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13 junho 2014

O Silêncio e o Verbo! – Parte -3

Normalmente, enquanto homens profanos, sentimo-nos aterrorizados com o Silêncio, fugindo assim e sempre que podemos ao mesmo, esse foi o erro em que fui induzido e educado durante a minha vida profana.

Normalmente ensinam-nos que o Silêncio, e ou a pessoa que está em Silencio, têm falta de algo, ou que este significa um estado limitativo e ou depressivo.

Ensinam-nos que o Silêncio é sempre algo de negativo, negando-nos desta forma o poder e o verdadeiro significado do mesmo.

Hoje posso afirmar que já ganhei nesta minha nova caminhada.

Foi efectivamente necessário chegar a esta etapa da minha vida, para aprender a ver o outro lado do uso do Verbo, o Silêncio.

Hoje já aprendi a controlar a minha ambição, de querer usar o Verbo sempre, em detrimento da prática do Silêncio.

Todos vós já muitas vezes, por certo, ouvistes falar e muito leram sobre o Silêncio, eu próprio também já algumas vezes escutei algumas definições, mas de todas elas existe uma que muito me diz e que convosco gostava de partilhar.

Pierre Lacout, descrevia o Silêncio numa reunião, da seguinte forma:
“ Num silêncio ativo, a Luz Interior começa a brilhar – uma pequena faísca. Para que a chama se possa acender e desenvolver-se, devem de ser apaziguadas as discussões subtis e o clamor das nossas emoções.
(…)
As palavras devem de ser purificadas num silêncio redentor caso se pretenda que elas transportem consigo a mensagem da paz.
O direito de falar é um apelo ao dever de ouvir. Falar não tem significado, a não ser que haja mentes atentas e corações silenciosos.
O silêncio é a aceitação de boas vindas do outro. A palavra que nasce a partir do silêncio deve ser recebida em silêncio.”

(Autor: Pierre Lacout, 1969).

Assim, aquilo que a principio muitas vezes me afligia e me consumia as entranhas, o tal medo de que o Silêncio, pudesse engolir o Verbo, e devora-lo, destruindo-o e assim acabando, de uma só vez, com ele, é hoje uma vantagem e um bem ao qual cada vez mais recorro em todos os meus tempos e ações.

No entanto seria grande presunção pensar que tal ferramenta já domino e que sobre a mesma já tudo sei e ou ouvi.

Neste momento apenas vos posso dizer que esta ferramenta já a utilizo e garantir-vos que tenho a plena consciência que com ela devo permanentemente continuar a trabalhar, mas os resultados da utilização desta ferramenta só serão reais se pelos meus iguais forem reconhecidos.

Por isso, junto de vós submeto esta reflexão, sobre a minha capacidade de utilização do Silêncio, como complemento do Verbo.

Alexandre T.

06 junho 2014

O Silêncio e o Verbo! – Parte -2


Hoje estou certo que tinha sido garantidamente uma atitude totalmente descabida e fratricida, terem-me entregue nas mãos uma arma tão poderosa, uma arma capaz de gerar mau estar e confusão, entre aqueles que escutassem os sons produzidos pela utilização, então, indevida e fora de tempo.

Um dia ouvi, dizer que o Silêncio era aquilo que realmente criava um Maçon porque o Silêncio era a principal “coisa” que efectivamente alterava o “Homem” Maçon geneticamente!

Na altura já sabia que o Silêncio não devia ser visto apenas numa ação em si mesmo, mas como um princípio de aprendizagem e de entendimento.

Mas este Silêncio, que agora me era imposto, muitas vezes me despertou um terror Ctónico, que por estar sujeito a ele tantas vezes me devorou as entranhas.

Mas hoje, hoje finalmente entendi o que aquele homem queria dizer, com aquela afirmação.
Hoje sinto, tal como foi dito naquele dia, a verdadeira alteração que o Silêncio fez no meu ADN.
Hoje digo que o Verbo é sem dúvida a Vida, mas o Silêncio nem sempre é a Morte.

Tal como a Luz, do Sol, se retira ao final do dia, pelo Ocidente e volta a surgir pela manhã, no Oriente, também hoje, utilizo o Silêncio do amanhecer ao anoitecer, ou seja, passei a ter o Silêncio como uma ferramenta de uso diário.

Hoje e desde do momento em que a Luz me foi mostrada, sei que ele, o Silêncio, é acima de tudo uma forma de criar, ou pelo menos de educação e formação de um Maçon, por isso hoje também já digo, como aquele homem um dia ouvi dizer:

Que o Silêncio é a “coisa” que efectivamente altera o “Homem” Maçon geneticamente!”

É o Silêncio que me tem permitido distinguir a verdadeira necessidade da utilização do Verbo, pois pela sua graça e poder, o Verbo, só deve ser utilizado se o seu objetivo for a construção, a criação, a designação do bem e nunca usado apenas com o objetivo de destruir, de minimizar, de ridicularizar, de oprimir e ou de se fazer superior a outrem, tentação tão profana que muitos, por vezes, são levados a realizar.

Alexandre T.

30 maio 2014

O Silêncio e o Verbo! – Parte -1

O Silêncio e o Verbo!

