03 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXII

Todos os Irmãos de todas as Lojas de Londres, Westminster e arredores deverão reunir Anualmente e celebrar em lugar conveniente, no Dia de São João Batista ou no Dia de São João Evangelista, como a Grande Loia ache mais adequado em nova regra; a Grande Loja tem, nos últimos anos, reunido no Dia de São João Batista, mas a maioria dos Mestres e Vigilantes, com o Grão-Mestre, seu Vice Grão-Mestre e Grandes Vigilantes têm de acordar, numa Reunião Trimestral, três meses antes, que a celebração se realizará, bem como uma Reunião Geral de todos os Irmãos. Se o Grão-Mestre ou a Maioria dos Mestres de Loja forem contra, aquela será cancelada nesse ano. 
Mas havendo uma festividade para todos os Irmãos, ou não, ainda assim a Grande Loja deve reunir-se anualmente em lugar conveniente no Dia de São João, ou, se for domingo, no dia seguinte,para escolher cada ano um novo Grão-Mestre, Vice Grão-Mestre e Vigilantes.

Esta regra deriva, claramente, da Maçonaria Operativa. Já no final da Lenda do Ofício, quando esta se refere ao tempo do rei saxão Athelstan, o Glorioso, que reinou entre 924 e 939 e foi considerado o primeiro rei inglês de facto, se refere que o seu alegado filho (uma inconsistência histórica, pois Athelstan não teve filhos) Edwin gostava dos Maçons muito mais do que o seu pai. E era um grande praticante da Geometria; e dedicou-se muito a falar e a confraternizar com Maçons e a aprender a sua ciência; e depois, pelo amor que dedicava aos Maçons e à ciência, ele foi feito Maçom, e obteve do rei seu pai uma carta-patente para realizar todos os anos uma assembleia, onde lhes conviesse, no reino de Inglaterra.

O conjunto dos elementos das Lojas operativas inglesas reunia-se anualmente, para serem dirimidos conflitos e uniformizadas práticas.

Esta prática transmitiu-se para a Maçonaria Especulativa que, formalizada em reunião de quatro Lojas de Londres e Westminster ocorrida no dia de São João Batista  de 1717, manteve o uso da reunião anual de Grande Loja, em regra no dia de São João Batista, ou perto dele.

A regra ainda estipula que essa reunião anual poderia ser no dia de São João Batista (24 de junho) ou no dia de São João Evangelista (27 de dezembro). A aproximação às datas solsticiais é evidente. Com o decorrer do tempo, veio a festividade anual da Maçonaria a fixar-se por volta do solstício de verão, já que as festividades do solstício de inverno acabam por ser absorvidas pelas festividades natalícias nos países maioritariamente cristãos.

Nos tempos operativos e nos primeiros tempos da Grande Loja de Londres e Westminster, a assembleia anual destinava-se a reunir todos os maçons. O grande crescimento da Maçonaria tornou impossível que assim continuasse a suceder, passando a assembleia anual da Grande Loja a ser mais uma das reuniões trimestrais da Assembleia de Grande Loja, formada pelos representantes designados pelas Lojas, apenas com uma maior solenidade e festividade.

A Assembleia anual pelo dia de São João Batista era também a ocasião para a eleição do Grão-Mestre, do Vice Grão-Mestre e dos Grandes Vigilantes. A evolução sofrida pela Maçonaria com a sua expansão pelo mundo veio a alterar significativamente esta regra: em muitas Obediências, o Vice Grão-Mestre e os Grandes Vigilantes deixaram se ser eleitos, passando a ser designados pelo Grão-Mestre (em contrapartida, emergiu a importância de um ofício administrativo que, por razões que parecem evidentes, passou, em muitas Obediências, a ser um ofício preenchido por eleição: o Grande Tesoureiro). Em muitas Obediências, o mandato deixou de ser anual, passando a ter duração variável, entre dois e cinco anos - mas não na generalidade das Obediências norte-americanas, que mantém a duração do mandato de Grão-Mestre como anual. Também a dispersão geográfica, os usos e costumes de cada país, as diversas condições climáticas, enfim, uma multitude de fatores, vieram a originar que a eleição do Grão-Mestre não ocorra necessariamente no solstício de verão.

