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27 junho 2011

Perceção, verdade e tolerância - V (conclusão)



A Maçonaria não pretende, ao contrário da Religião, tratar da relação entre o Homem e o seu Criador; apenas trata da relação entre o Homem e o Homem. Nascida em tempos conturbados de guerras fratricidas de origem  religiosa, a Maçonaria tinha - e tem ainda hoje - o propósito de estabelecer entre homens bons uma ligação mais forte do que as forças que os afastam em virtude das diferentes fações - religiosas, partidárias, ideológicas ou outras - a que os mesmos pertençam.

A Maçonaria procura, nesse sentido, estabelecer um meio-termo, um máximo denominador comum, um common ground com que todos se identifiquem, que a todos inclua e a ninguém deixe de fora. Quando James Anderson foi incumbido de compilar e redigir as regras e regulamentos da Maçonaria, escreveu:

"Um maçom é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral, e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu, nem um libertino irreligioso. Mas, embora em tempos antigos os maçons devessem, em cada país, ser da religião desse país ou nação, qualquer que fosse, entende-se agora ser mais acertado somente obrigá-los à religião com a qual todos os homens concordam, deixando suas opiniões particulares para si mesmos; isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e honestidade, quaisquer que sejam as denominações que os distingam."

Esta noção de que os maçons poderiam ser de qualquer fé ou religião, e apenas deveriam aderir à "religião com a qual todos os homens concordam", é uma ideia claramente oriunda do conceito de "Religião Natural", conceito muito em voga no Iluminismo, e a propósito do qual podemos ler na Wikipédia:

"As ideias, para serem válidas, devem ser baseadas na razão inata do Homem. No caso da religião, isto significa que deve haver uma religião natural, isto é, deve haver um conjunto de ideias religiosas que emanam da natureza humana - ideias que são inatas da mesma forma que as ideias lógicas, matemáticas e científicas. Eles teriam, portanto, validade geral no sentido de que todas as pessoas em todos os momentos, independentemente de sua situação cultural, as devessem possuir."

A ideia de uma "religião natural" não é, propriamente, uma ideia da Maçonaria, mas uma ideia sua contemporânea que a influenciou, no sentido de que especula ser possível encontrar-se, de entre todas as religiões, um certo conjunto de regras comuns; estas seriam aquelas que a Maçonaria tomaria para os seus seguidores, de modo a lograr o seu propósito: ser um elo de união entre os homens. E nesse sentido, em vez de se cingir aos caminhos da Moral, abraçou os da Razão, muito menos controversos e muito mais passíveis de estabelecer princípios incontroversos.

Contudo, ao procurar encontrar um conjunto de regras morais retiradas do seu contexto religioso, a Maçonaria foi tomada, pela maioria das religiões organizadas, por um concorrente, por um antagonista, e como tal condenada, e rotulada como relativista ou sincretista ou mero "travesti" religioso. O que parece escapar aos seus detratores é que a Maçonaria não procura de modo algum substituir ou minimizar a religião de cada um, antes incentivando cada um a que viva a sua fé da melhor forma possível.

Os fins últimos da Maçonaria são a harmonia, a fraternidade e a paz entre os Homens, pelo que dá preponderância a estes princípios, mesmo que sob pena de relegar as convicções religiosas de cada um à esfera privada. Na verdade, a Maçonaria não quer saber em que é que cada um acredita, desde que acredite em alguma coisa, e guarde essa convicção afastada de controvérsias, contendas e cizânias. E esta postura - condenada por muitos que pretendem propagar verdades absolutas mesmo que à espadeirada  - é uma das  que caraterizam, distinguem e orgulham os maçons.

Paulo M.

15 junho 2011

Perceção, verdade e tolerância - IV



"Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo." disse Kant. Deste lema pode também apropriar-se a maçonaria. Esta esteve na linha avançada do Iluminismo, promovendo as ciências, as artes e a razão ao serviço do Homem. Esta tríade tem de facto vindo, paulatinamente, a dar-nos cada vez mais e melhores meios para entendermos o mundo de forma objetiva, permitindo confirmar - e refutar - muitas das convicções que antes tínhamos sem que as pudéssemos provar.

Se - como afirmam alguns - a ciência tem vindo a "tentar tirar o lugar a Deus", explicando e atribuindo a fenómenos naturais o que dantes era do foro do maravilhoso e do sagrado, não era senão de esperar que o entusiasmo de uns se tornasse no anátema de outros, tornando o choque inevitável. Esse choque foi interiorizado de formas diversas em diferentes culturas. Em França deu origem a um anticlericalismo feroz, cujos princípios estiveram na génese da Maçonaria Liberal. Na Alemanha e na Inglaterra, por seu lado, esse choque foi mais suave, até porque os seus maiores pensadores e filósofos da época procuravam a harmonia entre a razão e a espiritualidade, e cedo entenderam que há convicções que a ciência não pode provar ou refutar.