Gênesis 1:1 No princípio criou Deus os céus e a terra.
Gênesis 1:2 A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas.
(Fonte: A Bíblia Sagrada – Génesis – A criação do Mundo)

No princípio …
No princípio da criação, tendo em conta os livros sagrados, nada existia com forma, nada havia para além do vazio.

Tínhamos apenas o espaço vazio, o caos, o vácuo, o espaço sem direção (sem Sul, sem Norte, sem Oriente, sem Ocidente, sem Zénite e sem Nadir, ou seja, sem a verdadeira dimensão de universalidade, até porque nada existia com forma).

Assim se nada existia, com forma, também o Verbo não podia descrever essa mesma ausência de forma, porque também ele não existia, o que fazia que não existindo o Verbo (a palavra), também o Silêncio não existia, pois o Silêncio é, ou pode ser:

(…) a ausência total ou relativa de sons audíveis. Por analogia, o termo também se refere a qualquer ausência de comunicação, ainda que por meios diferentes da fala.
(Fonte: Wikipédia)

Ou seja, se a comunicação é o Verbo e o Verbo aquilo que permite a existência da comunicação é também a existência do Verbo que leva à existência do Silêncio e se o Verbo não existia, também o Silêncio não existia.

Gênesis 1:3 Disse Deus: haja luz. E houve luz.
Gênesis 1:8 Chamou Deus ao firmamento céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo.
Gênesis 1:29 Disse-lhes mais:
Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento.

(Fonte: A Bíblia Sagrada – Génesis – A criação do Mundo)

“E disse Deus…”
“Chamou Deus…”
“Disse-lhes mais…”


Ou seja o Grande Arquiteto Do Universo quebrou o vazio, desfez a ausência de forma, preencheu o vazio, organizou o caos, deu direção ao espaço, criando assim o Sul, o Norte, o Oriente, o Ocidente, o Zénite e o Nadir, ou seja, deu dimensão ao conceito de Universalidade, através do uso do Verbo, isto é, o Grande Arquiteto Do Universo criou com o uso do Verbo, quebrando e gerando assim, em simultâneo, o próprio Silêncio.

No seu ato final, a criação do Homem, o Grande Arquiteto Do Universo, teve de comunicar diretamente a fim de gerar um EU e um TU, isto é, não quebrar apenas o Silêncio, usando o Verbo, mas dirigir esse Verbo a alguém, “Ele” tinha de ser ouvido.

1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.
2. Ele estava no princípio junto de Deus.
3. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.
4. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
5. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam
(…)
8. Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9. [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem
(Fonte: A Bíblia Sagrada - O Evangelho Segundo S. João)

Assim perante o poder da criação, declarado pela utilização do Verbo e diante da grandeza do “Real”, que é sábia na utilização deste, comecei a entender melhor o porquê do “SILÊNCIO” .

Era demasiada a ambição e até descabida, alguém como eu, que começara a apreender a utilizar as ferramentas base, na construção do seu próprio Templo, querer ter logo de início o poder de criar, isto mesmo sem mais nada saber!

Será que não está mais que provado que o uso inadequado do Verbo tem sido a principal causa de conflitos e de destruição desde do princípio dos tempos?

Não seria desta forma uma atitude totalmente descabida e tendencialmente fratricida passar tal arma e poder para as mãos de quem ainda não estava preparado?

Hoje estou certo que sim!
Mas afinal onde estava eu nessa altura com essa ambição tão desmedida e descabida?
Querer criar, sem primeiro entender como o fazer!

Estava afinal ainda ligado a um cordão umbilical profano, estava ainda ligado a uma corrente de vida profana, da qual não tinha sido capaz de me desligar aquando da minha descida ao centro da terra, afinal não tinha sido capaz de visitar o meu interior e rectificar-me, largado os conceitos e preconceitos profanos, dos quais havia prometido livrar-me!

Alexandre T.

09 abril 2014

Prancha de proficiência


Na Loja Mestre Affonso Domingues, um dos requisitos necessários para que um Aprendiz seja elevado a Companheiro ou para que um Companheiro seja Exaltado Mestre Maçom é a apresentação em Loja de uma prancha, isto é, de um trabalho elaborado pelo obreiro.

Em regra, o tema desse trabalho é escolhido por consenso entre o interessado e o Vigilante responsável pela sua Coluna e o referido Vigilante acompanha a elaboração desse trabalho, analisando a ou as versões preparatórias elaboradas e aconselhando ou sugerindo emendas, alterações ou desenvolvimentos, sempre que tal entenda necessário ou conveniente.

Todos, sendo essencialmente iguais, somos diferentes nas nossas capacidades específicas, interesses, vocações. Há quem, seja por habituação nos tempos de escola, seja por prática profissional, seja, pura e simplesmente por vocação ou aptidão própria, tenha facilidade em escrever, em organizar uma exposição sobre um tema. Há quem tenha menos habituação ou uma aptidão menos apurada ou menos treinada para tal. O auxílio, o apontar de caminhos, a indicação de imperfeições a serem corrigidas por parte de um elemento experiente pode ser necessário para alguns, conveniente para outros e irrelevante para alguns. O objetivo é que quem necessite tenha um apoio, uma orientação, para que o seu trabalho fique o melhor possível, no momento e no grau de desenvolvimento na perceção da Arte Real de cada obreiro.

