29 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVIII

Se o Vice-Grão-Mestre estiver doente, ou ausente por necessidade, o Grão-Mestre poderá escolher qualquer Companheiro que lhe aprouver para ser seu Vice-Grão-Mestre pro tempore. Mas quem foi escolhido Vice-Grão-Mestre na Grande Loja, e os Grandes-Vigilantes também, não podem ser demitidos sem o caso ser devidamente apreciado pela Maioria da Grande Loja; e se o Grão-Mestre estiver incompatibilizado com algum, pode levar o caso perante a Grande Loja para esta dar a sua opinião e contributo; em qualquer caso, se a Maioria da Grande Loja não conseguir reconciliar o Grão Mestre, o seu Vice-Grão-Mestre ou seus Vigilantes. deve concordar com a dispensa, pelo Grão Mestre, do seu dito Vice-Grão-Mestre ou de seus ditos Vigilantes e escolher outro Vice-Grão-Mestre imediatamente: a Grande Loja deve escolher, também, outros Vigilantes, sendo esse o caso, para que a paz e a harmonia sejam preservadas.

Esta regra dispunha sobre duas situações diversas: a substituição temporária, por doença ou impedimento, do Vice-Grão-Mestre e o regime de demissão e substituição deste e dos Grandes Vigilantes. Enquanto que a substituição temporária era livremente efetuada, por decisão do Grão-Mestre, a demissão e substituição dependiam de prévio conhecimento e tentativa de conciliação entre o Grão-Mestre e o ou os Grandes Oficiais visados. Falhada esta, dava-se prevalência à vontade do Grão-Mestre e a demissão consumava-se, procedendo a Grande Loja à eleição de novo ou novos titulares do ou dos ofícios.

Esta regra caiu em desuso, porquanto atualmente, na grande maioria, senão a totalidade, das Obediências, nem o ou os Vice-Grão-Mestres, nem os Grandes Vigilantes são eleitos pela Assembleia de Grande Loja, sendo antes designados pelo Grão-Mestre. Como é bom de ver, quem tem o poder de designar tem o poder de demitir e substituir, pelo que a regra atual é a da livre demissão e substituição destes e de todos os Grandes Oficiais que não são eleitos, por vontade e ato do Grão-Mestre, em regra consubstanciado por Decreto do Grão-Mestre.

Na GLLP/GLRP, para além do Grão-Mestre, só o Grande Tesoureiro, o Grande Porta-Gládio e os elementos do Conselho Fiscal são eleitos. Parece evidente a fundamentação desta opção: quanto ao Grão-Mestre, a legitimidade para o exercício dos amplos poderes que lhe são confiados durante o seu mandato só pode advir pela expressão da vontade do universo eleitoral; o Grande Tesoureiro é o responsável pela guarda e administração dos bens fiduciários da Grande Loja, pelo que também só quem beneficie da confiança do universo eleitoral pode ver ser-lhe confiada a gestão e guarda de parte importante do património comum; o Grande Porta-Gládio, que empunha o gládio, a espada da Justiça, é o Presidente do Tribunal de Apelação, o elemento a quem a Fraternidade confia o encargo de dirimir conflitos e aplicar sanções, em suma, a nobre tarefa de aplicar a justiça interna, sendo indispensável que goze da legitimidade advinda da sua eleição e da confiança que todo o universo eleitoral assim nele deposita; finalmente, o Conselho Fiscal, que exerce as funções que legalmente estão cometidas a qualquer Conselho Fiscal de qualquer pessoa coletiva, é eleito por sufrágio universal interno, porque assim a Lei do Estado Português o determina - e, ao contrário do que os mal-intencionados propalam em relação à Maçonaria, esta e as suas organizações cumprem escrupulosamente as leis dos Estados em que se inserem.

Nas origens da Maçonaria especulativa, havia óbvia preocupação de estabelecer um ponto de equilíbrio entre os poderes do Grão-Mestre e os das Lojas e respetiva Assembleia de Grande Loja. A evolução ao longo dos quase trezentos anos subsequentes veio acentuar os poderes executivos do Grão-Mestre, reservando-se para a Assembleia de Grande Loja o poder de eleger e o poder legislativo máximo. Não constitui esta evolução , ao contrário do que, à primeira vista, possa parecer, um reforço dos poderes do Grão-Mestre em face do coletivo. Esta evolução é antes o sedimentar de uma constatação que a sabedoria resultante da aplicação ao longo do tempo evidenciou: a atividade maçónica é, na sua essência, puramente voluntária; assim sendo, o Grão-Mestre apenas exerce os poderes que a confiança daqueles que o escolheram lhe concede, sendo uma evidência que a atuação para além ou contra essa confiança não será seguida pelo universo que dirige; quem porventura o fizer, ilude-se e acabará desiludido: ver-se-á um "general sem soldados"...

Portanto, a globalidade dos maçons de uma Obediência confere amplos poderes àquele que elege Grão-Mestre, no pressuposto de que ele os exercerá em prol do bem comum da Fraternidade e não desmerecendo da confiança que nele é depositada, em tão grande medida quanta a dos enormes poderes que lhe são conferidos. Se, porém, o eleito vier a desmerecer dessa confiança, e não se revelar possível corrigir a situação, basta deixá-lo a falar sozinho até que se esgote o seu mandato...

É claro que pode haver preços a pagar: a delicada situação em que se encontra hoje a Grande Loge Nationale Française é exemplo disso. Mas algo que os maçons aprenderam é que a resolução de todos os problemas passa também por uma dimensão que, muitas vezes, tendemos a esquecer: pelo tempo! Por muitos estragos que uma opção errada faça, o tempo se encarregará de os atenuar, de os enquadrar no imenso deve e haver  cósmico... E se e quando organizações caem é porque estavam já doentes, desequilibradas e porventura será, a longo prazo, melhor que se faça novo do que se tente endireitar o que torto está... Por outro lado, se e quando uma organização treme e verga, mas, pese embora erros cometidos, arrepia caminho, corrige o que tiver a corrigir, segue em frente e reganha a confiança de outrora, então é porque valeu a pena o esforço de corrigir o que estava mal, mais do que recomeçar do zero...

Afinal, as organizações servem - só servem! - para as pessoas e. em maçonaria, antes de tudo e no fim de tudo, só a pessoa interessa. O fim último da Maçonaria é o aperfeiçoamento da pessoa, das pessoas, uma a uma. Quando ocorrem erros, devem ser utilizados para aprendizagem e exemplo, não para se chorar sobre leite derramado...

Por isso, se concluiu que a melhor forma de organização de uma Fraternidade inteiramente baseada na atuação e intervenção voluntária dos seus elementos é a concessão ao seu dirigente máximo de amplos poderes, conjugada com tempo curto de duração de mandato. Quem está de boa fé e é capaz, utiliza os amplos poderes e a total confiança que lhe são delegados em prol da Fraternidade, com uma eficácia (produtividade, está na moda dizer-se agora...) muito superior à que existiria se tivesse os seus poderes mais limitados, necessitando constantemente de autorizações e opiniões e consensos e votações, enfim este mundo, o outro e um par de botas de burocracia. Quem for menos capaz ou utilizar de forma menos correta os poderes que lhe foram delegados... bem, o mandato é curto, o tempo passa depressa e atrás de tempo, tempo vem... Quase quatrocentos anos de evolução dão um certo conforto quanto à sageza desta evolução...


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 140-141.

Rui Bandeira

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