29 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 2 - Conduta depois que a Loja terminou e antes que os Irmãos saiam


Poderão mostrar-se alegres, tratando-se mutuamente de acordo com suas qualidades, mas evitando todos os excessos, ou obrigando qualquer Irmão a comer ou beber além de sua inclinação, ou impedindo-o de se ir embora quando suas obrigações assim o chamarem, ou fazendo ou dizendo o que quer que seja ofensivo, ou o que quer que impeça uma conversa franca e livre, pois isso poderia quebrar a nossa harmonia e frustrar os nossos esforços. Portanto, quaisquer discussões ou querelas, não devem ser levadas para dentro das Lojas, muito menos se forem acerca de religião, cidadania ou politica; porque sendo apenas, como Maçons, de religião Católica, acima mencionada, também somos de todas as nações, línguas, famílias e idiomas, e somos contra toda a Política que nunca contribuiu para o bem-estar da Loja, nem nunca contribuirá. Esta Obrigação tem sido estritamente prescrita e observada, especialmente após a Reforma na Bretanha, e a Dissensão e Secessão destas Nações da comunhão de Roma.

A vida não é feita só de deveres, também de lazeres e convívios. A construção e manutenção de laços de forte fraternidade entre os maçons passa também pela convivialidade dos ágapes após as reuniões formais.

O convívio após as reuniões é efetivamente fundamental para a coesão da Loja, a forte ligação entre todos os seus obreiros. Imprescindível é, porém, garantir que nesse convívio não haja excessos e que a informalidade não abra a porta a discussões, dissensões, confrontos, que conduziriam ao oposto do que é pretendido. Assim, regula-se também a conduta dos maçons entre si nos momentos de lazer e convívio.

A primeira das regras é a aplicação de um dos princípios básicos do ideário maçónico: o absoluto respeito pela individualidade de cada um. Por isso se prescreve que nenhum maçom deve procurar obrigar outro a comer ou beber em excesso ou impedi-lo de se ausentar do convívio para acorrer a outras obrigações, sejam profissionais, sejam familiares, sejam sociais, sejam simplesmente de necessidade pessoal.

Note-se bem o conteúdo do comando: proíbe-se a tentativa de condicionar o outro; nada se pronuncia sobre a conduta do próprio em relação a si mesmo: se este comer em excesso, se beber para além da conta, se ficar mais tempo do que deveria, é questão dele consigo próprio! Por esta nuance se verifica como é essencial ao ideário maçónico o individualismo, a liberdade pessoal, o respeito pelas escolhas de cada um. Quem porventura fizer má escolha (ou o que se pensa ser má escolha...), seja em relação ao que seja, desde que os eventuais resultados negativos se repercutam apenas em quem fez a escolha, ninguém tem nada com isso! A liberdade individual implica também a liberdade de errar! Até porque o erro também tem o aspeto positivo de constituir lição...

O essencial desta Obrigação é a tutela da Fraternidade. Por isso expressamente se declara ser formalmente interdita qualquer discussão ou querela sobre religião, política ou cidadania. Religião, porque a tendência de cada um para a absolutização da sua crença facilmente origina desacordos graves, querelas violentas, o descambar para fundamentalismos de opinião que só podem dar mau resultado e que, evidentemente, minariam a Fraternidade entre os obreiros da Loja. Política, aqui entendida como politica partidária ou similar, pelas mesmas razões: as escolhas políticas podem gerar paixões, os desacordos ou diferenças de opinião podem facilmente agudizar-se. Cidadania, aqui entendida como opinião em relação a escolhas políticas concretas, embora não diretamente relativas a divergências partidárias - monarquia ou república; parlamentarismo ou presidencialismo; desenvolvimentismo ou ambientalismo, posição em relação à interrupção voluntária da gravidez, etc. -, também pelas mesmas razões.

No fundo, esta regra constitui a aplicação do princípio básico essencial da Maçonaria: o respeito pela liberdade individual de cada um, o que implica a tolerância em relação às diferenças existentes.

Cada um é um homem livre e de bons costumes. Essa liberdade realiza-se em todos os aspetos da sua vida e designadamente na sua convicção religiosa, na sua opção partidária, nas suas escolhas enquanto cidadão. Cada um tem o direito de fazer as escolhas que entende e a ver respeitadas pelos demais as escolhas que faz. Em contrapartida, tem o dever de respeitar as escolhas alheias, pois não pode exigir dos demais o que não está ele próprio disposto a cumprir.

Tenha-se em atenção que a regra apenas interdita "discussões ou querelas". Não impede a informação mútua, mesmo a análise, desde que serena e sem propósitos de conflito, das posições de cada um nesse campo. A Fraternidade implica isso mesmo: o conhecer as diferenças, o assumir das diferenças e o reconhecer que essas diferenças não só não são impeditivas da cooperação e do convívio, como são mesmo enriquecedoras do conjunto.