Ao longo do seu tempo de trabalho no grau respetivo, o Aprendiz ou Companheiro pode preparar diversos trabalhos que, normalmente, apresenta em reuniões da respetiva Coluna. O trabalho que irá ler em Loja poderá ser um desses ou poderá ser expressamente elaborado para esse efeito. Qualquer que seja a opção, essa apresentação da prancha de proficiência do Aprendiz ou Companheiro deve decorrer de um duplo juízo sobre a sua pertinência. Duplo juízo sobre se o trabalho está concluído ou se se deve ainda melhorá-lo, que deve ser efetuado pelo autor do mesmo e pelo seu Vigilante.

Não deve haver pressa em apresentar a prancha de proficiência. Ela é o espelho da evolução do obreiro no momento em que é apresentada. Por isso deve haver um especial cuidado na sua apresentação. Por isso deve tal prancha ser considerada como concluída e pronta para ser divulgada em Loja apenas quando satisfaça, quer o seu autor, quer o Vigilante responsável pela sua integração e evolução.

A apresentação de uma prancha de proficiência em Loja é sempre aguardada com expectativa na Loja Mestre Affonso Domingues. É mais um de nós que mostra a sua evolução, os caminhos que explora, o seu processo de transformação de homem bom em homem melhor. Mas, para além de um momento de expectativa também sempre é, deve ser, mais um momento de evolução, um patamar, não só de chegada, mas sobretudo de nova partida. Por isso, a Loja e os seus Mestres que - sempre! - comentam a prancha apresentada buscam um equilíbrio entre o devido e justo reconhecimento do trabalho efetuado e a sempre presente exigência de que, por muito bom que esteja o trabalho, por muito bem que tenha evoluído o obreiro, sempre poderá e deverá ser melhor, fazer melhor, persistir na senda da busca da inatingível perfeição.

É por essa razão que a crítica às pranchas de proficiência na Loja Mestre Affonso Domingues é normalmente severa, por vezes acerba, sempre dura. Não deixando de se reconhecer os méritos, aponta-se impiedosa e cruamente o que falta ou o que deveria mais bem ser feito. Não pelo prazer de criticar ou mostrar qualquer (inexistente) pretensa superioridade. Apenas como ferramenta para que o próprio maçom, aquele que apresenta o seu trabalho à consideração dos demais, mas também cada um destes, sempre busque ser e fazer mais e melhor. É justa e agradável a noção e o reconhecimento de que um trabalho está bem feito. Mas não pode, não deve, deixar de estar sempre subjacente a noção de que qualquer trabalho, qualquer obra, por muito bem que esteja, pode sempre ser melhor.

Dar por concluída e pronta para ser apresentada em Loja uma prancha de proficiência não deve nunca significar que é trabalho insuscetível de ser melhorado. É apenas o melhor trabalho que se está em condições de fazer nesse momento. Mas o objetivo, o caminho, é sempre crescer, sempre avançar, sempre aprender, sempre afinar as nossas capacidades - e, portanto, sempre estar em condições de melhorar aquilo que um dia foi o melhor que então pudemos fazer.

É por essa razão que, na cultura que a Loja Mestre Affonso Domingues procura que os seus obreiros adquiram e aprimorem, se tem presente que o elogio, o reconhecimento é agradável e justo - mas a crítica é o impulso para poder ser melhor. Para a Loja Mestre Affonso Domingues não basta o Justo. Ambiciona-se o Perfeito!

Rui Bandeira

24 julho 2013

Justiça: Realidade ou Utopia?


É recorrente a pergunta de quem está de fora da Maçonaria: o que fazem os maçons quando se reúnem? É também percetível algum ceticismo quando respondemos que talvez a parte mais importante do nosso labor é apresentar ou ver apresentar e discutir trabalhos sobre diversos temas, sem nenhum objetivo específico, a não ser a ilustração, a aprendizagem, a melhoria de cada um de nós e de todos.

Não há nada melhor do que o exemplo. Há algumas semanas, um Irmão contactou-me pedindo-me algumas ideias que o ajudassem a elaborar um trabalho que ele preparava para apresentar em sessão de Altos Graus. O tema era o que constitui o título deste texto, já que o grau em que se destina a apresentação da prancha trabalha e investiga com particular interesse a noção de Justiça.

Decidi que a melhor maneira de  contribuir com algumas ideias seria eu elaborar algo que tivesse o nível de uma prancha apta a ser lida em Loja no grau de Aprendiz, pois isso certamente lhe abriria pistas e horizontes para ele desenvolver no seu mais exigente plano de trabalhos.

E decidi também que era uma boa oportunidade de mostrar um exemplo de um trabalho apto para ser apresentado em Loja, designadamente no grau de aprendizagem. Fica assim exemplificado que tipo de temas, fora do simbolismo, pode ser apresentado e trabalhado e discutido em Loja.

Justiça: realidade ou Utopia?