De facto, as verdades da fé não são, por definição, demonstráveis. As "provas da existência de Deus" passaram já de moda por isso mesmo. Se algo é demonstrável, então não é precisa a fé para que nos convençamos da sua veracidade: basta a constatação. Por outro lado, se a fé é necessária, então de nada serve tentar-se recorrer à razão, pois esta não está no seu meio. Ora, todas as religiões apresentam, em maior ou menor grau, em maior ou menor quantidade, postulados, axiomas ou dogmas que não podem ser demonstrados nem são passíveis de discussão; se não apresentassem dogmas e apenas se confinassem ao que a razão pode demonstrar não seriam religiões, mas meras disciplinas científicas.

Mais: a maioria das religiões reclama para si a verdade. Não uma verdade, mas a verdade. A maioria afirma mesmo, clara e inequivocamente, deter o "monopólio" da Verdade, da Salvação e do Bem. Não contentes com isso, muitas demonizam, excluem e proscrevem os seguidores de qualquer outra religião. Nos melhores dos casos, aceitam que uma pessoa boa possa, sem culpa própria, estar equivocada, não devendo por isso ser excluída da recompensa que essa religião anuncia estar reservada aos "eleitos", seja esta o Paraíso, o Nirvana, ou qualquer outra designação que se lhe dê.

Ora, se todas as religiões acreditassem nas mesmas coisas, ou se tudo aquilo que afirmassem fosse compatibilizável, poderíamos, no limite, tomar todas essas afirmações por verdadeiras. Contudo, não é o que se verifica. De facto, cada fé, cada religião, cada crença, se distingue das demais precisamente pela singularidade dos seus dogmas. Assim, como seria facilmente demonstrável, é racionalmente impossível que todas estejam certas.

Acolhendo no seu seio crentes de diversas facções e correntes, a maçonaria não poderia privilegiar uma religião em detrimento de outra, sob pena de alienar uns para agradar a outros. Assim, a fé de cada um é, dentro da maçonaria, um assunto pessoal que não se discute em loja. Cada um é livre de depositar a sua fé onde queira, sem que essa mesma fé seja questionada, escrutinada ou contrariada; todas são aceites.

Não quer dizer isto que um maçon, pelo facto de o ser, tenha que aceitar como verdadeiros todos os dogmas de todas as fés e religiões professadas por todos os maçons do mundo; pelo contrário, espera-se de cada maçon que acredite e preste culto de acordo com os preceitos da sua própria fé. Espera-se, por outro lado, que aceite que cada pessoa possa ter um sistema de crenças diferente, e que este possa ser tomado por verdadeiro por cada um que nele acredite, e como tal deva ser respeitado.

A posição da maçonaria é, assim, clara: promove e discute as verdades que a razão pode demonstrar, e respeita sem discutir aquelas que são do foro da fé. Contudo, por ser promotora de uma atitude tida, por um lado, por disruptiva e iconoclasta enquanto promotora da ciência e da razão, e por outro lado por relativista e sincrética em face da multiplicidade de verdades incompatíveis entre si que as diversas religiões professam, a maçonaria tem, desde a sua origem, sido afastada, repudiada e condenada pela maioria dessas mesmas religiões.

Paulo M.

29 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - III


Como vimos, a interpretação direta dos sentidos pode ser muito enganadora. A razão permite-nos, contudo, interpretar aquilo de que nos apercebemos do mundo, e construir acerca do mesmo conjeturas que o tornem mais previsível - aquilo a que chamamos normalmente as "leis da física". Ora, em grego, "φύσης" ("físis") quer dizer, simplesmente, "natureza". As "leis da física" não são senão... as "leis da natureza"!!!

Em ciência as palavras têm significados precisos. "Teoria", "lei" e "hipótese" não significam a mesma coisa. Por exemplo, fora da ciência, pode-se que algo é "apenas uma teoria", ou seja, é pressuposto de que pode ou não ser verdade. Em ciência, uma teoria é uma explicação que é geralmente aceite como sendo  verdadeira.


Uma "hipótese" é uma suposição feita com base na observação. Normalmente, uma hipótese pode ser apoiada ou refutada através da experimentação ou observação. Pode provar-se que uma hipótese é falsa,  mas não pode provar-se que é verdadeira.

