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02 fevereiro 2015

Política e Maçonaria Regular...

(imagem proveniente de Google Images)

O próprio título desta publicação poderá parecer por si só uma possível contradição.

Uma analogia direta entre política e Maçonaria Regular nunca poderá ser feita em concreto porque em Maçonaria Regular não se discute política. E muito simplesmente porque tal não é permitido pelas suas próprias regras, os seus Landmarks, que no seu sexto artigo impede que este tipo de discussão possa ter lugar numa loja maçónica. 

O próprio Rui Bandeira, autor deste blogue, já teve oportunidade de expressar a sua opinião, tanto neste texto bem como na sua respetiva “caixa de comentários” foram debatidas outras perspetivas sobre o assunto…

Mas no que ao tema deste post concerne, a proibição existente em relação à abordagem de temas políticos numa sessão maçónica é apenas em relação à discussão e debate de ideias relativas à política partidária. Porque abordando a política como conceito em si, conceito este como sendo algo que é assumidamente necessário para quem vive na sociedade, a postura da Maçonaria Regular é diferente.

O conceito político, quando abordado no seu sentido lato, é permitido seja em debates meramente filosóficos ou que tratem de temas sociológicos ou antropológicos. Nestes casos,  as ideologias são facilmente postas de parte. Pelo que efetivamente nunca se discute se o pensamento político de “direita” ou de “esquerda”, ou se uma monarquia ou  república serão os melhores sistemas políticos a serem vivenciados pela sociedade.

Salientando também que,  devido ao cumprimento do referido Landmark, não se discute se uma religião é melhor ou pior que outra. Política e Religião em Maçonaria Regular encontram-se no mesmo patamar.

- Alíás atrevo-me a dizer que para a Maçonaria Regular, ambos estes conceitos estão colocados naquelas prateleiras muito altas que é usual se ter em casa, em que sabemos que as coisas lá estão, mas que não as conseguimos alcançar…-

Estas concepções de vida, políticas ou religiosas, a serem discutidas,  apenas o serão em em sentidos latos e meramente filosóficos. Até porque geralmente estes temas, a par da clubite desportiva, são os temas que mais dividem o Homem e fraturam a sociedade, e a Maçonaria quer-se como sendo um centro agregador de pessoas e nunca como sendo o seu foco de divisão.
Assim, relativamente à política partidária, cada maçom seguirá as políticas ou sentir-se-á representado pelo partido político que considerar que será o que melhor o representa ou que aplica e/ou defende as ideias que para si são consideradas como sendo as que maior valência deverão ser seguidas pela sociedade civil. E apenas isso.

Não obstante, é do conhecimento público em geral, que vários maçons são membros ativos de vários partidos políticos, muitos deles mesmo pertencentes a alas muito distantes politicamente e com um ideário político muito diferente e bastante divergente até. 
E isso é lhes possível  porque são livres para o fazer. 

Em nada a Maçonaria os impede de tal. Nem como instituição, nem os próprios maçons entre si, como membros desta Augusta Ordem. Cada um fará o que lhe aprouver quanto ao caminho que preferir percorrer, seja partidário ou não, e respeitará do mesmo modo, o caminho que o seu irmão decidir prosseguir…

Estes últimos parágrafos serão talvez alguns dos quais que mais confusão farão aos profanos e que podem suscitar certas teorias conspiratórias, uma vez que, pode-se sempre supor que, como poderá alguém que não se revê politicamente noutra pessoa, e que por vezes em debates mais acalorados, sejam eles no hemiciclo, sejam eles em qualquer tipo de campanha, em que algumas vezes podem inclusive roçar a falta de respeito, para depois dentro de portas ou na sua intimidade, serem amigos e considerarem-se como Irmãos?!

A própria questão encerra a sua própria resposta.

Não temos nós irmãos, familiares e amigos que têm opiniões contrárias às nossas?

Não levam eles, em alguns casos, vidas muito diferentes da que levamos?

Não têm eles concepções de vida muito distantes daquelas que consideramos como sendo as mais válidas?

Quantas vezes em debates de ideias mais acesos, não nos chateámos e depois tudo ficou resolvido como nada se passasse?

Sim, todos nós na nossa vida, passamos ou alguma vez passámos por esta situação. 

E fraternidade é isso mesmo, é ter bastante respeito pelo próximo, consagrar o direito à diferença de opinião, ser tolerante em relação a diferentes pontos de vista, e ter uma postura coerente no âmbito do debate.