A primeira dificuldade é definir Justiça. Justiça não resulta do mero cumprimento da Lei. É algo anterior à Lei, que a Lei procura atingir. Justiça é composição de interesses segundo os méritos de cada um. Mas também atendendo às necessidades de cada um, em certa medida. Justiça é a concretização da Ética, a conciliação de interesses divergentes, a paga do erro e o prémio do mérito. 

Justiça é um ideal - e, sendo-o, é necessariamente uma utopia.

Justiça é um valor bem real, que deve nortear os homens e as instituições - e, assim sendo, não pode deixar de ser uma realidade.

Como é então possível que a Justiça seja, ao mesmo tempo, realidade e utopia? Pela mesma razão que a Felicidade é utopia, mas ser feliz é uma possibilidade bem real.

Há que distinguir entre o arquétipo de Justiça - que pertence necessariamente ao domínio da Utopia, como todos os arquétipos - e a concretizável e concretizada Justiça humana e das instituições aplicada dia a dia, o melhor possível. 

Os  maçons devem sentir-se bem com esta dualidade. Afinal de contas, perseguem, dia a dia, um objetivo por definição impossível, a Perfeição. O que não os impede de procurarem, dia a dia, aproximar-se um pouco mais dessa impossibilidade. Portanto, os maçons sabem, ou devem saber, muito bem como distinguir e compatibilizar a Utopia e a Realidade...

A Justiça ideal é, por definição, perfeita. E, portanto necessariamente, do domínio da Utopia.

Mas a Justiça aplicada, aquela que laboriosamente as Sociedades procuram garantir e os homens obter, essa é bem real, essa é a que, em cada momento, é possível obter, se consegue fazer. Essa é a Justiça real.

É obviamente errado deixar de prosseguir a realização da Justiça, no dia a dia, mesmo sabendo-se que essa prossecução ou realização não poderá deixar de ser imperfeita, só porque se tem a noção de que a Justiça ideal é inatingível em pleno, é necessariamente utópica. Fazê-lo seria condenarmo-nos a deixar medrar a injustiça, a violência, o arbítrio. A Justiça real é sempre  e inapelavelmente um menos em relação à Justiça ideal, utópica. Mas esse menos é o que temos, o que conseguimos construir e que é indispensável que possamos desfrutar - sob pena de sofrermos a anarquia do arbítrário. 

Quanto mais desanimarmos de prosseguir a busca da Justiça, só porque verificamos que nunca é realmente possível atingir a utopia do arquétipo da Justiça, menos Justiça na realidade temos e construímos e desfrutamos. Quanto mais perseverarmos no esforço de ser mais justos, de fazer vingar a Justiça que nos for possível obter e acarinhar e fazer medrar, mais perto estamos do ideal. E melhor estaremos, quer como Sociedade, quer individualmente. 

Porque a Justiça é condição de Ordem. É indispensável ao Progresso. É imanente à fruição da vida em Sociedade. Em tudo está a Justiça. Em tudo ela pode faltar. A nossa tarefa é que, onde ela falte, passe a haver; onde haja, buscar melhorá-la. Todos os dias. Dia a dia. Todos nós. Cada um de nós.

Justiça: realidade ou utopia?

A pergunta está mal feita!

Porque a resposta é - Justiça: Realidade E Utopia!

Rui Bandeira

14 novembro 2010

A clivagem racial e cultural e o insucesso escolar


Li esta semana um artigo sobre o insucesso escolar dos negros nos EUA. E depois outro idêntico sobre o Reino Unido. Há anos que estes estudos vêm sendo feitos e refeitos e, não obstante a adoção de variadas estratégias com o propósito de mitigar as diferenças, chega-se sempre a resultados semelhantes: certos grupos raciais de estudantes obtêm piores notas e abandonam mais a escola do que outros. Estes estudos comparam frequentemente os resultados obtidos por crianças, adolescentes  e jovens oriundos de famílias do mesmo estrato sócio-económico - leia-se: habitando a mesma zona e frequentando as mesmas escolas, com pais com salários idênticos e idênticas habilitações.

É claro que, sempre que um estudo desta índole é feito, logo clamam vozes acusando-o de racista e discriminatório. Recordo que os factos não podem sê-lo, mas apenas, e eventualmente, a interpretação dos mesmos. Contudo, será difícil fazê-lo a estudos que constatem encontrar-se acima da média os estudantes de ascendência asiática, seguidos dos descendentes de judeus e de indianos, não obstante colocarem os de ascendência africana no fim da cauda. Os factos foram estes e, tendo sido recolhidos e tratados de acordo com as melhores práticas e normas da estatística, não serão passíveis de grande discussão. Já as tentativas da sua interpretação - e, especialmente, as medidas a tomar - levantam interessantes questões.

Uma das conclusões hoje em dia mais bem fundamentadas é a de que a questão não é de modo algum racial, mas cultural, e as suas raízes podem encontrar-se bem fundo na educação que as famílias dão às suas crianças desde o berço até que ingressam no sistema escolar. As expetativas dos pais para com os seus filhos por um lado, a forma como entendem o papel da escola por outro, condicionam o apoio - ou a falta dele - que as crianças receberão do seu núcleo familiar no sentido da obtenção de melhores resultados escolares.

