14 janeiro 2008

MAÇONARIA E AMBIENTE: O paradigma do Valor

Para se trocar um bem por outro, há que calcular quanto vale cada um. Para facilitar o processo de troca, criou-se a moeda. A moeda é a referência do valor de todos os bens. A moeda, a troca, o mercado são os pés do tripé que sustenta a economia global.

Mas não é a moeda que estabelece o valor de um bem. É suposto que uma dada quantidade de moeda represente o valor de um bem. O Valor dos bens é intrínseco e logicamente anterior à sua expressão monetária.

O problema é que a nossa Civilização criou um paradigma de Valor que não é perfeito. O paradigma do valor que estabelecemos respeita à QUANTIDADE de algo que nele está inserido: quantidade de matéria, quantidade de trabalho nele introduzida, quantidade de custos necessários para o produzir e comercializar. Exemplificando: o valor de uma jarra corresponde ao valor da quantidade de material de que ela é composta, mais o valor do trabalho necessário para a fabricar, mais os custos de produção e comercialização da mesma (lucro dos diversos intervenientes no processo incluído). Por sua vez, o valor do material que compõe a jarra depende do valor unitário que é atribuído à respectiva substância: o ouro vale mais do que a prata, esta mais do que o cristal e este mais do que o vidro. Mais uma vez, a atribuição deste valor intrínseco depende da QUANTIDADE do material disponível. Há menos ouro do que prata, daí que aquele valha mais do que esta; o cristal incorpora mais substâncias (chumbo, designadamente) que o vidro e, portanto vale mais do que este, mas pode-se fabricar muito mais quantidade de cristal do que é possível obter de prata e muitíssimo mais do que existe de ouro, daí que o cristal valha menos do que a prata e muito menos do que o ouro.

Toda a economia se baseia no conceito de valor e o paradigma deste presta tributo essencialmente à QUANTIDADE, não tanto à QUALIDADE.

Mesmo nos campos em que aparentemente o valor das coisas depende da sua qualidade, se analisarmos bem, assim não é. O quadro dos Girassóis de Van Gogh vale o preço absurdo que vale não propriamente pela sua qualidade intrínseca, mas pela raridade de telas pintadas por Van Gogh e pela enorme desproporção entre a quantidade de pessoas que gostaria de ser proprietária desse quadro (eu incluído!) e o número de exemplares do mesmo: UM! Mas, se fosse apenas uma questão da QUALIDADE da imagem, então não se justificaria a enormíssima diferença de valor entre o original, cópias e reproduções...

Similarmente, assim se entende porque, quando morre um pintor famoso, aumenta exponencialmente o valor dos seus trabalhos. É que, enquanto o artista está vivo, pode continuar a produzir trabalhos e não se sabe quantos mais irá criar; quando morre, fica certo o número exacto de obras que produziu, que será sempre inferior ao número de pessoas que gostaria de possuir uma dessas obras. E, previsivelmente, no futuro, ocorrerá o fenómeno inverso: aumentará o número dos que almejam a possuir uma obra do artista e o número destas só pode variar no sentido da diminuição, na medida em que ocorra a destruição de algum trabalho. A QUANTIDADE de potenciais compradores é superior e aumenta; a QUANTIDADE de obras é inferior e é estável ou diminui; o VALOR das obras aumenta!

Ao basear-se o paradigma do Valor na QUANTIDADE, negligencia-se na incorporação do valor dos bens elementos que vamos colectivamente verificando que deveriam ser considerados. Qual a sustentabilidade, em termos ambientais, da produção desse bem? Quais os custos, em termos de poluição, de gasto energético, de biodiversidade, de..., de..., de..., que a produção e comercialização desse bem acarreta?

Ou, por outra via: QUANTO VALE O AR PURO?

Nem o valor do ar puro, nem o da biodiversidade, nem o da sustentabilidade energética, nem, de forma geral, os componentes, eminentemente QUALITATIVOS, dos valores ambientais incorporam o paradigma do Valor dos bens.

Para bem da saúde ambiental do planeta, convém que o paradigma do Valor mude, de forma a incorporar também estes elementos.