Mas a linha de fronteira entre a serena troca de impressões e a "discussão ou querela" é muitas vezes ténue e fluida. Por isso manda a prudência que se opte pela abstenção de se tocar nestes temas controversos, pelo menos até que se tenha a certeza de que os laços de Fraternidade, as cumplicidades da Amizade, os freios de segurança do bom-senso, são suficientemente fortes para garantir que a serena conversa não descambe nunca em discussão ou querela. Cada Loja, cada grupo de maçons, sabe de si e deve cuidar da sua conduta, tendo em atenção a prioridade absoluta do respeito das posições individuais de cada um e da Fraternidade entre todos.

Uma última nota: não se estranhe a referência à religião católica como a "de todos". Deve ter-se presente que a Maçonaria nasceu em Inglaterra e que a evolução religiosa em Inglaterra foi sui generis. Não houve ali, designadamente nos séculos XVI a XVIII, propriamente um afastamento dos cânones da religião católica, mas apenas (se é que se pode dizer apenas...) uma recusa de subordinação ao Papa, proclamando-se a independência da Igreja de Inglaterra em relação a Roma. A Igreja de Inglaterra considerava-se assim como uma Igreja Católica, só que independente de Roma e do Papa. Em 1723 em Inglaterra, havia os católicos romanos, fiéis ao Poder papal e os Católicos Anglicanos, da Igreja de Inglaterra. A Maçonaria era então uma instituição de um país cristão, dividido religiosamente apenas pela questão da obediência a Roma. Só mais tarde, e muito devido à aplicação do conceito de Tolerância, a Maçonaria vai evoluindo no sentido de enquadrar adeptos de outras religiões do Livro e, depois, aos crentes de outras religiões e aos crentes deístas.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira

22 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 1 - A conduta na Loja enquanto constituída


Não se deverão formar grupos particulares, ou ter conversas paralelas, sem permissão do Mestre, nem falar de coisas inoportunas ou inconvenientes, nem interromper o Mestre, os Vigilantes ou qualquer outro Irmão que esteja a falar com o Mestre; nem ter um comportamento jocoso ou ridículo enquanto a Loja estiver a tratar de coisas sérias e solenes, nem usar de linguagem imprópria para tratar do que quer que seja, antes devendo respeitar o Mestre, Vigilantes e Companheiros.
Se for formulada qualquer queixa, o Irmão considerado culpado deverá aceitar a sentença e determinação da Loja, que detém a competência para julgar todas as questões (a não ser que apele para a Grande Loja). É a ela que os Irmãos se devem dirigir, a não ser que o trabalho do Senhor esteja a ser prejudicado, situação em que tal deve ser comunicado à Grande Loja; mas nunca deverá dirigir-se à Lei Civil quando as questões se referem à Maçonaria, sem necessidade absoluta e aparente para a Loja.

Em Loja constituída cada um trabalha em grupo e no grupo. É a Loja, toda ela, que está em trabalho, devendo cada um contribuir para esse trabalho e estar atento ao que se passa. Só assim cada um beneficia do que os demais e o grupo como um todo lhe proporcionam, só assim cada um está em condições de proficuamente contribuir para o aperfeiçoamento dos demais.

Não deve, assim, haver lugar para conversas paralelas, conciliábulos particulares, a não ser que, no âmbito do que estiver a ser tratado, o Venerável Mestre solicite que alguma questão ou conjunto de questões seja analisada por um ou mais grupos formados na Loja, para seguidamente as conclusões extraídas serem fornecidas à Loja e os trabalhos prosseguirem normalmente.

Em sessão de Loja trabalha-se e está-se concentrado no que decorre, no que é dito, no que está em análise ou em discussão. As saudações entre os obreiros, o convívio, têm lugar antes e depois das sessões, nomeadamente nos ágapes. Aí podem formar-se os grupos que as afinidades ditarem, tecer-se conversas paralelas, enfim, conviver informal e fraternalmente. Aí e então brinca-se e contam-se piadas e comentam-se notícias e tece-se toda a teia que envolve as amizades que se forjam e mantêm entre as pessoas. Em sessão de Loja, trabalha-se, está-se atento, cada um deve esforçar-se por contribuir o melhor possível para o ambiente e o trabalho comum, para que todos beneficiem do que todos efetuam.

É conhecida a frase de que trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Em Maçonaria, a sessão de Loja é tempo de trabalho. Outros tempos e outros espaços estão reservados para o "conhaque".

Em Loja não se fala de coisas inoportunas ou inconvenientes. É inoportuno tudo o que esteja para além da agenda da sessão, exceto quando a palavra seja concedida para que qualquer um fale sobre qualquer tema ou assunto que considere conveniente (no período dos trabalhos que os maçons designam por "a bem da Loja ou da Ordem", ou seja, o período fora da Ordem do Dia). É inconveniente tudo aquilo que possa perturbar a harmonia da Loja e dos Irmãos, designadamente a polémica religiosa ou a controvérsia política.