Uma "teoria científica" resume uma hipótese ou conjunto de hipóteses que tenham vindo a ser suportadas por   repetidos testes. Uma teoria é válida enquanto não haja uma prova que a refute. Basicamente, se se acumula provas que apoiem uma hipótese, então, a hipótese pode passar a ser aceite enquanto uma boa explicação para um certo fenómeno. Pode dizer-se que uma teoria é uma hipótese cuja veracidade é aceite.

Uma "lei" generaliza um conjunto de observações. No momento em que é elaborada, não há exceções que a refutem. As leis científicas explicam as coisas, mas não as descrevem. Uma forma de distinguir uma lei de uma teoria é questionando se a sua descrição nos dá os meios de explicar "porquê". Por exemplo: através da Lei da Gravidade de Newton podemos prever o comportamento de um objeto que cai, mas não podemos explicar por que é que ele cai.

Como se pode ver, não há "prova" ou absoluta "verdade" na ciência. O mais próximo que temos são factos, que são observações razoavelmente inquestionáveis desde que efetuadas em condições controladas e passíveis de ser reproduzidas. Todavia, em ciência, não se pode demonstrar que nada é verdadeiro, só se pode demonstrar que é falso. Não há "prova" na ciência.


A ideia de que era possível explicar-se os fenómenos naturais apenas com base na observação e interpretação da natureza não foi do agrado de todos. Alguns acreditavam - e muitos acreditam ainda - que o mundo não é passível de ser entendido sem se ter em conta alguma intervenção divina, uma centelha sobrenatural, ou pelo menos algo transcendente e espiritual.

É aqui que entram em campo outras verdades: as chamadas "verdades reveladas" ou, simplesmente, a "fé". A fé é, por definição, contrária à constatação. A partir do momento que algo possa ser demonstrado deixa de ser passível de ser acreditado. A fé só é necessária se não tivermos meios de comprovar aquilo em que acreditamos.

Eu não "acredito" que há uma árvore em frente da minha casa; eu "sei" e "constato" que ela existe, seja através do tacto, seja através da visão, e da troca de experiências com a minha família e vizinhos. No entanto, se me disserem que "há um ninho em cima da árvore" e eu não o tiver visto, passa isso a ser matéria de fé: acredito em quem mo disse. Porém, se for ver a árvore e estiver lá o ninho, deixo de acreditar, e passo a constatar. E se não houver ninho nenhum, constatarei na mesma que... não devia ter acreditado.

Há, todavia, muitas "verdades" mais difíceis de comprovar. Será que o Homem foi mesmo à Lua? Há ainda hoje quem não acredite... como há quem creia que a Terra não é esférica. A estes últimos bastaria uma viagem de avião para se lhes comprovar o errados que estão. Quanto à Lua, seria mais difícil, mas não impossível: aquilo em que acreditam - ou o que refutam - é do âmbito da realidade material.

Mas como se prova a veracidade - ou falsidade - da declaração de alguém que diz ter visto um fantasma? Falado com um espírito? Recebido uma mensagem do Além? Como se refuta - ou prova - que há vida para além da morte? Como se faz prova da existência de Deus - ou do seu contrário? Como se distingue um iluminado de um alienado, um burlão de um profeta, ou um místico de um doente mental?

Como se prova ou refuta uma verdade que não é passível de ser demonstrada pela razão? Todos passámos já por estas questões. A este respeito a Maçonaria tem uma resposta clara: não se prova, não se refuta, e, acima de tudo, não se discute.

Paulo M.

Fontes

22 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - II


Como vimos, os nossos sentidos ficam postos em causa, não podendo ser considerados fonte inquestionável de verdade. Não podem ser a única fonte de validação daquilo que tomamos por certo, nem nos permitem, por sim mesmos, saber se aquilo de que estamos convictos é, de facto, verdade. Mas o que é a verdade? Haverá uma verdade, ou muitas verdades? Dizem algumas filosofias orientais que "A verdade é uma, as perceções são muitas". Mas poderemos nós saber qual é a "verdade verdadeira"?

O conceito de "verdade" não é universal, ainda hoje sendo debatido. Os pensadores da antiguidade clássica, como Sócrates, Platão e Aristóteles, consideravam ser a "verdade" a correspondência entre ideias (ou pensamentos) e coisas (ou objetos). Se a ideia correspondia à coisa, a ideia era verdadeira. A perceção da essência da coisa não era questionada; confiava-se nos sentidos. Este pensamento foi o dominante até ao século XIII, em que Tomás de Aquino afirmava ser "a verdade é a (ad)equação entre as coisas e o intelecto", e que "Um juízo é verdadeiro quanto está conforme com uma realidade exterior". A verdade era atingida, nesta perspetiva, sempre que se fazia corresponder à realidade objetiva uma representação em pensamentos, palavras ou outros símbolos.