Por isso é que a Maçonaria sobreviverá per si, independentemente do posicionamento político dos seus membros. 
Tudo devido ao sentimento fraternal que estes têm entre si e que os fará colocar de parte qualquer antagonismo que possa ser  motivado, neste caso,  por questões político-partidárias.

E depois no que toca à questão partidária, esta não se coloca à Maçonaria mas sim ao Povo, que como integrante fundamental da sociedade tem o dever de participar nela e contribuir para o seu progresso.

 Assim, cabe ao maçom, sendo ele mais um elemento que faz parte do povo, participar como cidadão e como parte interessada nesta questão.

O compromisso que o maçom assume com a Ordem é um compromisso de ordem moral e ética, e que não envolve sequer, qualquer forma de política neste comprometimento.
Pelo que nada melhor que o seu exemplo e conduta para servir de paradigma aos outros. 

Logo, pelos seus valores, o maçom nunca poderá agir impulsivamente nem de forma irrefletida, porque para além de não ser a forma de correta para alguém agir, e depois porque está em permanência debaixo do jugo da sociedade; assim o maçom que seja ativo políticamente na sociedade em que está inserido, deve observar sempre o cumprimento dos valores maçónicos. 

Porque estes valores em nada colidem com a liberdade de ninguém e muito menos com os direitos de todos.

 E se hoje em dia vivemos como vivemos, uma boa parte resultou de um trabalho imenso e intenso por vezes, que alguns  maçons de outrora tiveram e que propiciaram para que hoje em dia possamos usufruir  das condições que temos e que nos permitem ambicionar por mais e melhor...

18 junho 2012

O que se faz numa sessão maçónica - II




Na sequência do meu texto da semana passada o Streetwarrior comentou:

"As sessões colocadas desta maneira, parecem ser uma coisa muito chata ! Gostaria de perceber estes 3 aspectos que sempre me deram muita curiosidade.
Visto que desde os primordios das nossas civilizações, tudo o que nos rodeia, é ligado á religião tudo é politica, o que sobra para se discutir numa sessão?
Se não se pode discutir religião, qual o interesse então de uma maçonaria ser Crente ou não numa entidade religiosa?
Por fim...qual a razão do Mestre andar em angulos rectos, terá isto a ver com (Anjos = Angulos ) bom e maus, visto que a nivel Astro-teológico existem bons angulos e maus angulos?"

Comecemos pelo fim. "Ângulos" vem do latim angulus, “canto, área remota". "Anjos" vem do latim eclesiástico angelus, derivado do grego antigo άγγελος ("ángelos"), e significa "mensageiro". Em comum têm apenas alguma similaridade fonética. Já no que diz respeito à maçonaria e aos ângulos retos, é questão que nada tem que ver com anjos. Aqui, uma referência ao ângulo reto constitui, quase sempre, uma referência ao conceito de "retidão moral", simbolizada pelo esquadro que serve para traçar e aferir os ditos ângulos. A própria linguagem do dia-a-dia consagra, já, esse simbolismo, ao chamar "enviesado" (de "viés": oblíquo, torto) a algo que tenha contornos pouco direitos, e chamando "pessoa reta" a quem cumpra os princípios morais. Assim, as deslocações em loja são feitas em linhas e ângulos retos, recordando-nos que um maçon deve, no seu deambular pelo mundo, agir de forma reta e evitar percursos (moralmente) oblíquos e enviesados.

Quanto ao interesse de uma maçonaria crente numa Entidade Superior, e o facto de essa mesma Entidade não poder ser discutida, é fácil de explicar e de entender. Não é difícil de imaginar que um judeu, um hindu, um cristão, um animista e um muçulmano tenham em comum entre si coisas que não têm em comum com um ateu ou com um agnóstico: todos eles creem no sobrenatural, e na existência de uma Entidade Superior a quem devem a existência e cuja vontade procuram satisfazer. Agora, não tentemos ser mais específicos do que isto, ou estaremos condenados a intermináveis discussões sobre o número de anjos que cabem na cabeça de um alfinete... A diversidade de crenças deve ser enriquecedora, e permitir que cada um tenha a oportunidade de se aperceber de posições diversas da sua, sem ter sequer que defender a sua posição de uma posição diferente; pretende-se, isso sim, que constitua uma circunstância pedagógica da alargamento dos horizontes e de aumento da tolerância em face das diferenças.

