27 novembro 2008

A Maçonaria e a Revolução Farroupilha

A Maçonaria Regular não tem intervenção política e funciona dentro da legalidade vigente. Estes são dois princípios básicos e essenciais do comportamento da Maçonaria Regular em Democracia.

Mas, historicamente, nem sempre a Maçonaria assumiu esse comportamento. Umas vezes por opção própria, nomeadamente na variante dita Irregular ou Liberal, sempre mais interventiva politicamente. Outras vezes, porque a Democracia não estava presente, a tirania campeava e ser maçon, prosseguir o ideário de Liberdade que é apanágio da Maçonaria, implicou lutar pela Liberdade em falta, intervir mesmo em Revoluções.

A Itália fez-se enquanto país unificado muito graças à atuação de Garibaldi e outros maçons. A América Latina ganhou a sua liberdade e a independência de vários dos seus países graças aos esforços de Simón Bolívar e seus companheiros, muitos deles também maçons. Maçons também deram os seus esforços para a instauração da República em Portugal.

Alguns dos episódios que ajudaram a forjar a identidade brasileira também têm a intervenção decisiva de maçons. É o caso da Revolução Farroupilha, que foi desencadeada pelos membros da loja maçónica Philantropia e Liberdade, sob a direção do seu Venerável Mestre Bento Gonçalves da Silva.

Pelo seu interesse histórico, eis um extrato da sua Prancha (ou Balaústre) n.º 67, relativa aos trabalhos da sessão da Loja de 18 de setembro de 1835, que transcrevo sem qualquer edição, tal qual a descobri num artigo do Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva, professor do Colégio Militar de Porto Alegre, publicado em 7 de novembro de 2008, no jornal eletrónico Última Hora News:

Aos 18 dias do mês de setembro do ano de 1835 da E:.V:. e 5835 da V:.L:. reunidos em sua sede, sito a Rua da Igreja, Nº 67, em um lugar Claríssimo, Forte e Terrível aos tiranos, situado debaixo da abóbada Celeste do Zenith aos 30º e 5´ de Latitude da América Brasileira, ao Vale de Porto Alegre, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, nas dependências do Gabinete de Leitura onde funciona a Loj:. Maç:. Philantropia e Liberdade, com o fim de especificadamente traçarem as metas finais para o início do movimento revolucionário com que seus integrantes pretendem resgatar os brios, os direitos e a dignidade do povo Riograndense.

A sessão foi aberta pelo Ven:. Mestre Ir:. Bento Gonçalves da Silva. Registre-se a bem da verdade, ainda as presenças dos IIr:. José Mariano de Mattos, Ex Ven:. José Gomes de Vasconcelos Jardim, Pedro Boticário, Vicente da Fontoura, Paulino da Fontoura, Antonio de Souza Neto e Domingos José de Almeida, o qual serviu como Secretário e lavrou a presente ata. Logo de início o Ven:. Mestre depois de tecer breves considerações sobre os motivos da presente reunião de caráter extraordinário, informou a seus pares que o movimento estava prestes a ser desencadeado. A data escolhida é o dia 20 do corrente, isto é, depois de amanhã. Nesta data, todos nós, em nome do Rio Grande do Sul, nos levantaremos em luta contra o imperialismo que reina no País.

Na ocasião, ficou acertada a tomada da Capital da Província pelas tropas dos IIr:. Vasconcellos Jardim e Onofre Pires, que deverão permanecer com seus homens nas imediações da Ponte da Azenha, aguardando o contingente que deverá se deslocar desde a localidade de Pedras Brancas, quando avisados. Tanto Vasconcellos Jardim como Onofre, ao serem informados responderam que estavam a postos aguardando o momento para agirem. Também fez ouvir o nobre Vicente da Fontoura que sugeriu o máximo de cuidado, pois certamente, o Presidente Braga seria avisado do movimento.

O tronco de Beneficência fez a sua circulação e rendeu a moeda cunhada de 421$000 contados pelo Ir:. Tes:. Pedro Boticário.

Por proposição do Ir:. José Mariano de Mattos, o tronco de Beneficência foi destinado à compra de uma Carta de Alforria, de um escravo de meia idade, no valor de 350$000, proposta aceita por unanimidade.

