Mostrar mensagens com a etiqueta aikido. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta aikido. Mostrar todas as mensagens

28 janeiro 2009

Ver de fora

O texto de José Restolho sobre aikido e maçonaria alertou-me ainda para um outro aspeto digno de reflexão, que tem a ver com a forma como as organizações ou as atividades são vistas por quem está de fora. Isso releva, quer para os juízos exteriores sobre as organizações e atividades, quer para a motivação de quem ganhe interesse nelas.

Para mim, observador exterior e não particularmente interessado, o aikido era visto simplesmente como uma variante das Artes Marciais orientais. Ponto. Basicamente, defesa pessoal e capacidade de travar uma luta. Defesa e ataque. Defender-se de agressões ou golpes da modalidade, aplicar uns quantos golpes e, mais queda, menos nódoa negra, estava tudo visto. Essencialmente uma atividade física, um desporto de combate, em que a mente exerceria um papel específico ao nível da concentração, mas que, grosso modo, dependia da rapidez de reflexos e certeza, força, amplitude e agilidade de movimentos. Nunca me passou pela cabeça a vertente exposta no texto, de busca de aperfeiçoamento, de luta essencial consigo próprio, de propósito e trabalho no sentido de chegar tão perto da inantigível perfeição quanto possível.

E eu considero-me, modéstia à parte, um espírito aberto!

Similarmente, a maçonaria também possibilita que quem está no seu exterior tenha dela uma imagem errada, desfocada. Tão mais errada e tão mais desfocada, quanto mais opaca para o exterior ela for. As circunstâncias e necessidades, mas também as escolhas da maçonaria envolveram-na num véu de secretismo, de desconhecimento, que só agora, nos tempos mais recentes, e apenas pelos espíritos mais abertos, vai sendo entreaberto. Não admira, pois, que haja muita gente que tenha ideias erradas sobre a Maçonaria e faça dela um juízo que nada corresponde com a sua realidade, o seu propósito, a sua essência, a sua prática.

No limite, a culpa não é de quem faz o juízo errado, é de quem mantém as condições que propiciam uma alta probabilidade de existência de muitos juízos errados. Eu fazia um juízo errado do aikido - e, por extensão, da generalidade das Artes Marciais - por desconhecer em absoluto a dimensão que me foi mostrada por meia dúzia de linhas de um texto do aikidoca José Restolho. Bastaram meia dúzia de linhas para me dar toda uma diferente noção do alcance da prática daquela modalidade! O desconhecimento gera distância, desinteresse, desconfiança. Um pouco de conhecimento transmitido pode fazer a diferença na mudança de atitude para quem está de fora.

Isto não tem nada a ver com proselitismo. O facto de eu ter reconhecido que a imagem que tinha do aikido era imprecisa, fluida e incorreta, em face da informação obtida com a tal meia dúzia de linhas, não me vai fazer ir a correr adquirir uma calça Hakama e saltar para um tatami (para desapontamento da minha mulher, que veementemente verbera o meu sedentarismo de cinquentão...). Mas possibilita-me deixar de fazer erradas ideias, afastar preconceitos, ver e aprender e ajuizar com mais acuidade. O mesmo pode acontecer com o profano a quem é proporcionada alguma informação sobre o que é, o que faz, o que pretende, a Maçonaria.

Quanto àqueles que desejam integrar-se na Maçonaria, também não me preocupo demasiado com as suas ilusões, ideias feitas e erros de perspetiva. Como bem se pontuou no texto sobre o aikido, é curioso que quando iniciamos a prática do Aikido pensamos apenas em aprender uma arte de defesa, algo que sirva para nos defendermos. Durante a prática preocupamo-nos apenas em deitar o outro ao chão, sermos eficazes, etc. Mas então, à medida que o tempo passa, as coisas vão mudando radicalmente. Deixamos de centrar a nossa prática no “derrubar ou imobilizar o adversário”, centramo-la antes em nós, centramo-nos nos nossos defeitos técnicos e nas nossas limitações. Eis que começa a surgir o caminho que temos a percorrer. Também é, para mim, natural que quem entra na Maçonaria, não tenha uma ideia perfeita sobre os seus objetivos, o seu modo de trabalhar, etc.. E que, caminhando o caminho que lhe é apontado, acabe por trilhar vereda bem diversa da que pensava inicialmente seguir. Por isso, quando analiso um potencial candidato a ser admitido na minha Loja, preocupo-me muito pouco com o que ele pensa que é a Maçonaria e muito mais com o que a Maçonaria lhe pode dar, em que o pode auxiliar a crescer e a avançar. Interessa-me essencialmente o potencial, a disponibilidade para interagir e modificar-se. Não me interessam diamantes, lapidados ou por lapidar. Esses são primas-donas que porventura ficarão muito bem para enfeitar e para dar brilho, mas que são duros de mais para se modificarem. Não acrescentam nada , a não ser o brilho da ilusão. Nada se lhes acrescenta, porque se têm por acabados e já próximos do que julgam ser a sua perfeição possível. Interessam-me muito mais os patinhos feios que podem transformar-se em cisnes, o barro que, devidamente moldado e trabalhado, dará peça de apreciar. Não me interessam nada o que são. Interessam-me, e muito, o que podem vir a ser e se têm capacidade e potencial para tal.