Por tudo isto é que creio que a proibição de discussão política e religiosa em loja é frequentemente mal entendida. Em maçonaria aprende-se a favorecer a paz em detrimento do conflito; a preferir a fraternidade à facciosidade; e a privilegiar o estabelecimento de consensos e evitar a dissenção. Por outro lado, a maçonaria constitui um espaço de respeito pela liberdade de cada um como dificilmente se encontra nos nossos dias, nomeadamente no que concerne a liberdade de expressão. Precisamente como garante dessa liberdade de poder dizer-se o que se pensa, por vezes como exercício de exploração interior, sem que tal se repercuta fora da loja, é que em cada sessão se jura guardar silêncio do que na mesma se passou. Ora, dificilmente se encontra uma posição com que todos se identifiquem, pois a procura do bem comum raramente passa pela satisfação dos desejos individuais, o que é tão mais verdadeiro quanto mais fraturante for a questão em causa. Como conciliar estes dois princípios estabelecendo um equilíbrio é algo que se vai aprendendo todos os dias.

É por isto que - no meu entender, note-se - a proibição de discussão política e religiosa em loja não se esgota nos seus termos, que são essencialmente exemplificativos e ilustrativos de um princípio maior: o de que a concórdia entre os homens deve prevalecer sobre a liberdade de expressão. Esta posição nada tem ou pretende ter de totalitário. "Discutir" não é a única forma de abordar um tema ou falar sobre o mesmo. Na loja Mestre Affonso Domingues, por exemplo, pode falar-se de praticamente tudo, desde que em absoluto respeito pela posição dos demais, no sentido de que deve procurar-se que estes não se sintam de modo algum  agredidos com aquilo que se diz.

Certamente à luz desta interpretação foi, há um par de anos, apresentada uma prancha sobre a condenação da maçonaria pela igreja católica ao longo da história, e recentemente, dias antes da lei sobre o "testamento vital" ser unanimemente aprovada pelo nosso parlamento, uma prancha sobre esse mesmo tema apresentada por um mestre da nossa loja que conhece o assunto a fundo. Seria impossível falar da primeira sem falar de religião, e da segunda sem falar de política. O que foi feito, num e noutro caso, foi apresentar-se factos inquestionáveis por qualquer pessoa de boa fé, e eventualmente um ou outro comentário pessoal - devidamente identificado como tal - no meio ou no fim do texto, sempre com o devido cuidado de se evitar o conflito entre diversas posições. Não foram "artigos de opinião", e muito menos de propaganda. Num e noutro caso os obreiros presentes manifestaram a sua satisfação pela qualidade e forma como as pranchas foram apresentadas, e ninguém manifestou qualquer desconforto.

Termino respondendo à primeira observação, de que as sessões maçónicas deverão ser uma coisa muito chata. Depois do que acabei de expor, será inesperado que eu responda que... não são?!

Paulo M.

05 outubro 2011

Contra factos...



Todos conhecemos a controvérsia em torno da educação sexual, mesmo quando uns e outros acordam que esta deva ser instrumento de prevenção de doenças e gravidezes indesejadas. De um lado, uns advogam a promoção da abstinência, de padrões de conduta e de dicotomias entre bem e mal, no contexto de que o ato sexual é público e sagrado e como tal sujeito às leis da moral e da religião. Do outro lado, outros promovem o recurso a meios anticoncecionais, a permissividade perante uma gama alargada de identidades e práticas sexuais, e reduzem o ato sexual a um ato biológico privado e regido pelas leis naturais. Pelo meio, uma multiplicidade de posições mais ou menos moderadas e contemporizadoras.

Em poucos países este debate é tão verrinoso e extremado como nos Estados Unidos da América. Recentemente, em face do contexto económico desfavorável e dos inevitáveis cortes orçamentais em tudo quanto se afigure supérfluo, terá recrudescido uma forma muito pragmática de elaborar políticas, nomeadamente no que concerne a saúde pública mas não só: aquilo a que se chama "prática baseada na evidência" (evidence-based practice).

Em sentido lato, pode dizer-se que se trata de uma metodologia que parte da análise estatística dos efeitos de um certo tipo de ato (seja este um tratamento médico, uma prática pedagógica, ou mesmo determinada punição prevista na lei) sobre uma população, no sentido de se aferir e comparar a eficácia relativa de diferentes abordagens ao mesmo problema. Ou dito de outra forma: experimenta-se, mede-se os resultados, e decide-se com base nestes.