Todavia, a expressão verbal não é inteiramente inequívoca. As línguas não são absolutamente tradutíveis entre si; há conceitos que se perdem sempre que se procura exprimir certa ideia numa língua distinta que   não possua, no que concerne certa palavra, o mesmo campo semântico.  Essas palavras "difíceis" são aquelas que, por essa mesma razão, tendem a surgir na sua expressão original nos textos traduzidos. A razão é simples: conceitos subtis ou extremamente complexos podem carecer de uma extrema precisão para que sejam adequadamente expressos, transmitidos e entendidos, e a linguagem pode ser - e frequentemente é - um obstáculo a esse processo.


O Universo era ainda visto como algo de abarcável pela mente humana, como algo de belo, coerente e consistente; como um enorme relógio tiquetaqueando com persistência a sua quase infinita complexidade, mas sempre confinado a certas regras, a certa regularidade, a certa previsibilidade. A própria mente humana era vista como um maravilhoso micro-cosmo, pois que se era capaz de abarcar o Universo, devia ser ela mesma imensamente complexa. Conhecer a verdade consistia, assim, apenas na questão de se construir um sistema lógico-matemático formalmente coerente e consistente com o qual se estabelecesse uma correspondência com o Universo físico.

Note-se que está implícita uma premissa ainda nunca provada, em nenhum lado demonstrada: que o Universo físico se rege por leis matematicamente exprimíveis. O que nos parece hoje claro e evidente foi absolutamente revolucionário no seu tempo, e constituiu a base da Ciência: que a Natureza não é caprichosa, nem as suas forças decorrem dos caprichos dos deuses do Panteão, mas antes é passível de ser medida, racionalizada, entendida, prevista e reproduzida de acordo com regras (muitas vezes simples) numéricas, quantitativas, objetivas. É esta uma das mais fantásticas coincidências, e vista por muitos cientistas crentes como a verdadeira "marca do Criador": o termos um mundo que podemos descobrir, entender, e mesmo inferir sem nunca ter visto, por haver esta correspondência entre a Matemática e a Física, que funciona nos dois sentidos: há descobertas da física que obrigam à criação de novas linguagens matemáticas para as poder exprimir; e sucede descobrir-se que o que se julgava serem puras elucubrações da matemática pura conhecidas há décadas explica na perfeição uma qualquer nova descoberta do mundo da física.

Esta correspondência é, porém, frágil. Por um lado, não há nenhuma "prova" de que o mundo se reja sempre por leis matematicamente exprimíveis. Por outro lado, a matemática e a lógica - antes consideradas edifícios inexpugnáveis de racionalidade e consistência - vieram a revelar - de forma demonstrável - que algumas verdades matemáticas seriam sempre indemonstráveis, não deixando de ser verdadeiras; e que havia paradoxos - verdadeiro anátema num sistema lógico - que não podiam ser ultrapassados. Não sabemos, ainda, as consequências que estas descobertas matemáticas virão a refletir na física, mas é fascinante imaginar que aparentes incongruências físicas se venham a descobrir nos locais onde descobrimos as incongruências matemáticas.


Recapitulemos então: os nossos sentidos, para além de incompletos, são imperfeitos. A nossa visão só se apercebe de um estreitíssimo espetro eletromagnético a que chamamos "luz visível"; só conseguimos aperceber-nos de certos sons cuja intensidade ultrapasse um certo limiar; e há muitas coisas no mundo de que não nos apercebemos de todo. Por outro lado, o nosso cérebro pode interpretar de forma inadequada os estímulos que recebe nos nossos órgãos sensoriais. As ilusões de ótica são um exemplo clássico, bem como o exemplo do efeito McGurk. A razão na sua manifestação mais objetiva - a matemática e a lógica - vêm a revelar-se igualmente incapazes de constituir sistemas absolutamente coerentes e à prova de quaisquer ataques. Por fim, quando queremos transmitir aquilo de que nos inteirámos sobre o mundo que nos rodeia, não somos capazes de o fazer senão através de meios igualmente imperfeitos e passíveis de introdução de novas imprecisões, novas discrepâncias e novos erros, decorrentes do recurso a linguagens e a símbolos.