Rui Bandeira

27 janeiro 2009

A Pedra Aikido

O texto sobre aikido e maçonaria que nos foi proporcionado por José Restolho suscita-me a reflexão de que é inerente à natureza humana a busca da sua própria superação individual. Será, talvez, conjuntamente com o polegar em oposição aos demais dedos e com o tamanho do cérebro, um dos fatores que contribuíram para que a espécie humana se tornasse a espécie dominante do planeta. Polegar em oposição, os restantes primatas também o têm. A capacidade cerebral é uma inegável vantagem, mas já é um produto da evolução. A vantagem competitiva da espécie humana acentua-se com a sua disposição, o seu anseio, pela busca do melhor possível. Sempre.

Esta busca da excelência, se bem repararmos, está presente em diversos setores da atividade humana. A divisa do olimpismo, altius, citius, fortius (mais alto, mais rápido, mais forte) espelha este anseio no desporto. Na ciência, a constante e persistente busca de novos conhecimentos, de novas soluções, da resolução de cada vez mais complexos problemas propiciou e propicia indizíveis progressos. Dos quais o menor dos quais não será, por exemplo, o que possibilita que o leitor esteja neste momento a ler algo que não existe, que é apenas virtual, mas que corresponde efetivamente a um pedaço do meu pensamento. Esta hoje já banal tecnologia que permite guardar, transmitir, disponibilizar, aceder, consultar, todo um manancial de informação sem suporte físico, existente apenas em energia, é algo que, há meras duas centenas de anos, seria tido por impossível, inacreditável, utopia ou bruxaria... E, no entanto, aqui está...

Também no confronto do Homem consigo mesmo (coloco H maiúsculo para significar que o Homem que aqui refiro é o elemento da espécie humana, independentemente de género, portanto, incluindo homem e mulher) esta busca da perfeição, este anseio do contínuo progresso, este desejo de superação, de ir tão longe quanto possível e mais além, existe enquanto característica inerente à nossa espécie. E manifesta-se de diversas formas, algumas podendo aparecer inesperadas.

Já várias vezes aqui escrevi que a Maçonaria é apenas um dos caminhos, das vias, para a busca da Luz, do Conhecimento, da compreensão do significado da vida e da criação, da razão última da nossa existência e do caminho que prosseguimos, enfim da essência do que somos e seremos. Nesta demanda, a Maçonaria é um dos métodos, das veredas, possíveis. Os misticismos, cristãos ou não, a via meditativa, a comunhão natural, que sei eu!, são outras pistas possíveis e utilizadas.

O texto do José Restolho iluminou-me o espírito para a evidência de que também as Artes Marciais, enquanto filosofia de vida e de busca de perfeição, se podem enquadrar neste grupo de sendeiros. No fundo, é essencialmente uma questão de Culturas, de escolha de caminhos em função das raízes e tradições e civilizações e sociedades.

Há muito que tenho por adquirida a noção de que o impulso religioso é basicamente similar em toda a Humanidade. As várias e variegadas religiões derivam das interpretações e usos e práticas particulares sobrepostas a esse impulso básico, em função das diferentes condições ambientais, sociais, civilizacionais, etc.. Por isso, sou estrangeiro, em absoluto, ao conceito de guerra, ou controvérsia, ou discussão religiosa. Porque é lutar, arrazoar, discutir em seco, em vão, sobre nada. Todos - mas literalmente todos! - falam do mesmo, apenas de formas e sob roupagens diferentes. É, pois, uma guerra, uma controvérsia, uma discussão absolutamente sem objeto, apenas com aparência de objeto... Lá diz o Povo, com toda a sua ancestral sabedoria, que as aparências iludem. Mas é apanágio do Homem (outra vez com maiúscula...) sensato, sábio, ver para além das aparências e ultrapassar as ilusões que elas proporcionam.

O texto do José restolho alargou-me a perspetiva: não é apenas o impulso religioso que é basicamente comum a toda a Humanidade. É-o, é certo, mas estando inserido num outro impulso ainda mais básico e alargado: a busca da Perfeição, da melhoria contínua, de ir mais alto, mais depressa, com mais força - e mais longe - tanto quanto se puder. Incessantemente. Em busca do inantigível, mesmo sabendo que não o pode atingir.

A Perfeição é o arquétipo de Deus. A Humanidade busca atingir a Perfeição, a Deus. Busca aproximar-se da Perfeição, de Deus. Busca obter a Perfeição, atingir a Divinização. A Maçonaria, o misticismo, as Artes marciais, em suma, a Vida, são tudo caminhos, vias, meios, ferramentas, que o Homem prossegue e usa na sua eterna demanda deste Graal. Por isso, com propriedade José Restolho aponta universalidade dos princípios que a Maçonaria (mas não só) defende.