Todas as intervenções em Loja são dirigidas ao Venerável Mestre e, por intermédio deste, a toda a Loja. Por regra, só o Venerável Mestre pode dirigir-se particularmente a um ou alguns dos obreiros, quando entender conveniente dirigir-lhes alguma instrução específica ou solicitar-lhe alguma tarefa ou ação concreta. Esta regra tem, que me recorde, apenas duas exceções: comunicações efetuadas em execução do ritual pelos Vigilantes ao Guarda Interno, no Rito Escocês Antigo e Aceite, e aos Diáconos, nos Ritos de Emulação e de York; e faculdade concedida ao Orador de interromper qualquer Obreiro, inclusivamente o Venerável Mestre, quando entender estar a ser violada alguma regra, em ordem a prevenir ou interromper essa violação. Com esta exceção do Orador, é formalmente interdito a qualquer Obreiro interromper outro no uso da palavra. Mesmo que aquele que dela use se esteja a alongar demasiado, mesmo que se discorde do que é dito, é uma simples questão de respeito pelo outro ouvi-lo até ao fim. E é uma simples questão de respeito e ordem cada um só falar na sua vez de intervir e após lhe ser concedida a palavra. Assim se consegue que as sessões de Loja decorram harmoniosa e frutuosamente, podendo cada um expor livremente os seus pontos de vista, perante a atenção de todos e, porque não há interrupções intempestivas, podendo aquele que fala expor inteiramente o seu entendimento e os que ouvem analisar os méritos do que é dito, sem falar antes de tempo e, sobretudo, a destempo.

Quando a Loja trabalha, todos e cada um dos obreiros mantêm um comportamento e postura concentrados e dignos. Palavras ou gestos jocosos podem ferir alguém que interprete mal a intenção ou se sinta ridicularizado e são, por isso, interditos. A melhor forma de garantir que cada um possa expor e exponha os seus pontos de vista é que o faça sem temor de ser ridicularizado por eles. Pode receber a discordância dos seus Irmãos, se entenderem que o que afirma merece discordância. Nunca - mas nunca! - o seu ponto de vista será jocosamente comentado, ou ridicularizado, antes será sempre respeitado. Porque, das duas, uma, ou a opinião expressa está errada e é o confronto de ideias que permitirá que o seu autor melhor reflita; ou, ainda que porventura haja discordâncias, a ideia afinal está certa, a razão está com quem a expôs (a maioria não tem necessariamente sempre razão...) e, mais uma vez, é dos confrontos de ideias diversas que será possível determinar a melhor decisão possível, naquele momento, para aquele grupo. E, se porventura a decisão que aquele grupo naquele momento tomar se vier a revelar errada, saber-se-á porquê, que argumentos não foram atendidos, e poder-se-á, com esse conhecimento, evitar novos erros futuros.

Em sessão de Loja, utiliza-se linguagem ponderada, até mesmo algo cerimoniosa. Não está em causa que se esteja entre amigos, entre pessoas que se dão como irmãos. Está sobretudo em causa a manifestação do respeito que todos têm por todos e pela individualidade de cada um. Ponderação de linguagem previne exposição abrupta de posições e manifestações de ira, pois se a pessoa tem de medir o que diz, tal mediação da Inteligência entre a Razão e a Emoção arrefece a cabeça que esteja demasiado quente... Ponderação de linguagem é adquirir o hábito de pensar no que se diz, para melhor se dizer o que efetivamente se pensa. Com o cultivo deste hábito, os maçons conseguem, sem esforço e com naturalidade, discutir os assuntos mais delicados com calma e racionalmente, sem perturbar a análise serena das situações com impropérios ou exageros de linguagem - e, assim, logram com mais facilidade determinar o denominador comum das posições divergentes, limar arestas, estabelecer pontes, privilegiar compreensões com as diferenças, tolerar e harmonizar divergências, enfim cooperar em empresas comuns sem que ninguém abdique de ou sacrifique entendimentos pessoais. A Fraternidade entre os maçons não lhes é dada de bandeja por qualquer intervenção divina: é cuidadosamente construída, laboriosamente conquistada, serenamente fruída. Também neste campo as lições são de que nada de útil se consegue sem trabalho e que cooperar é sempre mais frutuoso do que competir.

As divergências que surjam no grupo são resolvidas, sanadas ou sancionadas dentro do grupo e pelo grupo. O que se passa em Loja só à Loja diz respeito. Se e quando houver censuras a fazer, sanções a aplicar, é o grupo que trata do assunto internamente e fora dele ninguém tem nada com isso, ressalvadas as regulamentares salvaguardas de apelo para instâncias superiores, indispensáveis válvulas de segurança para prevenir eventuais injustiças. Este princípio possibilita a maximização da coesão do grupo, fundada na imensa liberdade de cada um dentro dele, conjugada com idêntica dimensão de responsabilidade e com não menor dose de sentido de cooperação.

Uma Loja maçónica é um microcosmo, uma amostra da sociedade, um cadinho de mistura das personalidades individuais dos que nela se agrupam. As regras de convivência, de linguagem, de comportamento, que os maçons desde há séculos adotam e cultivam têm-se mostrado adequadas à Maçonaria e às Lojas. A sua adoção e o seu cultivo pela sociedade em geral certamente redunda em benefício comum. Por isso os maçons têm o dever de constituir um exemplo, de procurar que o seu comportamento fora de Loja, na sua atividade social comum, perante a sua família, na sua atividade profissional, nos diversos grupos sociais com que interagem, emule o que adotam em Loja. Assim, pelo seu comportamento, pelo seu exemplo, cada um dos maçons pode contribuir um pouco para a melhoria, a harmonia e o progresso da sociedade em que se insere. Cada um poderá porventura apenas acrescentar um pouco, quase nada, uma gota de água no oceano - mas o exemplo de cada um pode porventura ser semente que germine em muitos frutos. E é da junção de muitos poucos que se faz muito!