Cientes destas limitações, surgem novas ideias em torno do conceito de verdade. Surge, por exemplo, a ideia de que a "verdade" é algo de construído, decorrente de cada contexto histórico, social e cultural, refletindo somente as convenções interpretativas dominantes em cada um desses contextos. Ou a ideia de que a verdade é passível de plebiscito ou a consenso, correspondendo a visão "verdadeira" àquela com que todos - ou aqueles que estão em maioria - concordam. Esta interpretação levou a que chegasse a haver tentativas de decretar novos valores para o "pi" e para a raiz quadrada de 2 - felizmente postas de parte.

Hoje em dia a "verdade", numa perspetiva quer pragmática quer científica, é considerada algo de incompleto, parcial e falível. É um limite para que se tende, algo de que nos conseguimos aproximar, mas sempre sob escrutínio, continuamente posta em causa, e passível de vir a ser contrariada e substituída por uma "verdade mais verdadeira". Perdida pelo caminho fica a inocência da busca da "verdade objetiva", da "verdade absoluta", e a ilusão de se poder conhecer as coisas tais como elas são.

Paulo M.

Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Truth

15 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - I


Como sabemos nós que os nossos sentidos não nos mentem? Como podemos validar se a nossa perceção dos acontecimentos e do mundo é igual à dos outros perante a mesma realidade? Poderemos confiar nas conclusões que decorrem daquilo que os nossos sentidos nos indicam? Em caso de discrepância de interpretação, poderemos saber onde está a verdade? Haverá uma verdade absoluta e objetiva, ou tudo é relativo e subjetivo? E o que é que isto tem que ver com Maçonaria?

O mundo - a realidade que nos é exterior - não pode ser diretamente apercebido pelo nosso cérebro. Este tem que valer-se dos nossos sentidos para se aperceber das características das coisas. Dizem os empiristas que é "ver para crer". Mas será assim? Lá porque eu vejo o céu e digo que é azul, e a pessoa ao meu lado também o vê e diz que é azul, como posso eu saber que a perceção que ela tem da cor é a mesma que a minha? Como sei que ela não vê o céu vermelho, ou verde - e lhe chama "azul" porque aprendeu que aquela cor se chama "azul"? De facto, é algo de muito difícil - para não dizer impossível - de se aferir.

Os nossos sentidos são as janelas que o nosso cérebro tem para o mundo. Através dos sentidos temos a perceção de como o mundo é. Mas será que os nossos sentidos nos dizem a verdade, ou será que nos enganam? Como podemos saber se algo é verdadeiro? Será o céu verdadeiramente azul?

A perceção não pode ser dissociada da interpretação. Não  somo capazes de "ver" apenas, sem interpretar o que vemos, e o que fixamos não é senão a interpretação que fazemos daquilo de que nos apercebemos. Não somos máquinas de filmar; não é assim que funciona o nosso cérebro. Os nossos sentidos não são confiáveis enquanto fonte de verdade. Vejamos um exemplo. Se virmos alguém dizer "ba - ba - ba" e olharmos para a sua boca, um dos sentidos reforça o outro. O nosso cérebro "ouve" o "ba - ba - ba". Mas se, a certa altura, a imagem passar a ser a de uma pessoa que diz "fa - fa - fa", e o som se mantiver? O que acontece?

Sem experimentar, podemos especular que ouviremos "ba - ba - ba" e notaremos que a pessoa está a fazer um movimento de boca que não corresponde ao som que ouvimos. Mas não é isso que acontece. Incrivelmente, passamos a ouvir "fa - fa - fa". E, se fecharmos os olhos, ouvimos "ba - ba - ba". Não acreditam? Vejam aqui.

Imaginemo-nos em tribunal a testemunhar o que ouvimos. "Mas ouviu mesmo o réu dizer fa-fa-fa?", e juraremos, por tudo o que é mais sagrado, que sim, e o nosso testemunho condená-lo-á. Mas onde fica a verdade no meio de tudo isto? Perguntemos a uma centena de pessoas que assistiram ao acontecimento. Todas dirão: "Sim, ele disse fa-fa-fa." Todas, menos uma. Será um mentiroso? Não, apenas um cego, cujo cérebro não foi iludido pela inconsistência entre os dois sentidos. Na sua limitação, apercebeu-se da realidade melhor do que aqueles que julgavam ver a luz.

Paulo M.

