas pagando as respetivas joias de iniciação e progressão, claro...) e depois ... é assim, mal comparado, como que ser-se sócio da Associação dos Bombeiros da terra: paga-se as quotas anuais e raramente (ou nunca) se vai à Loja. Mas, no entanto, por regra existe o orgulho em ser maçom, expresso em autocolantes colados nos automóveis, no uso do anel de Mestre, ao menos em ocasiões festivas, e na comparência nos regulares eventos de angariação de fundos.

Claro que a Maçonaria americana não tem só esta vertente filantrópica, também compartilha dos princípios e objetivos de formação e aperfeiçoamento dos seus membros que é tónica da Maçonaria mundial - mas esta vertente filantrópica é ali de tal forma importante que influenciou a forma de a sociedade ver e participar na Maçonaria.

A Maçonaria americana, apesar de ter contado com membros ilustres nos Pais Fundadores dos Estados Unidos não tem qualquer intervenção no Poder ou na política federal, não tem influência relevante (que ultrapasse a decorrente de garantir a subsistência de importantes estruturas e instituições de interesse coletivo) a nível estadual e, a nível local, terá apenas a influência que os seus membros individualmente tenham.

A Maçonaria americana e o Poder naquele país são completamente independentes um do outro.

Rui Bandeira

24 agosto 2011

Maçonaria e Poder (VI)



Um dos primeiros destinos de exportação da Maçonaria foram as colónias britânicas no Novo Mundo. A colonização do imenso espaço que hoje são os Estados Unidos da América estava ainda na sua fase inicial, praticamente confinada à costa leste e a pouco mais, com colónias separadas por grandes distâncias e evidentes dificuldades de comunicação - mas cedo as Lojas maçónicas se começaram a implantar ali!

A Loja maçónica era mais um fator de congregação, um elemento importado da terra de origem que confortava quem desenvolvia e explorava um Novo Mundo. Nelas se juntavam os grandes e pequenos proprietários de terras, militares, professores e outros intelectuais. Enfim, a Loja maçónica era a reprodução, na colónia, de instituição existente na terra de origem de cada um. Nas Lojas maçónicas das colónias juntava-se a elite dos colonizadores.

O conflito entre as colónias do Novo Mundo e a Coroa Britânica que iria redundar na Independência dos Estados Unidos da América começou a desenvolverse em torno de razões económicas e comerciais, mas teve larga influência de maçons. A gota de água foi o imposto sobre o chá. Em 16 de dezembro de 1773, colonos americanos lançaram às águas do porto de Boston a carga de chá de três navios britânicos. Esta ação, que ficou conhecida por Boston Tea Party, foi planeada e organizada na Green Dragon Tavern, também conhecida por... Freemasons' Arms.

Dos 56 signatários da Declaração de Independência, 9 eram confirmadamente maçons. É possível que até mais dez dos outros também o tenham sido. Trinta e três dos setenta e quatro generais do exército continental (independentista) eram maçons. George Washington, o Comandante em Chefe das tropas colomiais e o primeiro Presidente da novel nação era maçom, como o eram Benjamin Franklin, Paul Revere e o General Lafayette, o oficial de ligação francês nas colónias, sem cuja ajuda possivelmente os independentistas teriam perdido a guerra. Dos cinco redatores do projeto da Declaração de Independência, dois (Franklin e Robert Livingston) eram maçons e um terceiro (Robert Sherman) pode tê-lo sido, mas não há de tal confirmação inequívoca. George Washington prestou juramento como primeiro Presidente dos Estados Unidos da América perante Robert Livingston, Chanceler de Nova Iorque, o mais alto cargo de magistratura então existente e... Grão-Mestre da Loja Maçónica de Nova Iorque. A Bíblia sobre a qual Washington prestou juramento era a utilizada na sua própria Loja como Volume da Lei Sagrada.