Fonte:


Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 133-134.

Rui Bandeira

15 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: V - A gestão do ofício durante os trabalhos


Todos os Maçons devem trabalhar honestamente nos dias úteis, e viver honrosamente nos dias santos; a duração do trabalho estipulada pelas leis do país, ou pelo costume, deverá ser observada. O mais hábil dos Companheiros deverá ser o escolhido ou apontado como Mestre, ou Supervisor do Trabalho do Senhor; e deverá ser chamado Mestre por aqueles que trabalham sob sua supervisão. Os Artesãos devem evitar qualquer linguagem ofensiva, e dirigirem-se uns aos outros por Irmão ou Companheiro, e comportarem-se cortesmente dentro e fora da Loja. O Mestre, ciente das suas capacidades, deve conduzir o trabalho do Senhor tão razoavelmente quanto lhe for possível e cuidar dos bens como se seus fossem; não devendo pagar a qualquer Irmão ou Aprendiz mais salário que o que este mereça.
Ambos, Mestre e Maçons, recebendo seu justo salário, devem ser fiéis ao Senhor, executar honestamente o seu trabalho, seja à tarefa ou jornada, e não realizar jornada como se fosse tarefa, se esta foi determinada como jornada.
Ninguém deve mostrar-se invejoso da prosperidade de um Irmão, nem substitui-lo ou retirá-lo do seu trabalho, mesmo se o puder fazer, pois nenhum homem deve realizar o trabalho de outro mesmo que em proveito do Senhor, a menos que esteja bem familiarizado com o Desenho e o Plano do trabalho de quem o tenha começado.
Quando um Companheiro for escolhido como Vigilante do trabalho, sob a orientação do Mestre, deve ser leal com o Mestre e Companheiro, e supervisionar cuidadosamente o trabalho na ausência deste, no interesse do Senhor; e os Irmãos devem obedecer-lhe.
Todos os Maçons devem, humildemente, receber o seu salário, sem murmúrio ou sedição, e não abandonar o seu Mestre até que o trabalho seja concluído.
Um Irmão mais jovem deve ser instruído no ofício, para prevenir o desperdício por falta de critério e para fazer crescer e continuar o amor fraternal.
Todos os instrumentos usados no trabalho devem ser aprovados pela Grande Loja.
Nenhum trabalhador (não maçom) deve ser empregue em trabalho próprio da Maçonaria, nem Maçons Livres devem trabalhar com aqueles que não o são, sem necessidade urgente; nem devem ser ensinados, assim como os Maçons não admitidos, da mesma forma que se ensina um Irmão.

Esta quinta Obrigação também foi, manifestamente, herdada da Maçonaria Operativa. Os princípios que a constituem são um guia do trabalho, de organização do trabalho e da formação dos Aprendizes. Regista ainda regras éticas no relacionamento entre os maçons operativos, que transitaram para a Maçonaria Especulativa. As regras expostas, concebidas para a organização do trabalho de construção de edificações são também válidas para o trabalho de construção de si próprio.

Começa-se por indicar o estilo de vida do maçom: trabalhar honestamente nos dias úteis e viver honrosamente nos dias de descanso. O homem de bem realiza-se e define-se pelo seu trabalho honesto. Quando se trabalha, deve-se aplicar toda a capacidade de que se dispõe na execução das tarefas que se realizam. No trabalho, trabalha-se, ponto final. Não apenas por uma questão de (como agora se diz a propósito e a despropósito de tudo e de nada) produtividade, mas essencialmente por uma questão de realização pessoal. Aquele que se aplica no que faz, que trabalha concentrado, que procura fazer bem feito aquilo que tem para fazer ou se propõe fazer não obtém só melhores resultados. Obtém satisfação, gosto, prazer, no que faz e no que consegue produzir. O trabalho honesto como condição de progresso material pessoal, mas também, e sobretudo, como elemento formador de nós próprios é um elemento essencial na ética do maçom.

Mas nem só de trabalho vive o homem. Há dias e horas para a família, o lazer, o descanso, o cultivo de interesses pessoais. Esses, determina a Obrigação, deve o maçom vivê-los honrosamente. De nada vale trabalhar árdua e honestamente se, nos momentos extra-laborais a pessoa se comporta desonrosamente, ou de forma embrutecida, desmerecendo da sua condição de homem de bem.

A fraternidade não implica quebra do cumprimento dos deveres. Uma organização fraternal continua a ser uma organização, com liderança e distribuição de tarefas. Por isso se enfatiza que, devendo todos tratar-se por Irmãos ou Companheiros, o Mestre deve ser obedecido e deve respeitar o trabalho daqueles que dirige. Cabe-lhe organizar o trabalho, distribuir as tarefas, determinar prioridades. Mas deve respeitar o espaço e as competências de quem executa o que há para ser executado e reconhecer e retribuir o esforço dos que executam os trabalhos por si determinados.