Fontes:
http://donn.wordpress.com/2003/10/07/truth/
http://www.youtube.com/watch?v=G-lN8vWm3m0
http://taoism.about.com/b/2009/08/24/truth-perception.htm

24 junho 2008

A ORIGEM DOS CONFLITOS ENTRE A IGREJA CATÓLICA E A MAÇONARIA

A Maçonaria, pode-se dizer, nasceu na Igreja Católica. Como construtores que eram, os maçons passavam longo tempo a construir catedrais e mosteiros.
Estes pedreiros, homens simples, ignorantes e rudes, recebiam, principalmente dos dominicanos, com quem viviam em estreito relacionamento, instrução e evangelização.
Além de ler e escrever, aprendiam a dar graças, a caridade e os princípios morais do cristianismo. Podemos crer que, nalguns ritos, a prece na abertura dos trabalhos e o tronco da viuva, seja resultado desta convivência.

Vejamos, então, como começaram os conflictos.

A Maçonaria como instituição associativa deu os seus primeiros passos em 1356, quando um grupo de pedreiros se dirigiu ao prefeito de Londres, e solicitou o registro da Associação de Pedreiros Livres.
Oficialmente registada e devidamente autorizada, os seus membros passaram a ter certos direitos e vantagens, tais como: Trânsito Livre, naquela época não se tinha a liberdade de viajar; Liberdade de reunião, naquele tempo era proibido, devido ao receio de conspirações e tramas contra os poderes constituídos; e a Isenção de impostos que obviamente agrada a qualquer um.

Pouco tempo depois, em 1455, Jonhann Gutemberg inventa a impressora com simbolos móveis, e é publicada a primeira Bíblia em latim. Assim, o evangelho passa a chegar mais facilmente a todas as camadas da população.
Quem lê, pensa mais e sabe mais. A história começava a mudar.

Em 1509 subiu ao trono da Inglaterra o rei Henrique VIII que, logo de seguida, se casa com Catarina de Aragão. Porém, mais tarde, apaixonado por Ana Bolena, contraria-se ao não obter do Papa o divórcio para casar com a sua amante. Após insistentes tentativas, revolta-se e simplesmente não reconhece a autoridade do Papa, fundando uma nova religião, a Anglicana.
Constitui-se como único protector e chefe supremo da Igreja e do clero de Inglaterra, acaba com o celibato dos padres e confisca os bens da Igreja.
Henrique VIII é excomungado, mas não se preocupa minimamente.
Com a morte de Henrique VIII em 1547, o trono foi ocupado por vários reis e rainhas até á chegada, em 1558, de Elizabete I que, como Rainha da Inglaterra, solidifica a Igreja Anglicana, como está, até aos dias de hoje. Durante o seu governo, a Inglaterra torna-se uma potência mundial e, embora não fosse um súbdito católico, por tudo que ela fez contra o catolicismo em geral, o Papa Pio V excomungou-a em 25 de fevereiro de 1570.

Até aqui, a Maçonaria continuava operativa. Não incomodava e nem era incomodada.

Em 1600, um facto aparentemente sem importância iria mudar os rumos da Maçonaria. É aceite o primeiro maçom especulativo, de que se tem noticia, Lord Jonh Boswel, um agricultor (plantava batatas). Foi o primeiro a ver vantagens em pertencer á Associação dos Pedreiros Livres.
Em 1646 é aceite outro especulativo, Elias Ashmole. A importância deste facto é que Ashmole era um intelectual, alquimista e rosacruz. Alguns autores atribuem-lhe a confecção dos Rituais do 1°, 2° e 3°grau, graças aos seus conhecimentos de Rosacruz.
As lojas proliferavam. Eram mistas ou só de especulativos.

Em 24 de junho de 1717 é fundada a Grande Loja de Londres e a partir daí a Maçonaria começou a expandir-se e a ser exportada para países vizinhos: Holanda em 1731; França e Florença em 1732; Milão e Genebra em 1736 e Alemanha em 1737.

Esta estranha sociedade secreta, que guarda segredo absoluto de tudo o que faz, constituída de nobres e aristocratas, começou a inquietar os poderes dominantes de cada país. O medo das tramas e subversões para derrubar o poder foi mais forte, e começaram as proibições.

Sem saber o que acontecia nas reuniões, sempre secretas, criou-se um alvoroço, e muitos governantes pediam providências ou soluções ao Papa. As alegações eram de que a sociedade admitia pessoas de todas as religiões; que era exigido aos seus membros segredo absoluto, sob severas penas, e que prestava obediência a um poder central de Londres. O que fazer?