Recentemente, primeiro as seguradoras e depois os próprios sistemas de segurança social começaram a questionar a validade e eficácia de certos métodos, tratamentos ou "curas", no sentido de evitarem desperdícios em atos inúteis mas muitas vezes dispendiosos. Estas entidades passaram a exigir que se demonstrasse um nexo de causalidade entre o tratamento e os benefícios que do mesmo supostamente adviriam. Uma das aplicações mais conhecidas deste método é a dos ensaios clínicos que se fazem na indústria farmacêutica quando se procura determinar se certos medicamentos são úteis no tratamento de determinadas doenças.

De facto, certas áreas do conhecimento foram, num ou noutro momento da História, pouco coesas e meramente acumulativas de saberes distintos e pessoais de sucessivas gerações, sucedendo que muitas das práticas carecessem de evidências científicas que as justificassem. Por outro lado, esta "fluidez" de conhecimento levou ao aparecimento de oportunistas e burlões (como os famosos "vendedores da banha da cobra") que alegavam conhecimentos que, aos olhos dos leigos, lhes permitiam confundir-se com os profissionais formalmente treinados. Não admira, assim, que estes últimos tivessem sido dos primeiros a defender uma metodologia que separasse os atos úteis (os seus) dos inúteis (dos outros) com base nos seus resultados, alegando mesmo o interesse da saúde pública...

Esta metodologia tem, com mais ou menos resistência, sido adotada por outros campos do saber, por outras áreas de atividade, a ponto de ser hoje em dia indiscutíveis, em muitos meios, as suas virtudes. O ensino formal nas escolas ensina esta forma de pensar, o que a vem divulgando e democratizando cada vez mais - chamam-lhe "método científico". Mas, se formos ver o que foi o Iluminismo, e como este apresentou a Razão a uma humanidade obscurecida pela tradição, pela inércia e pela superstição, rapidamente encontramos nele as origens deste método de pensamento. Passa-se, graças a ele, de um mundo em que as leis são inquestionáveis, aplicadas de cima para baixo e legitimadas por um qualquer direito divino, para uma sociedade que produz as sua próprias leis, que tudo questiona e em que tudo é passível de escrutínio e validação.

Voltando ao início, nos Estados Unidos levou a que fossem cortados fundos aos programas de educação sexual que não apresentassem os resultados esperados. Não se discutiu os méritos das ideias: discutiu-se, pragmaticamente, financiar o que quer que seja que funcione.

A Maçonaria Regular, orgulhosa filha do Iluminismo, não se mete em controvérsias de cariz político. Não deixa, todavia, de influenciar, através da educação de cada um, a forma como se faz política, mas com uma diferença muito grande face ao poder político: estes últimos têm as próximas eleições como horizonte temporal; os maçons ficam contentes por saber que ajudaram, ao longo dos últimos 300 anos, a tornar o mundo um pouco mais justo e perfeito.

Paulo M.

23 janeiro 2011

Votar: direito e dever individual



Houve hoje, em Portugal, eleições para a Presidência da República. Acompanhei durante as últimas semanas - como, de resto, muitos outros portugueses - os factos e as histórias, as verdades e meias verdades, as cabriolas e acrobacias que cada uma das campanhas apresentava ao eleitorado - a cada um de nós, portanto. Todos assistimos às alianças feitas e desfeitas, aos jogos de conveniências, aos ataques, às defesas, às vítimas silenciosas, aos que gritavam ser vítimas, aos que se faziam de vítimas, às virgens ofendidas, às faces estoicamente  impassíveis, às caras desavergonhadamente impassíveis, às explicações impossíveis, à esperança na mudança, ao desespero pela mudança, à indiferença face à expetativa da mudança das moscas, ao frenesim das contagens, ao sentido do dever cumprido, ao cansaço ao fim de um dia comprido.

Em conversa com uma amiga minha - que priva com alguns políticos dos dois maiores partidos - comentou esta que, não obstante haver, como era sabido, candidatos apoiados por este e por aquele partido, havia muitos militantes insatisfeitos com os candidatos que os seus partidos apoiavam. E que não se podia impor disciplina partidária em eleições livres. Repetiu-me então um comentário que lhe fizeram e que fixei: "No silêncio da urna, só tu é que sabes em quem votas". Achei curioso ela falar no "silêncio" da urna. Pareceu-me uma coisa muito maçónica - e se calhar era-o. E logo recordei a velha diferença entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal no que respeita a participação política, com a primeira a arredar-se desta e a segunda a abraçá-la.