Ínsita no conceito de fraternidade está a noção de lealdade - ao Mestre, à Loja, ao trabalho, no fundo a si próprio.

Por fim, a advertência solene: a Maçonaria é para os maçons. Só quem adquira essa condição está em condições de bem compreender o método maçónico de desenvolvimento pessoal.

Em resumo, as regras operativas para o trabalho de construção permanecem inteiramente válidas e aplicáveis no trabalho de cinzelamento de si próprios que os maçons especulativos agora efetuam.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 133.

Rui Bandeira

08 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: IV - Os Mestres, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes



Entre os Maçons toda a promoção será baseada no valor e mérito pessoal, pois assim serão os Lordes melhor servidos, os Irmãos não serão envergonhados, nem a Arte Real menosprezada. Assim, nem o Mestre nem os Vigilantes são escolhidos pela idade, mas pelos seus méritos.
É impossível descrever estas coisas por escrito; todo Maçom deve frequentar a sua Loja e aprendê-las de acordo com as peculiaridades desta Fraternidade. Os candidatos devem saber que nenhum Mestre deve tomar um Aprendiz sob seus cuidados a menos que tenha suficiente trabalho para ele; e a menos que seja um jovem perfeito, que não possua nenhuma deformidade ou defeito físico, que possa incapacitá-lo na aprendizagem da Arte ou de servir o Senhor de seu Mestre; e sendo feito Irmão será depois Companheiro, no devido tempo, cumpridos os interstícios de acordo com o costume do país, se descender de ancestrais honrados; então, devidamente qualificado, poderá ter a honra de se tornar Vigilante, depois Mestre de Loja, Grande Vigilante, e até Grão Mestre de todas as Lojas, de acordo com os seus méritos.

Nenhum Irmão pode ser Vigilante antes de ter sido Companheiro, nem Mestre antes de ter sido Vigilante, nem Grande-Vigilante antes de ter sido Mestre de Loja e nem Grão Mestre, sem ter sido Companheiro antes de sua eleição, e ser nobre de berço, ou um cavalheiro da melhor estirpe, ou notável erudito, ou um hábil arquitecto, ou artista de outro tipo, ou descendente de ancestrais honrados ou que seja de excepcional mérito segundo a opinião das Lojas. Para melhor, mais fácil e honroso desempenho de sua função, o Grão Mestre tem o poder de escolher o seu Vice-Grão Mestre, que deve ser, ou ter sido, anteriormente, Mestre de uma Loja, e que terá o privilégio de em tudo substituir o Grão Mestre, quando ausente, a não ser que este o iniba por escrito.

Todos os administradores e governadores, supremos e subordinados, das Lojas, devem ser obedecidos no exercício dos seus cargos, por todos os Irmãos, de acordo com as antigas Obrigações e Regulamentos, com toda humildade, reverência, amor e alegria.



Esta Obrigação deriva manifestamente das regras de organização das Lojas Operativas, isto é, dos grupos organizados de profissionais construtores em pedra. Em Inglaterra, os construtores em pedra trabalhavam regularmente para os Lordes (senhores), os nobres detentores de propriedades, que lhes encomendavam edifícios religiosos, mansões, fortificações, edificações diversas. O reconhecimento do valor e do mérito na promoção (passagem de grau, exercício de funções em Loja e em Grande Loja) vem assim dos tempos operativos e prossegue como regra essencial da Maçonaria Especulativa.

O apreço pelo valor e pelo mérito, a busca da excelência, o contínuo esforço de aperfeiçoamento são essenciais matrizes e caraterísticas ínsitas nos maçons e por eles esforçadamente cultivadas. É pelo hábito, pela prática, pelo cultivo do trabalho, do esforço, do estudo, da contínua busca de melhoria, que o maçom deve distinguir-se na sociedade e, consequentemente, é em resultado do valor pessoal, adquirido e acrescentado, contínua e esforçadamente, que progride, por vezes ascendendo a posições de relevo social e profissional.

Muitos, não detentores dos mesmos hábitos de trabalho prolongado, de perseverante esforço de aperfeiçoamento, clamam que os maçons ascendem a cargos, empregos ou posições por nepotismo, por proteção dos seus Irmãos, por serem maçons e não pelo seu mérito. Esses que assim clamam bem melhor fariam em dedicar os próximos anos (sim, não bastam alguns dias ou meras semanas ou mesmo alguns meses...) a esforçarem-se por aprender, aprender sempre, aprender muito, aprender fora da sua rotina, trabalhar, trabalhar muito, trabalhar mesmo sem perspetiva de recompensa imediata, aperfeiçoar-se, identificar as suas carências e seus defeitos (por vezes, coisas tão simples como incapacidade ou dificuldade de falar em público...), corrigi-los ou, pelo menos, diminui-los - e depois verificar então se as oportunidades profissionais e sociais lhes surgem ou não lhes surgem, se o seu valor que a si próprios perseverantemente acrescentaram é ou não reconhecido. Mas, infelizmente, é mais cómodo e bem menos trabalhoso para a maioria destes clamarem que o sucesso alheio se deve a "cunhas", a empenhos, a compadrios, a "escuras manobras", a "maquinações secretas"...