Com o Papa Clemente XII doente, constantemente acamado, totalmente cego há 6 anos, rodeado de pessoas que lhe filtravam as informações e ainda sob a pressão dos governantes que exigiam providências e, também, dos inquisidores que exerciam a sua influência, o Papa assinou em 28 de abril de 1738 a Bula In Eminenti, selando assim o destino dos maçons católicos em especial, e da maçonaria em geral.

Esta Bula excomungava todos os maçons e afirmava que era bom exterminar essas reuniões clandestinas, pois, poderiam actuar contra o governo.

Bem, com a divulgação e publicação da Bula nos países católicos, foram-se desencadeando as proibições. Em França, o parlamento não a aprovou e por isso não foi promulgada. Sendo assim, em França, oficialmente, a Bula não entrou em vigor.

Nos Estados Pontifícios (Itália desunificada), cuja constituição administrativa era católica, todo o delito eclesiástico era castigado como delito político, e vice-versa. Infringir a religião era infringir a lei. Deu-se então uma verdadeira caçada á maçonaria e aos seus membros.

A inquisição, encarregada de executar as ordens papais torturou, matou e queimou inúmeros maçons e, logicamente, pessoas inocentes que eram confundidas com maçons.

Em 1800 foi eleito Pio VII, e durante o seu papado, surge Napoleão Bonaparte. Entre outros feitos, provocou a fuga da coroa portuguesa para o Brasil em 1808 e conquistou Roma, proclamando o fim do poder temporal do Papa mantendo-o preso no castelo de Fontainebleau.
Pio VII só recuperou parte de suas possessões, com a queda de Napoleão em 1815.

Nesta época, porém, o mundo já não era mais o mesmo.
Os ideais de libertação afloravam e iniciaram-se diversos movimentos pelo mundo, praticamente todos liderados por maçons, que conseguem a independência dos seus países.

Estados Unidos, 1783; França, 1789; Chile, 1812; Colômbia, 1821;Peru, Argentina e Brasil, 1822.

A maçonaria deixou então de ser simplesmente inconveniente e passou a ter mais ação, concreta e objetiva, e com isso recebia condenações mais veementes da Igreja.

Neste momento façamos uma pequena paragem. A maçonaria até aqui havia sido sempre condenada e perseguida por terceiros motivos. Até esse momento a Igreja Católica nunca tinha sido atingida diretamente pela influência maçônica.

O facto que realmente condenou a maçonaria pela Igreja Católica aconteceu no processo da reunificação da Itália. O trauma desse episódio não é esquecido até hoje por alguns sectores da Igreja.

A Itália, nesta época, era uma “Manta de Retalhos”, constituída por vários estados entre os quais os Estados Pontifícios, que correspondiam a aproximadamente 13,6% do total da Itália, ou seja, eram 41.000 Km², que pertenciam ao clero e localizavam-se na região central.

A população dos Estados Pontifícios não tinha acesso a nenhum cargo público, que era explorado pelo clero. Todos os funcionários públicos usavam o hábito.

O inconformismo e os movimentos de libertação começam em 1767, sendo os jesuítas expulsos de Nápoles.
Em 1797 é fundada a Carbonária, seita de caráter político independente da maçonaria, que tinha como objetivo principal a Unificação da Itália.

Pio VII em 1821, lança a Bula Ecclesiam A Jesu Christo condenando a atividade dos carbonários. A Carbonária tornou-se perigosa e prejudicial à maçonaria pois era confundida com esta. Os Carbonários tinham os seus aprendizes, mestres, grão-mestres, oradores, secretários, sinais, toques, palavras, juramentos e, é claro, segredos.

Os principais líderes Carbonários: Cavour, Mazzini e Garibaldi eram maçons, por isso, a Carbonária era muito confundida com a maçonaria, porém, diferenciavam-se pela origem, finalidade e actividades. Os carbonários matavam se fosse preciso.
Nos Estados Pontifícios explodiram grandes desordens. A insatisfação contra o clero, que não permitiam que os leigos ocupassem cargos administrativos, era grande.

Em 1848 o Papa Pio IX é obrigado a refugiar-se em Nápoles, devido á revolução, e lança após alguns meses a encíclica Quibus Quantisque, responsabilizando a Maçonaria pela usurpação dos Estados Pontifícios.

Em 1849 é proclamada por uma Assembléia a República em Roma. Nesse momento, Pio IX lançou cerca de 226 condenações contra a maçonaria. Ele e o seu sucessor, Leão XIII, lançaram cerca de 600 documentos de condenações.

Em 14 de maio de 1861, Vítor Manoel é proclamado Rei da Itália Unificada.