Quando hoje - como milhões de outros portugueses, votei, estava frio. Tinha deixado o casaco em casa, anoitecia já, tinha pressa e outros deveres, mas lá fui. Demorei quê?... uns cinco minutos. Foi chegar, "botar a cruzinha", dobrar, meter e sair. Um gesto tão simples que não doeu nada. Foi assim, sorrindo para com os meus botões, que votei, enquanto pensava que não o fazia senão pela minha cabeça, fiel às minhas convicções, sem outra lealdade para além daquelas que tinha para comigo e para com o meu país. E só por isso,  hoje - independentemente dos resultados - dormiria um sono tranquilo.

Paulo M.

23 julho 2010

A Guerra Civil Inglesa (ou porque não se discute política ou religião em Loja)




Entre 1500 e 1800 diferentes reis e rainhas de Inglaterra perseguiram, prenderam, mataram ou simplesmente incomodaram católicos, anglicanos, metodistas, puritanos, luteranos, presbiterianos, calvinistas, quakers, e virtualmente qualquer outra variação da Cristandade. A convicção pessoal e a fé de cada monarca tinha graves consequências, muitas vezes fatais, nos seus desafortunados súbditos que não oravam perante o mesmo altar.

A Guerra Civil Inglesa, iniciada em 1642 entre Monárquicos, partidários do rei Carlos I de Inglaterra e Parlamentaristas, liderados por Oliver Cromwell foi, na sua essência, uma luta entre a Igreja estabelecida, apoiada pela nobreza (que pretendia ver o seu poder perpetuado) e protestantes puritanos radicais, oriundos de uma classe média emergente, desejosos de se governar a si mesmos. A guerra só terminaria sete anos depois, com a condenação de Carlos I à morte e a tomada do poder por Cromwell e pelos puritanos. Não obstante Carlos I ter sido mal amado pelo seu povo e não ter propriamente deixado saudades, bastou menos de uma década de um estilo tirânico e sangrento de governação com Cromwell à cabeça para que os ingleses quisessem a sua monarquia de volta. Carlos II foi coroado em 1661 e, ao contrário do seu pai, era um homem bem mais interessado na ciência e na razão do que na perseguição religiosa. Abriu, assim, as portas para uma nova era, uma era que iria acolher favoravelmente os novos princípios da Maçonaria Especulativa.

Um dos piores aspetos desta guerra foi ser um conflito de irmão contra irmão, vizinho contra vizinho, amigo contra amigo. Esta terrível circunstância afetaria o futuro e a filosofia da Maçonaria até aos nossos dias. Foi assim que, em 1717, quando a primeira Grande Loja foi formada em Londres, foram estabelecidas regras pouco usuais. Em primeiro lugar, proibiu-se a discussão de religião: as reuniões não seriam interrompidas por argumentos entre católicos, anglicanos, puritanos e protestantes. Enquanto os membros acreditassem em Deus, a sua fé não seria questionada. Em segundo lugar, as batalhas políticas entre monárquicos e parlamentaristas - que tinham dado origem à guerra civil - não seriam toleradas: os maçons estavam determinados a sobreviver às questões que haviam devassado o seu país, e a impedir que quem quer que fosse os pudesse acusar de heresia ou de traição. Em seu lugar, as Lojas insistiam no estabelecimento de laços fraternais entre os seus membros. Ficava, de igual modo, estabelecido um valor muito querido à Maçonaria: a tolerância.

Eis as razões históricas da proibição da discussão de política ou religião em Loja. A Maçonaria Regular tem - muito tradicional e britanicamente, poderíamos dizer - tendência para ser avessa a grandes "inovações", e para se ater àquilo que o tempo confirmou como sendo adequado. Não houve, até agora, razão bastante para se reverter essas proibições - pelo que estas ainda vigoram.

Em muitas Lojas - como na Loja Mestre Affonso Domingues - essa regra não é interpretada no sentido de ser vedada a referência a qualquer tema político ou religioso, mas antes no sentido de proibir qualquer controvérsia ou discussão sectária ou confessional, ideológica ou partidária, que divida a Loja em "lados", em "partidos" e em "partes" que tenham por denominador comum a convicção, a crença ou a ideologia de cada um. Pode, assim, discutir-se se determinada medida política concreta será melhor ou pior, mas sem que nunca se questione - ou se mencione, sequer - partidos ou correntes ideológicas; assim como se pode apresentar um trabalho sobre uma determinada religião, mas sem que seja admissível que a mesma seja criticada. Outras Lojas entendem diversamente, e aplicam uma interpretação mais estrita, abstendo-se de qualquer referência a um e outro tema. Não posso fechar este assunto sem referir a Maçonaria Liberal - de inspiração francesa - em que estas restrições não existem de todo. Saliento, por fim, que estas proibições se referem apenas aos trabalhos em Loja e que, fora destes, qualquer maçon pode pronunciar-se como entenda sobre o que tenha por conveniente.