Os hábitos de trabalho, a rotina do cultivo de si próprio, não se adquirem por leituras ou palestras, tal como o atleta não ganha medalhas olímpicas apenas lendo sobre os mais modernos métodos de treino. O atleta tem que treinar muito, suar muito, sofrer ainda mais, aplicar-se com perseverança para poder estar em condições de competir por uma medalha olímpica - e, não poucas vezes, dela se ver arredado por uma lesão ou indisposição de última hora, ou por qualquer fortuito elemento externo e por si incontrolado e incontrolável, que derruba todo o esforço e treino e suor de anos e anos. Também não é possível ler ou ouvir sobre o método de trabalho próprio dos maçons e entendê-lo em toda a sua plenitude e dele beneficiar. É preciso efetivamente viver e aprender e trabalhar, hoje, amanhã e depois e para a semana e no mês seguinte e nos próximos anos - e os frutos serão, essencialmente de satisfação pessoal, eventual e acessoriamente de relevo profissional ou social. Não basta querer tentar descobrir "os planos da pólvora", há que viver e trabalhar e sentir. Por isso os maçons, mais do que uma mera dificuldade, têm uma verdadeira incapacidade de descrever a quem está de fora o que é ser maçom, como é estar em Loja. As palavras não chegam, só a vivência e as sensações e as emoções dão a noção plena do que é ser maçom. Este o verdadeiro e único - e inquebrável por natureza... - segredo maçónico!

Para melhor se compreender esta Obrigação, há que ter em conta que, na época em que Anderson compilou a Constituição de 1723, e em consonância com o herdado das Lojas operativas, havia apenas dois graus na Maçonaria: o Aprendiz e o Companheiro, aquele ainda aprendendo a arte e este sendo um oficial (membro do ofício) pronto e apto a realizar os trabalhos da arte. Em cada Loja havia apenas um Mestre, o gestor, o diretor das obras, o arquiteto e engenheiro responsável, que era assessorado por Companheiros (oficiais do ofício) de confiança, experientes, na superintendência do trabalho dos demais, capatazes ou encarregados que eram designados por Vigilantes (do trabalho dos demais).

Só alguns anos, aliás poucos, depois veio a ser formalmente instituído nas Lojas Azuis o sistema de 3 graus, Aprendiz, Companheiro e Mestre, sendo o líder da Loja, o Worshipful Master ou Venerável Mestre, naturalmente um dos Mestres, eleito pelos restantes. A meu ver, esta reestruturação das Lojas Azuis completa a transformação da Maçonaria operativa em Maçonaria Especulativa. O sistema de dois graus sob a tutela de um dirigente, afinal o patrão da Loja, era a estrutura organizativa dos construtores em pedra. A estrutura organizativa da Loja Especulativa complexiza-se e democratiza-se: passa a haver dois graus preparatórios, correspondentes a dois estádios de formação, enquadrados por um grau de direção e organização da atividade global da Loja, integrado pelos obreiros que concluíram a sua formação, todos com iguais direitos e deveres, sendo de entre estes periodicamente escolhido quem fica encarregado da tarefa de dirigir administrativamente a Loja e executar e desenvolver a política de atuação desta, definida pelo coletivo.

Este sistema é um sistema que preserva e favorece a Igualdade entre os obreiros - mas uma Igualdade verdadeira, não apenas nominal. A verdadeira Igualdade não é tratar tudo e todos por igual. É tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. A estrutura de organização em graus permite atingir esse objetivo. O recém-chegado, que ainda está a aprender as bases do funcionamento de uma Loja, que ainda está a descobrir o que é ser maçom e o que e como deve trabalhar não deve ser onerado com os mesmos deveres que oneram aqueles que terminaram a sua formação e estão aptos a fazer o seu trabalho sem tutela e a tutelar o trabalho dos que ainda estão em processo de formação. Os deveres e correspondentes direitos de quem está em formação são, assim, diversos, obviamente mais limitados, do que os que oneram e assistem quem está já "apto para todo o serviço".

Em suma, na Maçonaria cultiva-se o mérito, a busca da excelência, num ambiente de igualdade. Assim se organiza e mantém o grupo no seio do qual cada um trabalha e progride e contribui para o trabalho e progresso dos demais.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 132.

Rui Bandeira

02 fevereiro 2012

Harmonia em desafio...

Compete-me, no corrente veneralato, em sessão de Loja, ser o M:. Org:. de serviço, ou seja, "dar" música aos meus I:., mas mais que isso, musicar todo e qualquer momento do ritual, desde que seja musicado.

É em si um desafio. Mas é um desafio, daqueles que nos dão gosto e prazer superar, algo que tento fazer sessão após sessão.

Os meus últimos passos dados enquanto C:. M:., foram caminhados nesse sentido, tanto que preparei sobre a orientação de um Mestre (é sempre assim, até sermos M:. M:.), duas ou três sessões musicais. A experiência revelou-se, em opinião generalizada, positiva, tanto que acabei por apresentar em Loja, a minha prancha e sobre este tema; Música.