Os princípios enformadores da organização política e social norte-americana têm fortíssima inspiração maçónica. Liberdade - Igualdade - Fraternidade, governo do Povo, pelo Povo, para o Povo, o respeito pelas liberdades fundamentais, incluindo obviamente a liberdade de religião, o princípio da separação de poderes, tudo isso são temas caros à Maçonaria.

Os maçons americanos deram a sua colaboração, juntamente com outros ilustres cidadãos que prezavam a liberdade e a democracia, para o estabelecimento das regras definidoras da atuação do Poder político da novel nação. É o caso que conheço de maior influência maçónica no Poder político.

Convenhamos que - independentemente de ideologias e de preferências por sistemas de governo - não fizeram, de todo, um mau trabalho!

Fontes:



Rui Bandeira

22 agosto 2011

O tempo, esse maravilhoso conselheiro.

Há algum (muito) tempo atrás, tinha adquirido de forma instintiva um exercício diário, visitar o A Partir Pedra.

Era por aqui que passava o meu tempo livre, por aqui vagueava horas a fio, onde lia e relia todos os textos, desde os novos aos mais antigos, desde os que me chamavam de forma natural a atenção até àqueles que pouco ou nada me diziam.

O tempo, esse maravilhoso conselheiro, que tudo cura e tudo constrói, foi passando e quando me apercebo o exercício era já rotineiro, em que a necessidade era superior à curiosidade. Quando se perde a necessidade e, a curiosidade é algo sempre presente, algo está por acrescentar no nosso dia a dia…

Era inevitável o querer ser maçom, disse-o uma e outra vez, durante alguns dias.

Se mais depressa o decidi, mais devagar o concretizei.

O tempo, esse maravilhoso conselheiro, surpreendeu-me pelo seu lado original e à altura negativo, pois avançou silenciosamente e sobretudo sem pressa alguma e como eu tinha pressa, queria ser maçom, queria aprender e crescer, quando na realidade, já com o processo em andamento estava já a fazer tudo isso e de uma forma instintiva, sem ter essa perceção.

Tanto tempo faz-nos, por vezes, desiludir e pensar em desistir, mas na realidade é apenas o ponto de partida para o que vem a seguir.

Já iniciado, o tempo, sempre ele, começou uma interior e dura batalha comigo, onde impera o silêncio e a incerteza do passo a dar em seguida.

A (minha) verdade é afinal tão simples.

O tempo passa e a integração vai surgindo de uma forma racional, de novo rosto desconhecido de todos, a forma como se é recebido entre os demais irmãos é acolhedora, afável, alegre e natural.

A batalha interior continua diariamente, onde a regra do silêncio imposta começa a revelar toda a sua essência, ou seja, quero falar e não posso e logo eu que tenho tanto a dizer.

Não sou dos que nada têm para dizer, nunca fui, quando tinha oportunidade falava sem qualquer problema de consciência e sempre com a certeza do que estava a dizer…como estava eu enganado, isto de falar só para não estar calado é realmente uma grande asneira e revela-se quando percebemos a diferença entre ouvir e falar.

Não falar é inicialmente algo penoso, no entanto, ao fim de algum tempo começamos a perceber que o fato de não falar nos permite um exercício mental bastante útil, pensar.

O local preveligiado do aprendiz e do companheiro, é isso mesmo, o local ideal para ouvir todas as opiniões e sobre elas pensar, fazendo algo que raramente se faz de forma natural, que no fundo é tão só isto, “caso eu pudesse falar, que diria eu sobre isto?”.

O tempo fez o que tinha a fazer, até que um dia, inesperadamente e de forma informal, ou seja, extra sessão, um irmão que por acaso era o VM desse ano maçónico, me questiona de forma direta:

- Então meu irmão, que tens tu a dizer sobre tudo isto, qual a tua opinião?

E em três segundos lá se foi o tapete debaixo dos pés, eu, logo eu, que tanto tinha para dizer e queria dizer, não articulei uma só frase, limitei-me a responder, “não tenho ainda opinião formada, afinal estou cá para aprender”.