Mas a Assembleia ocorrida por volta do dia de São João Batista, por volta do solstício de verão no hemisfério norte (de inverno, no hemisfério sul) continua a ser a ocasião mais festiva globalmente na Maçonaria.

Uma tradição comum mas adaptável em função das circunstâncias, dos locais, dos costumes, das necessidades, tem-se revelado uma poderosa força de união dos Maçonaria.

Finalmente, uma outra nota. Os maçons têm como objetivo o seu aperfeiçoamento pessoal, num esforço individual  beneficiando do auxílio e da contribuição do coletivo. É um permanente trabalho de construção, uma incessante e laboriosa tarefa. Mas os maçons também sabem que a Vida não é só composta de esforço, de labuta, de trabalho. Também o descanso, o ócio, os momentos de festa e confraternização, são importantes, quer para restaurar as forças de cada um, quer para fortalecer os laços de amizade, de camaradagem, de fraternidade. Há tempo e lugar para tudo, para o trabalho e para o ócio, para a labuta e para a festa, para o esforço e para a confraternização. Por isso os maçons também estabeleceram e mantiveram regra prevendo a existência da festa para ser em comum fruída.

Os maçons são homens bons que querem tornar-se melhores, mas são, sobretudo, homens! 
 
 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

01 outubro 2012

Integração e tolerância



Uma adolescente muçulmana de 12 anos de idade, vivendo em Frankfurt, requereu a um tribunal alemão a dispensa das aulas de natação, alegando desconforto em estar tão perto de rapazes em tronco nu. De acordo com o seu advogado, o Corão não só a proibiria de se mostrar aos rapazes como de ver os rapazes despidos da cintura para cima.

Na passada sexta-feira o tribunal  emitiu a sentença, na qual recordou que ela poderia usar um fato de banho de corpo inteiro - já usado, aliás, por outras colegas da mesma escola - o que seria garante suficiente da sua liberdade religiosa. Por outro lado, notou que a família - original de Marrocos - escolhera viver na Alemanha, onde as aulas de natação mistas são a norma. Remeteu, por fim, para uma sentença do tribunal constitucional alemão, de acordo com a qual  um dos propósitos do sistema escolar seria a promoção da integração e da tolerância. Por tudo isto recusou a pretensão da requerente, tendo esta que suportar a vista dos colegas nos seus fatos de banho.

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Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram na génese da maçonaria especulativa, é natural que os maçons tenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, se perguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância, receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quais contraditórias - e é bom que assim seja. A tolerância decorre da diversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: só faz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.

É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nos identificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastar dos que não se nos assemelham. A própria origem das espécies decorrerá dessa tendência de agremiação de seres mais semelhantes entre si mas um pouco diferentes de outros, mesmo quando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimento de seres diferentes - porventura portadores de uma mutação genética, ou doentes - e o afastamento dos mesmos poderá servir de  mecanismo de preservação das populações.

Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismo de defesa, de repulsão de um ataque - tenha este de facto decorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Neste sentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que pode destruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão a própria diferença independentemente dos atos cometidos é um comportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bem que inaceitável num ser humano.

Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemos consciência da dualidade da nossa natureza - animais por um lado, racionais pelo outro - e saibamos tirar o melhor partido de ambas as facetas da mesma. Pois que se, por um lado, o "instinto animal" nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só uma mente racional nos pode levar até à plenitude da nossa humanidade.

Tolerar a intolerância sob o argumento de que "é natural" só é aceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quanto desenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todos diferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, é uma atitude tão mais importante quanto mais populado está o nosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmente miscigenado este se vai inexoravelmente tornando.

Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo de qual...) de que retive uma frase: "Um homem sábio não pode ser insultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não merece atenção." Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinho que guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça no meu escritório durante anos. 