Dei a este texto o título de "Harmonia em desafio..." e é assim que o considero, um harmonioso desafio, senão repare-se:

"A Catedral é assimilável a um gigantesco instrumento de música no qual cada coluna é uma corda em tensão. Caixa de ressonância afinada pelas suas proporções, o Templo vibra ao menor estímulo cósmico ou humano, reproduzindo as notas primeiras da sinfonia do Universo.", diz-nos Didier Carrié, em La symbolique dês Cathédrales.

Se Didier Carrié compara a Catedral de cada um de nós, ao nosso Templo interior, a um grande instrumento de música, é necessário que, cada um de nós, individualmente, sem cessar, alimente esse instrumento, com estudo, com busca pela sabedoria, com paz interior e acima de tudo livre e de bons costumes.

A Música é também isso, a nossa libertação pessoal, pois, promove em cada um de nós sentimentos individuais que jamais podem ser repetidos de uns para os outros, o que eu sinto ao ouvir determinada melodia, não é certamente igual ao que outro qualquer I:. sentirá ao escutar a mesma melodia.

A tensão nas cordas, pode ser considerada a nossa paixão, no mundo profano, algo que sempre combatemos, não lhe dando de comer, deixando-a no nosso “escondido interior”, sabendo que ela lá está, mas dando ao nosso espírito a certeza de não a querer alimentar, sob pena de uma paixão se tornar em várias paixões, o que normalmente acontece, sem grande dificuldade.

Ter a nossa “caixa de ressonância” afinada pelas suas proporções, será talvez, e na minha opinião, a forma central de orientar a nossa vida, regendo-a por princípios éticos, que regulam a vida em sociedade, que estimulam o bom senso e ultrapassam quaisquer dificuldades inerentes à vida terrena em simples obstáculos, sempre passíveis de ser vencidos, pois só assim crescemos enquanto homens.

Eu tenho o meu universo, e sem grande ligeireza, cada um de vós, terá o seu, o cliché de “eu vivo no meu mundo”, ou, determinado individuo viver no seu mundo, à parte de todos os outros, é normalmente associado a laivos de loucura e insanidade, mas será mesmo assim? Todos estamos sujeitos a pressões, tensões, motivadores de opinião e às demais situações do dia a dia, faz parte da vida e ainda bem que assim é, mas se eu porventura disser, que vivo no meu mundo, serei insano ou louco? Pode ser o meu mundo, imperfeito, igual ao de tantos outros, porque aqueles que vivem no “seu mundo” e se consideram perfeitos, esses sim, sem dúvida alguma, são loucos e também fracos de espírito.

O meu Templo vibra por tanta coisa e devido aos mais diversos estímulos, vibra, porque está vivo, porque respira, porque observa e consegue, regra geral, pensar por si, mas o meu Templo também é humano, e o quanto eu gosto de ser humano, de rir e de chorar, de estar feliz e por vezes triste, e de…tanta coisa mais.

São todos estes pequenos acordes que compõem o meu universo, mas tenho ainda muitos mais por descobrir em constante harmonioso desafio.

Partilho, com todos os curiosos leitores do A Partir Pedra, algo que já partilhei com todos os I:. presentes em sessão, uma simples música de Dave Brubeck, que podem ouvir aqui.

Daniel Martins

01 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: III - As Lojas


A Loja é o lugar onde os Maçons se reúnem e trabalham; assim esta Assembleia, ou Sociedade de Maçons convenientemente organizada, é chamada Loja; e todo Irmão deve pertencer a uma, estando sujeito ao seu Regulamento Interno e aos Regulamentos Gerais.
Ela é individual ou geral, e será melhor compreendida através da comparência e através dos Regulamentos da Loja Geral ou Grande Loja, aqui anexos.
Em tempos antigos, nenhum Mestre ou Companheiro poderia faltar, especialmente quando solicitado a comparecer, e só não estaria sujeito a severa censura se se justificasse perante o Mestre ou o Vigilante, alegando que imperiosa necessidade o impedira.
As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser homens bons e de bons princípios, nascidos livres, de idade madura e discretos, não escravo, não mulher, nem homens imorais ou escandalosos, mas de boa reputação.

A primeira noção que esta Obrigação transmite é a de que o maçom deve estar integrado numa Loja, num grupo de pares, onde trabalha, isto é, contribui com o seu estudo, os seus conhecimentos, o seu caráter, os seus progressos, para todo o grupo e do grupo recebe o contributo de todos os demais.

É-se verdadeiramente maçom integrado num grupo de pares. É-se verdadeiramente maçom em comunidade e na comunidade. A Maçonaria é uma incessante troca entre o indivíduo e o grupo, em que o indivíduo contribui para o coletivo e o coletivo fortalece o indivíduo. Só assim faz sentido. Por isso ao maçom não basta ter sido iniciado e ter-se como assim o ser; o maçom só o é na medida em que seja considerado como tal pelos seus pares.

Quando um maçom se afasta da Loja, seja qual for a razão, quando suspende ou cessa a sua atividade, diz-se que está adormecido. Tal como o homem só trabalha estando vigil, assim o maçom que se afasta da Loja, por muito que estude, que trabalhe, que se esforce, que individualmente progrida, porque o faz só, afastado do grupo, sem para ele contribuir, sem dele receber, não trabalha maçonicamente. Trabalha enquanto indivíduo, não enquanto maçom.