Na realidade desenrasquei uma atribulada e apressada resposta e o que escrevi acima pareceu-me ser a melhor forma de lidar com aquele momento, é sempre assim, quando não estamos à espera as coisas acontecem.

E este era, afinal, o caminho certo, pois finalmente percebi que de tanto querer falar e não poder, se me pedem opinião e não a consigo articular de forma conveniente é porque me falta todo um percurso para fazer.

É um percurso sem fim, é um caminho a percorrer e sempre sem pressa alguma de o caminhar, seguramente é mais firme um passo exato a avançar na direção certa que um passo amedrontado numa direção qualquer.

Escrever hoje aqui é para mim, algo especial, era e é aqui que passo algum do meu tempo livre, foi e é aqui que me vou “perdendo” em leituras e nas minhas interpretações, logo, a possibilidade de aqui escrever é mais que natural, é um dever para comigo mesmo e para quem me acolheu.

Se esta foi a minha porta de entrada na M:., que esta seja agora, depois de elevado a M:.M:., uma das variadas formas de poder contribuir com tudo aquilo que me falta aprender.

Daniel Martins

21 agosto 2011

Parabéns!


Uma vez mais, e pontualmente - como, de resto, tem sucedido há mais de meio século - o nosso Rui Bandeira ficou um ano mais velho sábio. Que os contes pontualmente por mais outros tantos quantos contaste até aqui - se esse for o teu desejo! Um grande abraço de parabéns!

17 agosto 2011

Maçonaria e Poder (V)



Desde o seu início, a Maçonaria especulativa foi, em Inglaterra, interclassista, reunindo no seu seio nobres, burgueses, artesãos e intelectuais.

No século XVIII, muito por influência dos espíritos progressistas do Iluminismo inglês, as Lojas eram polos de divulgação do espírito científico, do Conhecimento. A reunião dos melhores espíritos da época, a sua influência nos círculos populares e urbanos, não escaparam à atenção da nobreza, da classe que detinha e continuava a deter o essencial das rédeas do Poder. E a nobreza inglesa teve a lucidez suficiente para embarcar no mesmo barco e, mesmo, rapidamente, capitanear o navio.

A Maçonaria inglesa, como instituição nascida nesse país, compartilhava da idiossincracia muito particular do povo inglês. Assim, as Lojas assumiam também as características conviviais dos clubs ingleses - e a tradição da sua exclusiva masculinidade, que permanece ainda hoje na Maçonaria Regular... -, particularmente na importância atribuída aos ágapes (refeições) partilhados entre obreiros. Mas, ao contrário, dos distintos e exclusivos clubs, a integração numa Loja não implicava exagerado dispêndio financeiro, sendo os custos inerentes comportáveis para o comum cidadão com uma situação económica que estivesse acima do nível da luta pela sobrevivência. Daí o seu caráter interclassista, sentando-se lado a lado o rico e o meramente remediado, o nobre e o burguês, o intelectual e o artesão.

Mas, como é natural - talvez inevitável - em grupos heterogéneos, os mais cultos, mais bem preparados, os mais bem colocados socialmente, gradualmente acabaram por sobressair. Não admira, assim, que a breve trecho, a direção formal da Grande Loja passasse a ser assegurada por membros da nobreza, depois da alta nobreza e finalmente da Família Real, embora a gestão diária fosse assegurada por elementos socialmente mais discretos, mas porventura mais entrosados na organização e seguramente com maior disponibilidade pessoal para as tarefas do dia-a-dia. Daí a particular importância que, na Maçonaria anglo-saxónica - mas não só - tem o ofício de Grande Secretário, verdadeiro Diretor Administrativo da instituição.