Paulo M.

17 março 2010

O maçom e a Política


O sexto Landmark (princípio fundamental) da Maçonaria Regular prescreve:

A Maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das opiniões e crenças de cada um. Ela proíbe-lhes no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Ela é ainda um centro permanente de união fraterna, onde reinam a tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que sem ela seriam estranhos uns aos outros.

No texto que, neste blogue, dediquei ao sexto Landmark, escrevi:

Por isso, em Loja não se discute Política nem Religião. Esta, porque sendo do foro íntimo da cada um, não faz sentido discuti-la. Aquela, porque sendo susceptível de grandes paixões poderia cavar insanáveis conflitos entre Irmãos. Ademais, reconhecendo cada maçon no seu Irmão um homem livre e de bons costumes, grave atentado a essa liberdade seria não lhe reconhecer o direito à sua crença religiosa e ao seu entendimento político. Não quer isto dizer que um maçon não possa ou não deva afirmar a sua convicção religiosa ou a sua posição política. Pode este, pode aquele, pode aqueloutro, podem todos. Mas, isto feito, mais além não se vai. Cada um crê no que crê, pensa como pensa, ponto final! Não há lugar para discussões sobre se esta crença é melhor do que aquela ou se aquele entendimento político é mais ou menos adequado do que aqueloutro.

A controvérsia ou discussão política está, assim, completamente banida em Loja, na Maçonaria Regular.

Este princípio implica um corolário, a que se chega por duas vias: a Maçonaria Regular não toma posições políticas.

Não o faz, porque (1), uma vez que não existe discussão política em Loja e, dado que as deliberações dos maçons são tomadas em Loja, não há como tomar posição política que resulte de deliberação validamente tomada; e porque (2), uma vez que a tomada de uma posição política implica escolha - em favor de algo, em detrimento de algo -, a instituição maçónica não toma posição, pois, com toda a probabilidade, iria fazê-lo em concordância com alguns dos seus membros, mas, por outro lado, afirmando discordância em relação a outros. E a Maçonaria Regular não privilegia nenhum dos seus elementos, nenhuma das ideias livres de homens livres. Não se trata sequer de determinar maiorias e de agir segundo as maiorias verificadas. Em matéria de ideias, tão legítimas e respeitáveis são as ideias maioritárias como as minoritárias. Afirmar uma posição institucional em detrimento do livre entendimento de um elemento que seja seria desrespeitar esse entendimento. A instituição é de todos, o espaço onde todos cooperam para que cada um se aperfeiçoe e evolua. Não pode pois privilegiar uns - ainda que porventura a maioria - em detrimento de outros ou de apenas um que seja.

A Maçonaria Regular, enquanto instituição, não toma, pois, posições políticas. A Maçonaria Regular não é monárquica nem republicana. A Maçonaria Regular não é politicamente conservadora, nem liberal, nem social-democrata, nem progressista, não prossegue nem defende nenhum "ismo". A Maçonaria Regular integra homens bons, que procuram ser melhores, sejam monárquicos ou republicanos, conservadores ou progressistas, liberais ou sociais-democratas, seja qual for o "ismo" que prefiram.

Por seu turno, cada maçom tem as convicções políticas que entende ter, toma e divulga (ou não...) as posições políticas que lhe aprouver, declara (ou não...) as escolhas políticas que julga adequado declarar, quando se lhe afigura oportuno, nos locais em que pretenda e possa fazê-lo.

Cada maçom é, em suma, um homem livre, que assume e aceita e com naturalidade pratica que há um espaço - a Loja - em que convive e coopera com outros homens livres, que podem ter ideias diversas das suas, sem que tal cause quaisquer dificuldades de relacionamento. E assim a diversidade é, não causa de conflito, mas catalisador de riqueza e abertura de espírito, de constante e leal interação das ideias de todos com todos, cada um testando e avaliando a validade das suas, a força das suas convicções, cada um evoluindo em função da sadia análise das ideias e convicções dos outros.

Fora do espaço da Loja, cada um é livre de assumir as posições políticas que entenda, como entenda, quando entenda.

Por isso, e em suma, não há posições políticas da Maçonaria Regular, mas cada maçom regular é livre de tomar e assumir e divulgar as posições e convicções e escolhas políticas que muito bem entenda. Que serão sempre suas e só suas e só a ele vinculam.

Rui Bandeira