É assim que, em famílias de ascendência asiática - em que o respeito quase reverencial para com os mais velhos é um valor cultural muito forte, e em que o trabalho e o esforço são entendidos como parte da normalidade da vida e como um caminho para o sucesso, o que leva os pais a andar "em cima dos filhos" para os fazer estudar e fazer os trabalhos de casa - as crianças têm, em média, dos melhores resultados escolares. Por oposição, famílias em que as crianças tratem os pais com displicência, passem o tempo livre a ver televisão ou na rua com os amigos, não se esforçando por obter bons resultados - e, mesmo, chamando a isso "to act white" (diríamos nós: "armar-se em branco") - não terão as mesmas alegrias na hora de assinar o boletim das notas.

Também importante é a diferente atitude  dos pais para com a escola e para com o seu próprio papel no sucesso escolar dos filhos. Enquanto que uns delegam por completo na escola todas as tarefas atinentes ao bom aproveitamento escolar, outros vêem a escola um parceiro sobre o qual não podem colocar todo o peso da educação da criança, e outros ainda, desconfiados da eficiência do sistema escolar, complementam-no das mais diversas formas, de explicações particulares a escolas de línguas, de música, de estudo acompanhado, sei lá... Certo, certo, é que será, essencialmente, o tipo de educação familiar o principal fator determinante para o sucesso escolar das crianças.

Por fim, não se pode generalizar: cada caso é um caso, cada criança é única, cada família é diferente. Pode, mesmo assim, tentar encontrar-se padrões, e tentar encontrar as causas dos problemas. Não basta, aqui, encontrar correlações: é mesmo necessário encontrar a causalidade.

Face a estas conclusões, que medidas se pode tomar? Aqui a questão torna-se, subitamente, muito mais delidada. Será que cabe ao Estado ensinar os pais a educar os filhos? Será o estilo de educação que cada um recebeu e transmite aos descendentes parte integrante da sua cultura? E sendo-o, poderá ou deverá o Estado dar orientações precisas no sentido de que as crianças - para bem destas últimas, entenda-se - devam ser educadas desta ou daquela maneira? Contra, eventualmente, a vontade dos pais? O respeito pela cultura de cada um, pela sua auto-determinação e, por fim, pela sua liberdade, não iriam colidir com tais hipotéticas medidas?

Esta questão, apesar de melindrosa, poderia perfeitamente ser discutida numa Loja como a Mestre Affonso Domingues. A questão levantada é filosófica, antropológica e, apesar de também política, não o é de forma partidária ou inevitavelmente conducente a divisões entre posições tomadas. Traz informação que é, certamente, útil a que cada um de nós entenda melhor o mundo que o rodeia, e ajudará, certamente, a combater preconceitos retrógrados. Estou certo de que qualquer opinião formulada seria no sentido de se dar prevalência ao respeito pela liberdade individual, que não haveria qualquer comentário racista - muito pelo contrário, e que seria salientado que a tolerância só faz sentido se houver diversidade. No fim, todos manifestariam agrado com o tema tratado, e cada um sairia com uma posição forçosamente diferente de todos os demais, mas enriquecida pela exposição a ideias diferentes daquelas que possuía.

Como vêem - e ao contrário do que dizem algumas vozes - há, numa Loja Maçónica, muito mais a discutir do que a cor dos aventais ou a decoração do templo.

Paulo M.

23 janeiro 2008

Os meus Irmãos reconhecem-me como tal

- Meu Irmão, de onde vens?

– De uma loja de S. João, Venerável Mestre.

– Que se faz lá?

– Exalta-se a virtude e combate-se o vício.

– Que vens aqui fazer?

– Vencer as minhas paixões, submeter a minha vontade e realizar novos progressos na Maçonaria.

– Devo então presumir que és maçon?

- OS MEUS IRMÃOS RECONHECEM-ME COMO TAL!

Logo na cerimónia de Iniciação o nóvel Maçon é instruído sobre a forma de reconhecer e de ser reconhecido Maçon.

Aprende assim um determinado SINAL, um específico TOQUE, que representa o pedido da PALAVRA SAGRADA, como responder a esse pedido e que palavra é essa.

Uma razoável memória permitirá que, a partir daí, saiba como proceder para que os seus Irmãos Maçons o reconheçam como tal.

Mas esta é a mais básica das básicas noções que o nóvel Maçon recebe então quanto a esta matéria. Com efeito, mui fraco Maçon seria aquele que se limitasse a confiar em tais actos externos para que o reconhecessem como tal. Atrevo-me mesmo a dizer que só quem se tivesse limitado a passar pela cerimónia de iniciação, e mesmo assim de forma desatenta, poderia admiti-lo.

Na verdade, todos sabemos que em Maçonaria tudo é simbolicamente transmitido, o que vale por dizer que através de um translúcido véu, para que quem o receba, entrevendo, medite e, meditando, conclua e, concluindo, aprenda.

Todos sabemos que, em bom rigor, em Maçonaria nada se ensina, apenas se coloca os ensinamentos à disposição, para que quem quer saber, observe, pense e aprenda. É por isso que costumo dizer, em iconoclasta simplificação, que a Maçonaria se aprende por osmose...

Assim, aquele que quer ser reconhecido como Maçon pelos Maçons não deve limitar-se ao que explicitamente lhe foi ensinado na instrução incluída na sua iniciação.