Seja como seja, desde o início da sua implantação que a Maçonaria inglesa foi protegida pelo Poder, integrada como instituição social de relevo. Para além da sua função básica, de polo de melhoria, de crescimento e aperfeiçoamento pessoal dos seus membros, passou a exercer lateralmente tarefas na área social e beneficente, integrande a rede de instituições de suporte social num país em que - não o esqueçamos - a mentalidade socialmente dominante é individualista. E este aspeto beneficente, de suporte social, como é óbvio, na medida em que contribuía para a diminuição e controlo das tensões sociais, sempre agradou ao e favoreceu o Poder.

Mas não só a este nível a maçonaria foi utilizada pelo Poder britânico. A expansão imperial britânica teve como uma das suas pontas-de-lança a Maçonaria, rapidamente "exportada" para todos os confins do globo onde existia um espaço integrante do Império Britânico. A Maçonaria era parte do "british way of life", era uma instituição característica da sociedade inglesa e, como tal, estava presente, tal como a "Union Jack" e os regimentos britânicos, onde quer que existisse o Império Britânico.

Este caráter institucional que rapidamente a Maçonaria inglesa logrou atingir possibilitou e favoreceu o seu crescimento e implantação por todo o Mundo.

Em Inglaterra, indubitavelmente que a Maçonaria beneficiou do beneplácito do Poder. Mas não nos enganemos: mais do que ser a Maçonaria a influenciar o Poder, foi o Poder quem dirigiu e utilizou a Maçonaria, como um dos instrumentos da sua política.

Ainda hoje gentleman que é gentleman é maçom...

Esta caraterística de integração social da Maçonaria inglesa foi partilhada, de uma forma muito similar, em muitos países do Norte da Europa - Escandinávia, reinos alemães, Países Baixos, entre outros - em que, na sua fase de implantação, a Maçonaria foi protegida e integrada pela nobreza, nalguns locais mesmo dirigida pelo monarca ou por um membro da Família Real.

Por sua vez, esta integração social da Maçonaria inglesa influenciou - sobretudo ao nível dos princípios, da organização e da prática quotidiana - a Maçonaria Regular em todo o Mundo.

Em todo o Mundo, a Maçonaria Regular contém-se nos limites da Lei vigente, como instituição integrada na sociedade, existindo e funcionado em plena legalidade, à luz do dia, sem secretismos, tal como qualquer outra instituição social. E, tal como qualquer outra instituição social, influenciando e sendo influenciada pelo Poder. É assim a realidade da vida em sociedade...

Rui Bandeira

10 agosto 2011

Maçonaria e Poder (IV)


Príncipe Edward, Duque de Kent




A transição entre a Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa decorreu num período de instabilidade e conflito em Inglaterra: Stuarts contra Hanovers, Protestantes contra Católicos, Parlamento contra Rei. Foi um período de conflitos, de guerras civis, de tumultos e vinganças.

As Lojas maçónicas eram pontos de encontro de todos, independentemente dos lados dos conflitos em que se situassem, fossem católicos ou anglicanos, leais aos Stuarts ou aos Hanovers, adeptos do Parlamento ou fieis ao Rei. Por isso se instituiu na Maçonaria inglesa a regra de que em Loja não se discute política nem religião.

Esta regra, a admissão, permanência e convívio mútuo de pessoas que defendiam ideias diferentes, que, mesmo, batalhavam por conceções diversas, teve uma consequência benéfica para a Maçonaria inglesa: os detentores do Poder, em cada momento, estavam nela inseridos - tal como os derrotados desse momento... Mas, se os ventos sopravam diferentemente e os derrotados de ontem eram os vencedores de hoje, e vice-versa, a situação, em relação à Maçonaria, mantinha-se.

Quando, em 1717, foi criada a Premier Grand Lodge, em Londres, por quatro Lojas desta cidade, o primeiro Grão-Mestre designado foi um burguês, Anthony Sayer, gentleman não particularmente abonado de meios materiais (existem registos de que solicitou e obteve auxílio financeiro da Grande Loja em 1724, 1730 e 1741, ano do seu falecimento). Anthony Sayer era membro da Loja da Apple Tree Tavern, que não era aristocrática. Na época, os aristocratas reuniam-se na Loja Rummer & Grapes.

