23 dezembro 2006

Especial Natal - Coroa de Espinhos

Imaginem que, por acaso só por acaso (isto é conversa de poeta...), tropecei com uma bela prancha, e onde ?... pois foi no "Correio da Beira Serra" que se publica em Oliveira do Hospital, assinada por Carlos Ramos.
Não conheço este nosso Irmão, nem sei qual a Sua obediência, mas só posso agradecer-Lhe este texto e não resistir à Sua transposição para o nosso A-Partir-Pedra.
Aqui fica.

Especial Natal - Coroa de Espinhos
As margens do rio que corre aos pés da minha aldeia serrana, enfeitam-se de flores amarelas mal a Primavera acorda de meses de sono revigorante.

De menino lhe soube o enfeite e o aroma, perto do Urtigal, mas nem precisava de percorrer os caminhos enviesados que ainda nos levam àquele pedaço de paraíso, porque à porta da minha casa, do outro lado da rua, o panorama é exactamente igual, sobretudo agora, com a quinta do Chiado votada ao abandono, a Mimosa encontrou terra fértil e cresce sem rei nem roque. Selvagens ou não, pouco me importa, gosto daqueles cachos de um amarelo vivo, e só eu sei como me atraem no tempo próprio; depois, sim, as árvores desfeiam no tom verde-escuro e não lhes dou atenção. A Mimosa, pelo que sei, tem no Homem um inimigo acérrimo, e não é para menos: ela escorre por montes e vales, invade propriedades menos cuidadas, e se não houver tento, é bem capaz de, ilegitimamente, fecundar terra de cultivo.

Portanto, o Homem, no seu estimado interesse, mata-a mal começa a crescer aqui e ali, a medo, com duas folhinhas rendilhadas à procura do Sol que as fará crescidas na direcção das estrelas. Uma das variedades da família das Acácias, oriunda da Austrália, pelo que dizem os entendidos em Botânica, a Mimosa que conheço desde sempre, a dada altura passou a fazer parte da minha vida pela simbologia que trouxe ao imaginário dos rituais Maçónicos, com um deles, segundo a lenda, eternamente ligado à morte do Mestre Hiram Abif. Sem mais pormenores que não vêm a propósito, fica, pelo menos, a assunção daquilo que sou, para que se entenda que há conhecimento mais lato…

Na busca do que é justo e perfeito, fiz da expressão grega Akakia código de namoro, visto ser usada (a expressão) para definir qualidade moral, inocência e pureza de vida, e juntei-lhe a portuguesa Mimosa para reforçar a sensibilidade e a ternura do encantamento, como também é a festa sempre anunciada do nascimento de Jesus - em si mesmo um acto de Amor, intenso e unânime. A criança que "está para nascer" vai ter a sua existência nefastamente ligada a uma das seiscentas espécies existentes, a acácia espinhosa, segundo alguns historiadores, que acreditam ter sido a coroa de espinhos com que os romanos coroaram Cristo antes da sua morte, feita de um ramo desta árvore, considerada sagrada pelos egípcios e outros povos.

A Bíblia é, aliás, rica em alusões à madeira da acácia; por ser dura e duradoura talvez tenha servido para construir a Arca (de Noé) e a Mesa da Última Ceia de Cristo… Li bastante sobre o tema, daí a liberdade com que me arrogo para especular: sendo a acácia considerada árvore sagrada, como interpretar então o gesto dos soldados romanos em relação a Cristo? Um acto de crueldade, de sentido burlesco, ou será que alguém, conhecedor do simbologia da acácia, induziu a soldadesca a usar este tipo de ornamento? A coroa de espinhos foi colocada na cabeça de Jesus com a intenção de fazer troça, como a Igreja Católica salienta? Esta relação entre a acácia espinhosa e Jesus Cristo talvez tivesse mais sentido lá para Abril, a propósito da Páscoa.

Mas se a Ressurreição é a festa do "renascimento" de Jesus, não é de todo descabido associar "o nascimento e a morte do Rei dos Judeus" num texto de jornal, que nem croniqueta é – apenas um devaneio, a que me propus. Agora, o que importa é o tom de festa pela alegria do nascimento de Jesus Cristo e não repetir o que se julga saber sobre o seu prematuro desaparecimento do mundo dos vivos, para que pudesse ser cumprido o desígnio de Deus - o Supremo Arquitecto do Universo - de acordo com as Escrituras. Entre hossanas e cânticos pagãos, o Natal, sem termos muito bem a consciência como isso é possível, é, na sua essência, um tempo de paz e fraternidade que nos toca de perto, mesmo aos não crentes na História de um menino que, pela sua conduta, revolucionou a Humanidade.

A interpretação simbólica e filosófica da Acácia, na Maçonaria, lembra o lado espiritual que existe dentro de nós, que jamais pode morrer - daí esta associação de ideias e ideais, face aos "mistérios", onde me revejo sem ambiguidades. Quanto às flores com que me deleito, espero pelo seu "nascimento", lá para Março.

Carlos Ramos

22-Dez-2006

Copiado de "Correio da Beira Serra", publicado em 22/12/2006.

JPSetúbal


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