Curiosamente, o presidente Obama disse há dias uma coisa parecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade de expressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nas nossas sociedades - nos chamados "Estados de Direito" - a lei estabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguais perante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado a fazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as "regras da casa" de uma sociedade, estipulando o que é e não é aceitável. 

Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir a diferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somos todos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História, quer o facto de que mesmo na população mais homogénea há diferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitar a diferença - e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agir sobre os outros - tornando-os iguais a nós mesmos ou suprimindo-os - ou pretender agir sobre nós mesmos - aceitando os outros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo a tolerância tal como a maçonaria no-la transmite: como uma  deliberada indiferença perante a diferença. Não, não é instintivo - mas aprende-se.


Paulo M.

26 setembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXI

Se o Grão-Mestre morrer durante a sua gestão, ou, por doença, por estar além-mar, ou qualquer outro motivo, ficar incapacitado de exercer a sua função, o Vice Grão-Mestre ou, em sua ausência, o  Primeiro Grande Vigilante, ou em sua ausência o Segundo Grande Vigilante, ou em suas ausências, quaisquer três Mestres de Lojas, deverão reunir-se e convocar a Grande Loja imediatamente, para que, juntos, possam analisar esta emergência, e enviarem dois dos membros para convidar o último Grão-Mestre a reocupar o cargo em curso, passando a ocupá-lo; ou se este recusar, então o antepenúltimo, e assim por diante. Mas se nenhum antigo Grão-Mestre for encontrado, então o seu Vice Grão-Mestre deve exercer o cargo, até que outro Grão-Mestre seja escolhido; e se não houver nenhum Vice Grão-Mestre, então o mais antigo Mestre desempenhará essa função.

Esta regra regulava a substituição temporária do Grão-Mestre, por sua morte ou outro impedimento definitivo, até à eleição e instalação de novo Grão-Mestre.

Foi concebida nitidamente com o propósito de prever todas as possibilidades, evitando qualquer vazio de poder e, pela minúcia da sua estatuição, prevenindo conflitos sobre quem temporariamente assegurava os destinos da Fraternidade.

Note-se bem que a regra prevê apenas a forma temporária de substituição do Grão-Mestre falecido ou definitivamente impedido, bem como o objetivo dessa substituição. Não era, pois, aceite a possibilidade de substituição definitiva até ao termo do mandato.

Estatuiu-se uma precisa e detalhada ordem de substituição temporária, que seria assegurada, em primeiro lugar, pelo Vice Grão-Mestre; na falta ou impedimento deste, o encargo seria assumido pelo Primeiro Grande Vigilante; mas, na falta ou impedimento deste, interviria o Segundo Grande Vigilante; na improvável falta ou impedimento de todos estes, avançaria então um coletivo composto por quaisquer três Veneráveis Mestres de Lojas.

Qual a função destes substitutos? Unicamente uma: convocar a Assembleia de Grande Loja (e, logicamente, assegurar a gestão corrente até à realização desta).

Uma vez desaparecido ou impedido o Grão-Mestre eleito pela Grande Loja, era a esta, titular originária dos poderes conferidos - e só a esta - que incumbia resolver o problema. Essa resolução ocorria em dois tempos: num primeiro tempo, assegurar a gestão corrente até à realização da Assembleia de Grande Loja que iria proceder à eleição do novo Grão-Mestre; no segundo, essa mesma eleição.

Porquê esta necessidade de duas Assembleias de Grande Loja, uma para designar um gestor provisório e outra para efetuar a eleição? Porque o processo eleitoral necessariamente que demorava algum tempo, com prazos de apresentação de candidaturas, esclarecimento do corpo eleitoral pelos possíveis vários candidatos, execução das operações materiais inerentes a qualquer eleição séria, e se pretendia que, quer a gestão corrente, durante esse período, quer a própria organização do processo eleitoral decorresse sob a égide de alguém especificamente mandatado para tal, expressamente dotado de poderes e confiança pela origem de toda a autoridade maçónica, a Assembleia de Grande Loja.