A Maçonaria cultiva o total respeito pela Liberdade individual no grupo, pelo indivíduo enquanto personalidade livre e única, mas integrado na sociedade, pelas suas escolhas individuais, mas inseridas e não insanavelmente conflituais com o conjunto das escolhas dos demais. A Maçonaria proclama o indivíduo no grupo, não o indivíduo acima ou para além do grupo, nem o grupo em detrimento do indivíduo. A Maçonaria é uma atividade intrinsecamente social, que fomenta a melhor integração possível de cada indivíduo na sociedade, para benefício mútuo - de um e da outra.

Assim, não faz verdadeiramente sentido a declaração - muitas vezes formulada por quem se afasta - de que "saio, mas continuo maçom, só que sem Obediência". Será uma piedosa intenção, mas não é vero. Aquele que entendeu por bem afastar-se será e continuará a ser um homem livre e de bons costumes, digno de apreço, certamente melhor do que quando se iniciou, será porventura um modelo de qualidades, será seguramente respeitável e desejavelmente respeitado, mas será tudo isso enquanto pessoa, enquanto indivíduo, não como maçom - porque lhe passa a faltar a vertente da partilha, do dar e receber entre o indivíduo e o grupo. E isso, como muito bem sabem todos os que o vivem, é imprescindível, é essencial, é o cerne da Arte Real.

O maçom que se afasta pode sempre voltar, pode sempre retomar o dar e receber ínsito na atividade maçónica. Por isso os maçons não consideram os que se afastam como retirados, como "mortos" para a Maçonaria, mas como simplesmente adormecidos. Se e quando decidirem retomar a sua atividade maçónica, se e quando acordarem, serão bem recebidos - mais do que isso: serão naturalmente recebidos, como se o afastamento não tivesse existido; afinal, uma boa noite de sono, prepara-nos para as exigências de um novo período de trabalho...

Precisamente pela essencialidade da incessante troca entre o indivíduo e o grupo é que um dos deveres fundamentais do maçom é a assiduidade. Mas não a assiduidade cega, a todo o preço, suceda o que suceder. A Maçonaria é importante, deve ser importante para todo o maçom, mas deve sê-lo com equilíbrio, na justa conta, peso e medida. Não pode, não deve, prejudicar os deveres do maçom perante a Pátria, os seus deveres profissionais, as suas obrigações religiosas, os seus deveres familiares. Quando estes imponham a não comparência em Loja, a sua precedência é indiscutível. O maçom tem apenas a obrigação de atempadamente informar da sua ausência e indicar o motivo justificativo dela, por respeito ao grupo, ao trabalho do grupo e dos demais. Mas o maçom, para seu próprio benefício, para que possa eficazmente beneficiar da sinergia com o grupo em que está inserido, deve procurar organizar a sua vida de forma a conciliar os seus deveres familiares, profissionais, religiosos e sociais com a presença em Loja, nos dias e horas definidos para as reuniões desta. Quanto melhor o fizer, mais eficaz será a simbiótica interação entre ele próprio e a Loja.

O último parágrafo desta Obrigação elucida quem pode ser iniciado maçom: homens bons e de bons princípios, pois só se pode tornar melhor o que já é bom; nascidos livres (originariamente: não nascidos escravos - a Maçonaria sempre foi produto do seu tempo...), hoje entendendo-se como livres na sua razão, isto é, com capacidade de entender, de escolher, de progredir, de aprender; de idade madura, isto é, adultos, homens feitos, sobretudo que se regem a si próprios, independentes, inclusive financeiramente, pois só homens maduros e sem condicionalismos de sobrevivência básica têm verdadeiramente disposição e capacidade para se dedicar a algo mais e mais além do que a satisfação das necessidades básicas, algo por vezes tão imaterial e fluido como o conceito de aperfeiçoamento pessoal; não escravo (de novo, a Maçonaria é sempre em cada tempo produto do seu tempo...), hoje, não escravo das suas paixões, de vícios que impossibilitam o desejado progresso pessoal; não mulher (o fundamento original da inegociável exclusividade de género - mas isto não implica que os maçons regulares não reconheçam às mulheres o direito e o igual interesse de se aperfeiçoarem segundo o método maçónico, criando e mantendo organizações similares à sua própria, destinadas ao sexo feminino - pelo contrário, favorecem e respeitam a Maçonaria Feminina, entendendo apenas que o aperfeiçoamento do homem e da mulher se processam segundo diferentes sensibilidades e devem ocorrer em separado, pois no método maçónico de aperfeiçoamento o apelo à emoção e à inteligência emocional tem um grande papel e as formas masculina e feminina de viver e lidar com as respetivas emoções são manifestamente diferentes); nem homens imorais ou escandalosos, mas de boa reputação (na Maçonaria pratica-se a Tolerância com as diferenças, mas dentro dos padrões morais definidos pela sociedade em que se insere; se os maçons têm como primeira Obrigação a obediência à Lei Moral, não faria sentido admitir pessoas de comportamentos considerados imorais, escandalosos, de má reputação).

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 131-132.

Rui Bandeira