Como se vê, a Maçonaria estava condenada. Motivo? A Unificação da Itália... Ideal Carbonário.

Em 27 de maio de 1917 é promulgado por Bento XV, o primeiro Código de Direito Canônico, também chamado de Pio Beneditino onde se refere a Maçonaria da seguinte forma, no seu Cânon 2335:
“ Os que dão o seu próprio nome à seita maçônica ou a outras associações do mesmo gênero, que maquinam contra a Igreja ou contra os legítimos poderes civis, incorrem Ipso Facto, na excomunhão simplificter reservada à Sé Apostólica.”

E mais, recomendava noutros Cânones o seguinte:
Que as católicas não se casassem com maçons; que seriam privados de sepultura eclesiástica; privados da missa de exequias; não seriam admitidos em associações de fiéis; não poderiam ser padrinhos de casamento; não fariam a confirmação do baptismo (crisma); não teriam direito ao patronato, etc.

Os Sacramentos proibidos são: Baptismo, Eucaristia, Crisma, Penitência (confissão), Matrimónio, Ordenação Sacerdotal e a Unção dos Enfermos.

Para atender os anseios dos irmãos católicos, a Maçonaria criou o Ritual de adopção de Loutons, de apadrinhamento, Ritual de Pompas Fúnebres e o Ritual de confirmação de casamento.

Em 11 de fevereiro de 1929 foi criado o Estado do Vaticano pela assinatura do Tratado de Latrão, onde o poder Papal ficava restrito ao Vaticano com 44.000 m2 (anteriormente tinha 41.000 km2) e Pio XI reconhecia a posse política de Roma e dos Estados Pontifícios e afirmava a sua permanente neutralidade política e diplomática,etc.
Com o Tratado de Latrão assinado, encerra-se o processo da Unificação da Itália. O ideal Carbonário fora conseguido e a Carbonária desaparece logo após a Unificação da Itália.

Enfim, ficou o estigma da condenação.

Em 27 de novembro de 1983, já sob a autoridade do Papa João Paulo II, foi publicado um novo Código de Direito Canônico, que entrou imediatamente em vigor, reduzindo para 1752 os 2414 Cânons do antigo código.

O Código mais importante, referente á Franco-Maçonaria, é o 1374: “Aquele que se afilia a uma Associação que conspira contra a Igreja, deve ser punido com justa penalidade; e aqueles que promovem e dirigem estes tipos de Associações, entretanto, devem ser punidos com interdição”. Com isto, a maçonaria está legalmente e literalmente livre do estigma.

Entretanto, no mesmo dia, foi publicado uma Nota no jornal oficial do Vaticano, a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, que dizia:
“Permanece imutável o juízo negativo da Igreja perante as Associações Maçônicas, porque os seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a Doutrina da Igreja, e por isso, a inscrição continua proibida. Os fiéis que pertencem às Associações Maçônicas estão em estado de PECADO GRAVE e não podem receber a SANTA COMUNHÃO.
Não compete às autoridades eclesiásticas locais, pronunciarem-se sobre a natureza das Associações Maçônicas com um juízo que implica na revogação do que é estabelecida”.

A publicação da Declaração foi mais uma acomodação política aos minoritários insatisfeitos, e pode-se dizer a contragosto do Papa. Afinal, ela afrontava uma decisão já tomada e aprovada, logicamente pela maioria de toda a Congregação reunida com a finalidade específica de renovação do Código.

Enfim, com a publicação no novo Código do Direito Canônico, e também da declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, o que mudou na relação entre a Maçonaria e a Igreja Católica?

Mudou muito pouco em relação ao que se esperava, mas esse “muito pouco” é alguma coisa para quem não tinha nada. É uma esperança.

Paciência e esperança, essas são as palavras.

A pacificação total virá com certeza, mas não se pode ter pressa. Já foi um enorme passo a publicação do novo Código de Direito Canônico. Na medida em que, paulatinamente, as luzes se forem acendendo no entendimento de cada autoridade eclesiástica certamente novos horizontes surgirão.

Vimos, pela própria aprovação do Código do Direito Canônico, que a maioria do clero quer a pacificação, senão ele jamais seria aprovado, e é isto que deve acalentar as esperanças dos católicos, e até lhes dar confiança diante das vicissitudes.

Se o progresso é lento para a pacificação total, por outro lado, não há nada que justifique um retrocesso no futuro.

FÉ E VAMOS VER, MEUS IRMÃOS, A PAZ TOTAL VIRÁ.
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Texto, de autor desconhecido, adaptado e complementado para publicação neste blog.

JF - 2008