A regra indica desde logo quem a Assembleia de Grande Loja deve designar para essa função temporária, um dos Antigos Grão-Mestres, com uma ordem de preferência indo do mais recente para o mais antigo. Só na falta, de todo em todo, de Antigo Grão-Mestre disponível para assegurar o encargo, este seria assumido pelo Vice Grão-Mestre em funções ou, em último caso, pelo Venerável Mestre mais antigo (disponível, subentende-se).

Porquê esta opção em detrimento dos Oficiais em funções? E porquê a necessidade de convocação e realização de uma Assembleia de Grande Loja apenas para designar o titular provisório da função, se a norma é tão detalhada na designação de quem a devia exercer e na ordem de precedência e substituição para o efeito?

Quanto à preferência pelos Antigos Grão-Mestres, resolvia uma questão de confronto de legitimidades. Por um lado, os Grandes Vigilantes eram eleitos, tal como o Grão-Mestre, enquanto que o Vice Grão-Mestre era apenas designado pelo Grão-Mestre; mas, pelo outro, aquele era hierarquicamente a segunda figura da Obediência e da confiança do Grão-Mestre eleito. Já na regra XVI se regulara, cautelosamente, a forma de solucionar possíveis conflitos entre os Grandes Vigilantes e o Vice Grão-Mestre. A solução acolhida evitava e escolha entre a legitimidade decorrente da confiança depositada pelo Grão-Mestre eleito (e falecido ou impedido) e a legitimidade eleitoral dos Grandes Vigilantes, fazendo apelo aos "senadores", aos Antigos Grão-Mestres, que o foram por ter sido eleitos para tal e que tinham já experiência de administração da Grande Loja, podendo assim assegurar facilmente um período transitório de substituição. Só na (improvável) hipótese de não haver um Antigo Grão-Mestre disponível, em nítido último caso, a regra se resigna a escolher, optando pelo Vice Grão-Mestre - com alguma lógica, dado que se trata de solução transitória, para assegurar a continuidade do que se vinha fazendo, até à obtenção da solução definitiva, pela legitimidade eleitoral.

Quanto à necessidade de realização de uma Assembleia de Grande Loja intercalar, a meu ver decorria de dois pressupostos. Por um lado, assegurar a transparência da substituição provisória: a verificação do cumprimento da norma e dos sucessivos requisitos e ordem de substituição era publicamente feita perante a Assembleia. Por outro, conferia-se legitimidade da Assembleia ao gestor provisório.

Modernamente - também porque a evolução das comunicações o propicia -, o sistema é simplificado: o Vice Grão Mestre, ou o Primeiro Vice Grão-Mestre, quando haja mais de um, ou ainda o mais antigo dos Vice Grão-Mestres, assume a condução provisória da Fraternidade até à eleição, cujos termos e processo já estão previamente previstos e regulamentados.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

21 setembro 2012

As ondas da fortuna



Um dia, passeando junto ao mar, aproximei-me de uma falésia com as minhas filhas, e mostrei-lhes as ondas revoltosas que fustigavam as rochas. Perguntou-me uma delas sobre aquelas enormes pedras: "Alguém as pôs ali? De onde vieram?". Expliquei-lhe que por debaixo do chão que pisávamos havia terra, areia, pedrinhas pequenas, argilas, e algumas pedras grandes. As ondas do mar e as marés iam corroendo a base da falésia, fazendo desabar partes desta, e dissolvendo depois as partículas menores em areia e em pó. Era daí que vinham as pedras.

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Um maçom tem como principal objetivo tornar-se numa pessoa melhor. É para isso que a maçonaria existe: para tornar homens bons ainda melhores. Melhores não em termos absolutos, mas cada um relativamente melhor do que era antes, aos seus próprios olhos, e em face da sua própria realidade. Os objetivos de cada um, as estratégias de progresso, os critérios de sucesso, a cada um pertencem. É inútil tentarmos quer traçar quer percorrer o caminho do outro; em maçonaria cada um faz o seu próprio caminho. E, quando há vontade e meios, que fantásticos caminhos podemos percorrer!