Foi realizada uma poderosa Cadeia de União, que pela justiça e grandeza da causa, pois em nome do povo Riograndense lutariam pela Liberdade, Igualdade e Humanidade, pediam a força e a proteção do G:.A:.D:.U:. para todos os Ir:. e seus companheiros que iriam participar das contendas.

Já eram altas horas da madrugada quando os trabalhos foram encerrados, afirmando o Ven:. Mestre que todos deveriam confiar nas LL:.do G:.A:.D:.U:. e como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra, foram encerrados os trabalhos, do que, eu Domingos José de Almeida, Secretário, tracei o presente Balaústre, a fim de que, a história através dos tempos, possa registrar que um grupo de Maçons Homens Livres e de Bons Costumes, empenhou-se com o risco da própria vida, em restabelecer o reconhecimento dos direitos desta abençoada terra, berço de grandes homens, localizada no extremo sul de nossa querida Pátria.

Oriente de Porto Alegre, aos dezoito dias do mês de setembro de 1835 (E:.V:.)

18º dia do sexto mês Tirsi da V:.L:. ano de 5835.

Assinado: Ir:. Domingos José de Almeida - Secretário

Uma última nota é de fazer ressaltar: mesmo preparando uma revolução, com todas as incertezas e riscos inerentes, aquela Loja não deixou de destinar uma muito grande parte do produto do Tronco de Beneficência talvez ao mais meritório dos destinos que, na época e no lugar, podia ser destinado: à libertação de um escravo! Não há grande nem pequena liberdade. Há simplesmente Liberdade. Aqueles maçons decidiram lutar contra a tirania e em prol da Liberdade. Mas não olvidaram o dever de zelar pela libertação de quem era ainda menos dotado de liberdade do que eles: um escravo. Enquanto não era possível acabar com a escravatura, os maçons daquela Loja faziam o que era possível: acabar com ela... um a a um. O que nos deixa uma lição: por muito impossível que pareça uma empresa, por muito difícil que seja afrontar o que parece não se conseguir derrotar, é sempre possível algo fazer. Muitos poucos acabam por fazer muito!

Rui Bandeira

3 comentários:

Lindemann disse...

Sou natural do Rio Grande do Sul e a Revolução é uma história muito importante na vida de todos gaúchos. Será que ainda existem maçons capazes de tal proeza para defenderem seus ideais e sua pátria? Nós aqui no Brasil estamos precisando muito.
Como se diz no Rio Grande " Um cinchado quebra-costela de duas volta e meia", traduzindo " Um grande abraço bem apertado".
Josiel Lindemann

Unknown disse...

Hoje teríamos muito mais motivos para uma guerra separtista que nos tempos da revolução Farroupilha. Porque então não fazemos essa guerra? Não fazemos porque sabemos que dividir uma nação sómente irá enfraquecê-la e que existem outros meios pacíficos e inteligentes para resolver nossos anseios. Então porque fizeram a revolução Faroupilha na época? Fácil a resposta. Fizeram porque era interesse do império inglês picar a América Latina em republiquetas. Entendiam os ingleses que era mais fácil de dominar pequenas nações. Isso foi feito na América Espanhola. À época, a arma usada para fazer essas guerras foi a maçonaria. Vaidosos poderosos locais eram inastigados e convencidos de que a separação era necessária e então tornavam-se revolucionários. Auanto aos gauchos, foram grandes e valentes gurreiros guerreiros apesar de pouco estrategistas. Quanto aos maçons, prestaram um grande desserviço ao Rio Grande e ao Brasil. Graças aos portugueses o Brasil não foi picado em republiquetas e um dos feitos que mais pesou para isso foi a instalação da côrte de D. João sexto no Brasil, quando fugia de Napoleão Bonaparte.

Unknown disse...

O tal balaústre é lenda urbana...
A irmandade não precisa criar atos de heroísmo.
Se eu hoje, morando em Porto Alegre pra ir pra Piratini/Bagé, de onde era Neto, ou ir pra Sant'Anna do Livramento/Uruguaiana levo quase um dia...
Como veio o Ir Neto de lá pra cá?
De avião, em 1835?
Não há uma prova de que Neto estivesse com Gomes Jardim na noite do dia 19 pra 20 de setembro de 1835...
Acho lindo ver como fraternos se iludem e necessitam de algo assim pra manter a fé na grandiosidade da ordem.