Melhor será que não esqueça que, recém-iniciado, ainda está aprendendo a aprender e só por isso lhe deram clara e directamente o que pomposamente quem desconhece a essência da Maçonaria considera “profundos segredos”.

Assim ficará, por breves momentos o nóvel Maçon convencido que ficou sabendo “excelso segredo” mas, aprendendo a aprender, em breve aprenderá que, como já há pouco exclamei, tal “excelso segredo” não passa de uma muito básica de entre as básicas noções que deverá apreender e que irá apreendendo.

Ao invés, o que deve um Maçon fazer para que seja reconhecido como tal pelos seus Irmãos, foi-lhe transmitido, sim, na sua iniciação, mas como tudo o resto que merece ser retido em Maçonaria, de forma encoberta, indirecta, para que, em devido tempo, medite e aprenda por si, bem melhor do que se lhe fosse directamente ensinado, pois dessa forma mais trabalhosa e difícil de aprender sempre resulta que não apenas se sabe ou memoriza, antes se interioriza e compreende e só aquilo que é adequadamente interiorizado e compreendido é digno de ser tido como vero Conhecimento.

Então, que aprendi eu sobre a forma de ser reconhecido Maçon pelos meus Irmãos?

Aprendi que, para me ser dado acesso ao Templo onde meus Irmãos estavam reunidos, necessário foi que alguém em quem todos confiavam, o Irmão Experto, a todos garantisse que eu era “livre e de bons costumes”.

Livre sou e livres somos sem grande mérito nosso, com muito mérito daqueles que nos antecederam , pois de há muito que a escravatura foi abolida em nossas terras.

Mas “de bons costumes” tive de ser para merecer entrada no Templo e consequentemente de bons costumes tenho de continuar sendo, se nele quero permanecer.

Primeira conclusão pude então tirar: para ser reconhecido como Maçon pelos meus Irmãos necessário é que permaneça de bons costumes, isto é, íntegro, honesto e de modo geral cumpridor das minhas obrigações perante Deus, eu próprio, a minha família e a sociedade.

Mas se tal é condição necessária para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos, não é, porém, condição suficiente – mesmo conhecendo eu o SINAL, o TOQUE e a PALAVRA SAGRADA...

Importa assim continuar buscando este pequeno Graal, pomposa forma de referir a busca do Conhecimento que vale a pena conhecer!

E recordo então que, a dado passo, ouvi mesmo alguém dizer-me que o que estava diante de meus olhos era o símbolo da cegueira em que se acha o homem dominado pelas paixões e mergulhado na ignorância.

Meditando, pude então a segunda conclusão chegar. Para além de ser livre e de bons costumes, para ser reconhecido como maçon pelos meus Irmãos haverei que dominar minhas paixões, e não por elas ser dominado, e procurar sair da profana ignorância, isto é, utilizar os instrumentos que a Maçonaria, a Loja, o Venerável Mestre, cada um dos meus Irmãos, me vão proporcionando, para ir aprendendo, conhecendo e, sobretudo, CONHECENDO-ME, nas minhas forças, sempre poucas, e fraquezas, sempre demais.

Mais um passo avancei, mas ainda não tenho a tarefa terminada, mais caminho tenho para caminhar!

Mais adiante, ouvi ser-me dito que o homem justo era corajoso e, tendo-me sido perguntado em quem depositava eu minha confiança me ter sido sussurrada a resposta de que essa era depositada em Deus.

Pensando, conclui então minha terceira conclusão: para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos haverei que ser livre, de bons costumes, dominador de minhas paixões, justo, corajoso, conhecedor, sobretudo de mim mesmo, e crente.

Mas, atenção!, ser justo não é ser justiceiro, ser corajoso não é ser temerário, ser crente não é ser beato. É necessário, como mais adiante ouvi ser-me dito, “o justo equilíbrio de força e sensibilidade que constitui a sabedoria, isto é, a ciência da própria vida”.

Finalmente, já reconhecido como maçon, foi-me chamada a atenção para os deveres de beneficência de um maçon, mais uma vez temperados pelo justo equilíbrio, pois “a caridade deixa de ser uma virtude quando é praticada em prejuízo dos deveres mais sagrados e mais prementes: uma família a sustentar, filhos para educar, pais velhos a manter, compromissos civis a preencher”.

Meditando sobre estas noções de fraternidade e solidariedade, pude assim chegar à quarta conclusão, que tive por final: para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos haverei que ser livre, de bons costumes, dominador de minhas paixões, justo, corajoso, conhecedor, sobretudo de mim mesmo, crente, fraternal e solidário.

E tendo chegado a esta putativamente definitiva conclusão, preparei-me, para, satisfeito, descansar. Porém, ocorreu-me então que, tendo Deus descansado apenas ao sétimo dia, grande prosápia minha seria pretender poder fazê-lo após apenas quatro conclusões!