Em 1718, o Grão-Mestre foi George Payne, também burguês, que mais tarde veio a ser Secretário da Repartição de Impostos. Em 1719, o Grão-Mestre foi o filósofo huguenote francês John Theophilus Desaguliers, também membro da Royal Society, a sociedade inglesa onde se juntaram os melhores cérebros e cientistas da época, verdadeiro alfobre do Iluminismo em Inglaterra. Sucedeu-lhe de novo George Payne, em 1720.

Em 1721, foi eleito Grão-Mestre o primeiro membro da alta nobreza britânica a assumir o cargo: John Montagu, 2.º Duque de Montagu, anteriormente Visconde e depois Marquês Monthermer, que, em 1745, veio a ser nomeado Par do Reino. Foi o primeiro de uma longa lista de nobres, incluindo o Príncipe de Gales entre 1792 e 1812, que dirigiram a Premier Grand Lodge até à sua fusão com a Grande Loja dos Antigos e criação da Grande Loja Unida de Inglaterra, em 1813, realizada sob a égide do seu último Grão-Mestre, o Príncipe Augustus Frederick, Duque de Sussex, que viria a ser o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra (UGLE).

A Grande Loja Unida de Inglaterra só teve como Grão-Mestres membros da alta nobreza - e mesmo da família real - desde a sua fundação até à atualidade. Repare-se na lista dos seus Grão-Mestres:
Como se vê, a Maçonaria inglesa muito cedo foi, não só integrada por membros da nobreza britânica, como por ela diretamente dirigida.

A Maçonaria inglesa insere-se, desde o seu início, na esfera do Poder, é uma organização claramente integrante da estrutura social britânica - ao contrário do que sucedeu, como iremos ver, noutras paragens, mas também a exemplo do que sucederia noutros tantos lugares.

Qual o seu papel na sociedade, a sua autonomia em relação ao Poder político e económico - já que, quanto ao Poder social britânico é inequívoca a sua pertença - é matéria que será objeto do próximo texto.

Fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Premier_Grand_Lodge_of_England
http://en.wikipedia.org/wiki/Anthony_Sayer
http://en.wikipedia.org/wiki/George_Payne_%28Freemason%29
http://en.wikipedia.org/wiki/John_Montagu,_2nd_Duke_of_Montagu
http://en.wikipedia.org/wiki/United_Grand_Lodge_of_England
http://en.wikipedia.org/wiki/Prince_Edward,_Duke_of_Kent

Rui Bandeira

06 agosto 2011

Niny Sequeira - Maçon de corpo inteiro

Niny Sequeira – assim de repente o nome não diz nada a ninguém, ou a apenas poucas pessoas, a mim diz-me. Diz-me que já passaram muitos anos desde o dia em que o conheci, uns 20 talvez, ou quase.

Diz-me que nos idos tempos da “expansão pela província” da Maçonaria, privei muito de perto com ele.

Pela aurora se marcava a hora de encontro, ali para um posto de abastecimento de combustível na Encarnação.

Niny era inconfundível, magro, enérgico e sempre com um cigarro, mas não era por isso que era inconfundível, era pelo smoking. Homem prático não queria saber de levar muita coisa com ele e por isso o fatito de cerimónia ia logo vestido pela manhã, aliás de uma das vezes quis ser tão prático, e ao mesmo tempo tão irreal, que o smoking acabou por ser o seu pijama.
As idas eram para Bragança, e evidentemente não voltávamos no mesmo dia !!

Sim porque isto de ir realizar sessões maçónicas a sério, para ele só podia ser de smoking.

Foram algumas as viagens, foram muitas as peripécias.

Foram muitos os episódios que se passaram. O Maçon e o Amigo. De vez em quando telefonava-me e lá falávamos um pouco. Acompanhei por terceiros os seus últimos anos de combate a maleitas que o afligiram.