Eis como o contributo profano ajuda o maçon. O contributo do José Restolho levou-me a ampliar o conceito do impulso de busca da Perfeição. Ao fazê-lo, ao evadir-me dos limites estreitos das crenças religiosas, ao integrar a busca da Perfeição como inerente ao impulso básico da Humanidade, consegui dar um outro salto na análise: no fundo, a ambição humana de atingir, ou de se aproximar, tanto quanto possível, da Perfeição, mostra que o Homem, afinal, é, ou projeto de Deus, ou corruptela de Deus. Ou destinado a evoluir para chegar onde pode, ultrapassando e indo além dos estreitos limites da existência desta dimensão, ou buscando recuperar de involução que o fez perder a perfeição que busca reganhar. Em qualquer dos casos, a busca da perfeição é um indispensável meio para procurar atingir ansiada integração ou reintegração.

Mais uma pedra na parede do meu Templo Individual. A esta chamarei a Pedra Aikido. Obrigado, José Restolho!

Rui Bandeira

26 janeiro 2009

Aikido e maçonaria

Uma das coisas que me agrada na criação e manutenção deste blogue é a sua virtualidade de propiciar diálogos que, não fora ele, não teria. Por vezes inesperados. Por vezes sobre assuntos de que nunca me lembraria. Exemplo disto é a mensagem que recebi de José Restolho e que, com autorização dele, aqui transcrevo.

Seria Morehei Ueshiba, fundador do Aikido, Maçon? Ou mesmo até mesmo alquimista?

Não sou maçon, sou apenas um profano curioso e aikidoca. Pode-se dizer que os meus conhecimentos sobre a maçonaria são muito superficiais. Sei apenas que se trata de uma sociedade secreta, fraternal e universal. Visa o aperfeiçoamento espiritual e pessoal. É repleta de ritos e símbolos. O Aikido é, antes de mais, uma arte marcial mas transcende muito esse conceito. Pode-se dizer que se trata de um modo de vida. Eu sei que dito assim parece muito abstracto. Eu pensava o mesmo sempre que lia sobre isso. Mas então o que é afinal isto do Aikido?

Aikido significa “via da harmonização da energia” e foi criado em plena Segunda Guerra Mundial (1940). O seu fundador, Morehei Ueshiba, vendo como o povo sofria com a guerra, decidiu criar uma arte de paz, algo que tornasse as pessoas melhores e, assim contribuísse para um mundo melhor. É curioso que quando iniciamos a prática do Aikido pensamos apenas em aprender uma arte de defesa, algo que sirva para nos defendermos. Durante a prática preocupamo-nos apenas em deitar o outro ao chão, sermos eficazes, etc. Mas então, à medida que o tempo passa, as coisas vão mudando radicalmente. Deixamos de centrar a nossa prática no “derrubar ou imobilizar o adversário”, centramo-la antes em nós, centramo-nos nos nossos defeitos técnicos e nas nossas limitações. Eis que começa a surgir o caminho que temos a percorrer. O caminho não tem fim, nem é tão pouco fácil. Buscamos a perfeição sabendo que nunca a teremos, mas ainda assim não cessamos de a buscar. Quanto mais praticamos mais o caminho se torna óbvio. O nosso objectivo passa a ser uma transmutação quase alquímica. Tomamos consciência que, quando iniciamos a caminhada somos uma espécie de bloco de chumbo: grosseiro, pesado, inflexível. Com o passar do tempo procuramos transmutarmo-nos não em ouro, pois não procuramos a riqueza material, mas em mercúrio (o único metal líquido à temperatura ambiente). O mercúrio é fluido, é capaz de se adaptar às situações. Mas o mais curioso são as implicações que esta busca tem no nosso quotidiano. Tornamo-nos pessoas mais calmas, mais compreensivas e tolerantes. Evitamos o confronto, não fugindo, mas adaptando-nos à situação. Dito desta forma parece que esta prática é algo solitária e até um pouco “egoísta”. Mas não é. Se houve algo que a vida me ensinou foi que “só, nada se consegue”. Em cima do tatami (colchões sobre os quais praticamos) não importa a cor da pele, o estatuto social, o credo ou a opinião política. No tatami somos todos iguais, todos entramos nele com o espírito aberto, prontos a ensinar e a aprender, conscientes que, independentemente da graduação, somos e seremos sempre aprendizes, não só no Aikido como na vida.

Morehei Ueshiba não era Maçon nem alquimista. Com este testemunho profano, pretendo apenas demonstrar a universalidade dos princípios que, a meu ver, a maçonaria defende, assim como mostrar como duas coisas aparentemente tão diferentes têm tanto de semelhantes.

Excelente contributo e interessante ponto de vista! Eu, que, embora seja adepto do preceito mens sana in corpore sano, com o passar dos anos e a preguiça do sedentarismo, me vou contentando com a mens sana em corpore mais ou menos em condições, muito dificilmente me lembraria de relacionar aikido e maçonaria! Mas este contributo foi pretexto para alguma reflexão, que espero traduzir em dois textos a publicar proximamente aqui no blogue.

Entretanto, caro José Restolho, muito obrigado pelo contributo e disponha sempre! Este blogue é de temática maçónica, mas é escrito a pensar, não só nos maçons, mas também nos profanos interessados no que aqui se trata. E fico muito satisfeito por ter estimulado esta sua reflexão.

Rui Bandeira