E então pensei mais, e espero que melhor, e cheguei a mais outra conclusão (que será assim a quinta...), a de que estava cometendo o pecado do orgulho ao pensar que destas meditações alguma pólvora de particular valor descobrira, pois, afinal, mais bem escrito do que eu escrevera, mais simples do que eu arrazoara, tudo está no texto por onde começámos e por onde, completando o círculo e o ciclo da busca, é asado concluir (e esta será portanto a sexta e última conclusão, a que finalmente me habilitará a descansar, sem remorso superior ao que deriva da minha reincidente prosápia de, pela segunda vez em apenas dois parágrafos, ousar comparar-me ao Criador...).

– Devo, então, presumir que é Maçon?

– Os meus Irmãos reconhecem-me como tal.

– O que é um Maçon?

– É um homem nascido livre e de bons costumes, igualmente amigo do rico e do pobre, desde que sejam pessoas de bem.

– Que significa nascer livre?

– O homem que nasceu livre é aquele que, tendo morrido para os preconceitos comuns, renasceu para a nova vida que a iniciação confere.

– Quais são os deveres de um Maçon?

- Evitar o vício e praticar a virtude.

– Como deve um Maçon praticar a virtude?

– Colocando acima de tudo a justiça e a verdade.

- Como poderei reconhecer que és Maçon?

– Pelos meus sinais, palavras e toques.

– Como interpretas essa resposta?

– Um Maçon é reconhecido pela sua forma de agir, sempre correcta e franca (sinais); pela sua linguagem leal e sincera (palavras); por fim, pela solicitude fraterna que manifesta para com todos a que se acha ligado pelos laços da solidariedade (toques).

Termino com a esperança de que os meus Irmãos não necessitem de se certificar que eu conheço os sinais, palavras e toques, para que me reconheçam como Maçon. Mas, se algum desejar interrogar-me sobre eles, que a minha memória me permita sempre responder satisfatoriamente. E, se porventura a memória me trair e eu falhar essa prova, que aquele Irmão que me interroga, em face do que conheça de mim ... apesar disso me reconheça como Maçon, pois que espero merecer sempre poder dizer que

OS MEUS IRMÃOS RECONHECEM-ME COMO TAL!

Rui Bandeira

22 janeiro 2008

A prancha de Aprendiz

Para o Aprendiz que se entrosou no grupo e que vem fazendo o seu trabalho, com assiduidade e diligência, chega sempre um momento em que um Mestre – por regra o 2.º Vigilante, mas pode ser qualquer Mestre -, no meio de uma descontraída conversa, a propósito ou aparentemente a despropósito, lança, como quem não quer a coisa, a pergunta: - Então, já escolheste o tema da tua Prancha?

Este é o primeiro sinal que é dado ao Aprendiz que os Mestres da Loja entendem que o seu trabalho está a ser frutífero e que se aproxima a hora de novo avanço. O tempo da integração e da adaptação decorreu e está próximo de terminar, o tempo de progredir está-se a aproximar. Não quer isto dizer que a progressão, o avanço esteja já aí ao virar da esquina. Não é incomum, pelo menos na Loja Mestre Affonso Domingues, que, entre o momento em que o Aprendiz é incentivado a começar a elaboração da sua prancha e aquele em que deixará de ser Aprendiz medeiem uns bons seis meses, ou mesmo mais. É que, entre o primeiro incentivo ao Aprendiz à elaboração por este de uma prancha e a conclusão por este da dita, vai seguramente decorrer algum tempo. E depois há que agendar a sua apresentação em Loja. E, decorrida esta, haverá que aguardar pela ocasião propícia para a Passagem do Aprendiz à fase seguinte do seu percurso maçónico. E já neste espaço deixei consignado (por várias vezes) que pressa e maçonaria não ligam bem...

A elaboração pelo Aprendiz de uma Prancha é essencial para possibilitar o seu avanço de grau. A Prancha do Aprendiz é como que o relatório do seu trabalho, o registo da sua mudança, a exposição da sua evolução, patenteados perante a Loja. Não é um exame – o Aprendiz não tem que provar a sua proficiência em Simbolismo, Aperfeiçoamento e Artes e Ofícios Correlativos... Aliás, tudo o que o Aprendiz tem de provar, tem de o fazer a si próprio, apenas e tão só, e a mais ninguém. Se ele quiser lograr alguém, só ele será enganado, mais ninguém...

A Prancha do Aprendiz é, antes do mais e para além de tudo o mais, apenas mais um trabalho que este deverá executar. Com a diferença que este se destina, não apenas ao interior de si próprio, mas também a ser apresentado, escrutinado, apreciado em Loja.

O essencial interesse da Prancha de Aprendiz é a sua feitura. Mais uma vez, o que interessa é o percurso, não a meta. Também aqui o essencial é o trabalho que o Aprendiz realiza e não propriamente o seu resultado final. Há Pranchas de Aprendiz belas e vulgares. Enciclopédicas e triviais. Extensas e breves. Profundas e superficiais. Enfeitadas e toscas. Literatas e simples. Imaginativas e insossas. Há de tudo. Não importa. O que importa é o investimento pessoal que o Aprendiz fez na sua elaboração e, com ele, o que aprendeu, o que sistematizou, a aresta que limou.