Ontem Niny Sequeira avançou passando ao Oriente Eterno, dele ficam muitas coisas nas nossas memórias.

Nós, que ainda estamos no nosso caminho de aperfeiçoamento, aqui ficamos no nosso percurso até o podermos encontrar novamente, daqui a muitos anos ( porque ele não se aborrece se nós o fizermos esperar um pouco!!!!)

Que o Grande Arquitecto do Universo o tenha  !

José Ruah

03 agosto 2011

Maçonaria e Poder (III)



No tempo das Lojas Operativas, a relação entre os construtores em pedra e o Poder era de simbiótica subordinação. Os construtores em pedra detinham o exclusivo conhecimento - ou quase - de técnicas de construção baseadas em princípios geométricos há muito descobertos, mas perdidos, na sua aplicação, no obscurantismo da Idade Média. A sua associação em núcleos profissionais, Lojas, que asseguravam a formação e treino de novos elementos e a transmissão dos conhecimentos e técnicas herdados de gerações e gerações de profissionais, buscava também garantir a manutenção do conhecimento dessas técnicas e conhecimentos no restrito círculo de profissionais.

Esse desiderato, porém, só era possível de atingir e manter, com o beneplácito dos senhores detentores do Poder - a nobreza -, que assegurava as condições e práticas legais que garantissem o quase monopólio das Lojas operativas nas grandes construções. Em troca, os construtores tinham de bem servir os senhores que lhes encomendavam os trabalhos, executando-os segundo a sua vontade, utilizando as suas técnicas e conhecimento em benefício de quem os contratava.

Também os detentores do Poder religioso, particularmente os bispos - católicos ou Reformistas - influenciavam claramente os maçons operativos. A construção de uma catedral durava e, mesmo, ultrapassava o tempo de vida útil de um oficial construtor. Mas só bons cristãos eram admitidos a trabalhar na construção desses templos. E não só. Também os construtores tinham de se conformar e adotar as normas morais e estilos de vida impostos pelos detentores do Poder religioso. Ou não trabalhavam ali...

Durante séculos, subsistiu esta relação simbiótica, mas subordinada, entre as Lojas operativas e os detentores do Poder - político, económico e religioso.

Mas os tempos iam, primeiro lentamente, depois cada vez mais aceleradamente, mudando. O obscurantismo da Idade Média começou a ser rompido pelo Renascimento, regressando o interesse pelos conhecimentos que a Humanidade obtivera já na Antiguidade. A cultura da Antiguidade Clássica voltou a ser estudada. E muito se descobriu que, mesmo já se sabendo, afinal não se sabia durante séculos e séculos. Os postulados e teoremas da Geometria foram uns dos aspetos redescobertos. E, da redescoberta, em termos públicos e não apenas reservado a uns quantos, poucos, cultores de conhecimentos oralmente transmitidos, necessariamente que resultou a divulgação geral das técnicas de construção que anteriormente só os maçons operativos detinham e guardavam para si.

A Imprensa foi descoberta. Os morosos e caros livros copiados à mão foram, a pouco e pouco, dando lugar a livros impressos, mais baratos, abundantes e dedicados às mais variadas matérias. Conhecimentos e técnicas incluídos...

O que dantes era reservado e monopólio, ou quase, das Lojas passou, num espaço de tempo relativamente curto, a ser habilidade acessível a muitos mais. Era já possível aprender-se as técnicas da construção sem ser no seio de uma Loja operativa. Era já possível trabalhar-se na construção fora da tutela de uma Loja operativa. Surgiam e espalhavam-se os que, nas Ilhas Britânicas, eram depreciativamente denominados pelos maçons operativos de "cowans".