Também aqui a Maçonaria e os maçons podem ajudar. Os maçons interessam-se precisamente por temas e assuntos e matérias que não têm valor económico, mas apenas racional, moral ou espiritual. E prezam muito estes valores. E estão habituados a ponderá-los em todos os actos da sua vida. E devem procurar transmiti-los aos demais membros da Sociedade e, por essa via, contribuir para a melhoria desta. É também tempo de nos habituarmos a considerar também os valores ambientais, a apreciá-los, a ponderá-los em todos os actos da nossa vida, em transmiti-los aos outros membros da Sociedade.

Por essa via, ajudaremos à necessária mudança do paradigma do Valor. E esta mudança será uma das mais profundas que a Humanidade conseguirá. E vale um tesouro incalculável: a sobrevivência das espécies - no limite, a sobrevivência da NOSSA ESPÉCIE - em ambiente saudável e equilibrado.

Claro, um tesouro QUALITATIVAMENTE muito valioso! Mas, em bom rigor, só poderemos determinar exactamente quanto depois da mudança do paradigma do Valor...

Rui Bandeira

4 comentários:

Divinius disse...

Existem coisas que vivem até à morte...
:)

Paulo M. disse...

"A cynic is a man who knows the price of everything and the value of nothing."
(Oscar Wilde)


Este texto do Rui é muito mais objectivo e conciso, e apesar de mais extenso é muito mais denso de conteúdo. Diria que este tem perfil para ser um texto introdutório sobre Ambiente e Maçonaria.

Porém, dá a ideia de que o Rui, que ia tão bem embalado, se lembrou de repente que tinha que dar um fim ao texto e galgou, em meia dúzia de linhas, o que lhe restava para o atingir... Imediatamente antes de "Também aqui a Maçonaria..." caberia mais um bom palmo e meio de texto - que certamente o Rui nos virá a dar o prazer de ler um destes dias.

Caberia aí, por exemplo, o conceito de externalidade, que mais não é que o "efeito secondário" de uma operação económica; no caso em estudo, a poluição e destruição do ambiente são externalidades do processo de produção de um bem, por exemplo.

Quanto vale o ar puro? Não sei; não tem preço, pois não podemos prescindir dele. Quanto custa mantê-lo puro? Isso podemos saber: entre filtros, lavagens, escolha de processos mais caros mas menos poluentes, podemos saber quanto custa.

Um escuteiro, ao abandonar um local onde acampou, deve deixar duas coisas:
1- Nada.
2- Agradecimentos ao proprietário.

Tanto quanto o entendo, o grande problema - que a legislação vem corrigindo, com a instituição de "eco-taxas" e afins - é não ser respeitado este princípio na produção de bens. Produz-se, mas não há a preocupação em "deixar, no fim, tudo como estava".

Não será aqui que a Maçonaria mais pode contribuir, chamando a atenção para o facto de que as externalidades devem ser revertidas ou compensadas na medida do possível, e que esse custo deve ser tido em conta no decurso das nossas escolhas diárias?

Um abraço,
Simple Aureole

Rui Bandeira disse...

@ inside-a-brain:

Monsieur de la Palisse não diria melhor...
Por mim, prefiro concentrar-me nas coisas e nos valores perenes defendidos pela Maçonaria.
É que, para mim, a morte não é mais do que uma passagem numa fronteira na viagem para o Oriente Eterno!

@ simple:

É! De repente, lembrei-me que a ideia não era escrever um texto introdutóri a um capítulo de uma obra sobre Economia Política...
Mas, bem vistas as coisas, o que faltava - e que o simple acrescentou só compunha um pouco mais o ramalhete da ideia, bem sumariado no último parágrafo do comentário.
E a imagem do escoteiro (eu cá escrevo com "o", pelas razões que expliquei em comentário ao texto Baden-Powell e a Maçonaria", publicado em 30/3/2007)é perfeita...

Paulo M. disse...

@ Rui:
Tenho muito gosto em compôr os seus ramalhetes, e em que componha os meus.

Uma imagem perfeita para si, como o foi para mim, pode ser inadequada a quem não saiba do que se trata... As metáforas - como a restante simbologia - não valerão apenas pelo que evocam, estando por isso desprovidas de valor intrínseco? Como dizem da beleza - que está nos olhos de quem vê - o valor sê-lo-á para quem o saiba apreciar...

Um abraço,
Simple Aureole