Apresentada que esteja a prancha, ela é sempre, na Loja Mestre Affonso Domingues, objecto de apreciação e comentário dos Mestres presentes. Normalmente, todos os Mestres, ou quase, se pronunciam. E todos os que o fazem, qualquer que seja o nível da prancha, do mais esplendoroso e credor de admiração, ao mais simples, nos seus comentários lobrigam algo de positivo, algo de bom, e algo de negativo, algo susceptível de melhoria. Pode o trabalho ser objecto dos mais entusiásticos encómios – mas não deixará de ver apontado um, insignificante que seja, aspecto em que se declara que podia ser ainda melhor. Pode o trabalho sofrer as mais ferozes críticas – mas não deixará de se realçar, por minúsculo que seja, o aspecto merecedor de uma referência elogiosa. Porque todo o trabalho dedicadamente feito merece encómios e nenhum trabalho humano é perfeito. Porque foi feito e apresentado por um dos nossos. E os nossos têm de nós sempre o elogio misturado com a censura, para que nunca sucumbam à tentação de subir às alturas que causaram a queda de Ícaro; e os nossos merecem de nós sempre a crítica lúcida, verdadeira e leal, mas sempre temperada com o incentivo do nosso reconhecimento do que de bom é feito e da sua capacidade de fazer melhor.

Normalmente, as três últimas intervenções são, respectivamente, do 2.º Vigilante (o Mestre responsável pela Coluna dos Aprendizes) – que termina a sua intervenção declarando que entende que o Aprendiz está pronto para avançar para o grau seguinte -, do 1.º Vigilante (o Mestre responsável pela Coluna dos Companheiros) – que termina a sua intervenção manifestando a sua disponibilidade para receber o Aprendiz que apresentou a Prancha na sua Coluna – e do Venerável Mestre – que sintetiza tudo o que foi dito, anunciando que oportunamente se procederá ao aumento de salário (isto é, à passagem de grau) do autor da prancha.

Assim se declara o reconhecimento da Loja da evolução que o Aprendiz teve desde que foi iniciado. Assim funciona e trabalha a Loja Mestre Affonso Domingues. E não nos temos dado mal com o sistema...

Rui Bandeira

08 janeiro 2008

Prancha

Na Antiguidade, a especialização era muito menor. O Mestre Construtor era uma mistura de arquitecto, mestre de obras, engenheiro, paisagista, decorador de interiores, canteiro, escultor, metalúrgico, enfim, parte daquilo que as nossas mulheres ainda hoje pretendem que nós sejamos lá em casa...

Na Idade Média e no Renascimento, as corporações de construtores em pedra também tinham estruturas (Lojas) dirigidas por Mestres construtores, que exerciam as funções de arquitecto, engenheiro e director de obra, além de assegurar também as de gestor e formador.

Como hoje, a construção de uma edificação que ultrapassasse a rusticidade implicava a prévia laboração de um mais ou menos complexo e detalhado projecto. O desenho desse projecto era, na falta de papel, executado em material durável, transportável, leve, que se transportava enrolado e que se consultava estendido sobre e preso a uma prancha de madeira. Mesmo a própria acção de desenhar o projecto era efectuada com o suporte do desenho colocado sobre e preso a uma prancha. Ali se desenhavam os planos da obra, ou, utilizando a linguagem da época, se traçavam os planos. E a prancha sobre a qual os planos eram traçados era denominada, naturalmente, a prancha de traçar.

A prancha de traçar era, pois, um indispensável instrumento do Mestre Construtor e o símbolo da sua actividade. Era o Mestre quem traçava, não os restantes operários da construção, pelo que a prancha de traçar era o instrumento do Mestre. Sempre que era preciso detalhar qualquer aspecto da obra, desenvolver qualquer solução, o Mestre ia à prancha traçar o trabalho.

A língua evolui. Uma mera questão de tempo mediou a passagem entre a expressão “ir à prancha” (traçar um projecto, desenhar um detalhe) e “fazer uma prancha”. E, quando se faz uma prancha, então a “prancha” é o trabalho feito.

A Maçonaria Especulativa herdou e desenvolveu as tradições vindas da Maçonaria Operativa, das Corporações de Construtores. Assim, na Maçonaria Especulativa o instrumento próprio do Mestre Maçon é a prancha de traçar. E o trabalho que o Mestre maçon executa e apresenta em Loja é uma “prancha traçada”. Abreviadamente, uma “prancha”.

Mas, embora sejam os Mestres quem tem a obrigação de zelar pela formação de todos os obreiros (incluindo a dos outros Mestres e a deles próprios, pois um Mestre maçon deve considerar-se um eterno aprendiz), não são só os Mestres quem apresentam trabalhos em Loja. Companheiros e Aprendizes também o fazem, como demonstração dos seus progressos na Arte Real. Todo o trabalho apresentado em Loja se denomina uma prancha. E é irrelevante para essa denominação a natureza do trabalho: pode ser um texto ou uma obra de arte, uma música ou uma peça em pedra. O que importa é que se trate de um trabalho de um maçon para maçons, que se destine a testemunhar ou a colaborar no aperfeiçoamento individual ou colectivo.

Pode ser sobre matéria de exposição ou interpretação simbólica, pode ser uma reflexão filosófica, uma manifestação artística, uma exposição científica ou uma mera divulgação factual. Feita por maçon para maçons e apresentada em Loja é uma prancha.

Rui Bandeira