As Lojas operativas lentamente declinavam. A concorrência de profissionais a elas alheios diminuía-lhes o trabalho e os rendimentos. Os construtores em pedra integrados em Lojas operativas deixavam de ser os únicos operadores no mercado. Para procurar manter a sua supremacia, ou simplesmente a sua presença no mercado, dependiam cada vez mais dos senhores terratenentes e das suas encomendas. A relação entre os construtores agrupados em Lojas operativas e os detentores do Poder deixou de ser simbiótica, passou, claramente, a ser subordinada e, com o prosseguir do declínio - os ventos da História não se mudam pela mera vontade de grupos ou indivíduos... - , chegou mesmo a ultrapassar o umbral da subserviência.

As Lojas operativas declinaram economicamente, feridas pela perda da sua exclusividade no mercado. Mas, centenárias, mantendo tradições próprias e um espírito de união resultante de gerações de transmissão de conhecimentos e de vivência em comum, não deixavam de ser atrativamente misteriosas para quem estava de fora (há coisas que, pelos vistos, não mudam...). Os senhores podiam escolher dar os seus trabalhos de construção a Mestres de Lojas operativas ou a "cowans". Mas continuavam a interrogar-se que conhecimentos exclusivos seriam esses que os operativos reservavam para si mesmos. Se outros sabiam também construir, que fazia os operativos manterem-se em Lojas? Que algo mais, ou algo de diferente, havia?

Durante séculos,o que havia no interior das Lojas operativas era só para quem nelas estava. Mas os tempos foram mudando e eram cada vez mais difíceis. Primeiro um senhor, depois outro, logo mais uns quantos, começaram a pôr condições para dar trabalho aos maçons das Lojas e para os continuar a proteger: queriam ter acesso aos conhecimentos próprios deles. Ou então, acabar-se-ia a proteção e havia agora mais quem quisesse trabalhar na construção...

Pouco mais havia a salvar do que a dignidade. Se os senhores exigiam saber o que eles sabiam, não havia já meios de o impedir. Mas podiam e deviam manter os seus compromissos de gerações e não revelar fora de Loja o que à Loja era reservado. A solução foi evidente: admitiram-se os senhores nas Lojas!

Entrou-se assim na transição - mais rápida do que seria de supor - entre a estrita Maçonaria Operativa e o que viria a ser a Maçonaria Especulativa.

Os senhores estavam já nas Lojas. Mais cultos, mais sofisticados, rapidamente se terão apercebido de que os segredos das técnicas de construção não eram já nada de especial nem de domínio exclusivo. Mas toda uma Tradição, toda uma Ética, todo um particular espírito de convivência estratificara ao longo de gerações e de séculos nas Lojas operativas. Esse era o verdadeiro acervo, próprio e único, que, insuspeitadamente, guardavam as Lojas operativas. Afinal, não eram já os segredos das técnicas de construção que interessavam - era tudo o resto!

Os senhores atraíram outros senhores, intelectuais, burgueses, para esse até aí oculto mundo, de antigas tradições, embalsamadas ideias prontas para serem desenvolvidas, notáveis formas de relacionamento a serem prosseguidos. Porventura em menos de um século, os operativos, engolidos pelo progresso, viram as suas Lojas tomadas por dentro e a Maçonaria operativa transformar-se na Maçonaria Especulativa.

O primeiro embate entre a Maçonaria e o Poder começou por ser simbiótico, passou a dependente e subordinado, raiou mesmo a subserviência, transpôs os limites da capitulação... para levar a um inesperado rumo: o Poder conquistou, pacificamente, a Maçonaria por dentro, mas, a partir desse momento, como tantas vezes na História sucedeu com fortes conquistadores, conquistado o Poder interno, podendo-se pôr e dispor... foi seduzido (afinal conquistado) pelas ideias que encontrou.

No primeiro embate entre a Maçonaria e o Poder, os homens do Poder ganharam... mas foram as ideias da Maçonaria que convenceram os vencedores!

Assim mudou a Maçonaria e mais um elemento de mudança se juntou à evolução dos poderosos e do Poder.

Era tempo do Iluminismo alumiar o caminho!

Rui Bandeira