Que bem nos sentimos quando a vida nos sorri! Nesses momentos sentimo-nos capazes de tudo, sentimo-nos os melhores homens da Terra, e juramos para connosco que estaremos sempre acima das vilezas da vida. Como é bom subir - e estar em cima! Como é gratificante sentirmo-nos bem connosco mesmos! O esforço paga-se a si mesmo, a consciência do progresso redobra-nos as forças, e ganhamos ânimo para sermos ainda melhores, e capazes de tudo.

Porém, tal como nas marés, a cada subida se segue uma descida. Quando a vida se torna mais dura e o sorriso menos espontâneo é, de repente, muito mais difícil manter o rumo ascendente e tornarmo-nos melhores a cada dia que passa. Pelo contrário, tudo ao nosso redor nos puxa para baixo, como o mar nos arrasta para o largo quando a maré desce. E quantas vezes damos por nós a lutar desesperadamente não por nos tornarmos melhores, mas apenas por não nos tornarmos piores!... Os tempos duros não melhoram os indivíduos; no entanto, dão mais realce aos melhores - àqueles que não se deixam levar pelas ondas.

São homens firmes, voluntariosos, obstinados, fazendo finca-pé perante as adversidades, quem serve de facto de apoio aos mais vulneráveis, quem mantém as sociedades coesas, e quem mais contribui para suportar os grandes embates da História. Orgulha-me saber que muitos destes homens foram maçons, que trabalharam integrados nas suas lojas, que nelas cresceram apoiados nos que os precederam, e foram suporte dos que vieram depois. Ser assim mesmo, composta de uns maiores, outros mais argilosos, outros mais ásperos, mas acima de tudo de gente diferente, é o que dá solidez a uma loja.

E saber que seremos todos, no fim, (des)feitos em areia e pó na implacável voragem das ondas, não restando memória das pedras que outrora tenhamos sido, nada ficando a longo prazo de legado ao futuro, tranquiliza-me em certa medida: faz com que cada homem não valha senão por si mesmo, aos seus próprios olhos, e à luz da sua própria consciência.

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Na base da falésia restavam apenas as grandes pedras que o mar não conseguira ainda vencer. Onda após onda, maré após maré, mesmo estas viriam a soçobrar - mas não já. Pois enquanto estas se perfilassem no seu posto, a falésia estaria mais protegida da fúria inconstante do oceano. Sem elas a falésia não existiria. Mesmo quando fossem quebradas ou arrastadas, outras mas novas viriam tomar o seu lugar, vindas mais de cima, ou mais do interior. E quando, por fim, um dia a falésia deixar de existir, o mar, cansado de não ter mais onde bater, espalhará pelas praias do mundo tudo o que dela restou.


Paulo M.

19 setembro 2012

Jorge Silveira (1953-2012), maçom breve

Conheci o Jorge precisamente no dia 23 de novembro de 2011. Foi esse o dia em que o Jorge foi iniciado Aprendiz Maçom na Loja Mestre Affonso Domingues. Antes desse dia, Jorge Manuel Maciel da Silveira fora apenas um nome numa ficha de candidatura lida e aprovada em Loja para prosseguimento do normal processo de candidatura e, depois, o nome da pessoa retratada nos relatórios dos inquiridores que sobre ele se informaram e, tendo concluído tratar-se de um homem livre e de bons costumes, com sincero desejo de se aperfeiçoar, recomendaram a sua admissão às provas da Iniciação.

Nessa noite de inverno, conheci um homem alto e bem constituído, um pouco mais velho do que eu, que realizou as suas provas de Iniciação com naturalidade e que, no convívio que se seguiu no final da sessão (quando não há uma segunda oportunidade para uma boa primeira impressão...) se confirmou um homem calmo, ponderado, com muita vida já vivida, e se revelou, sobretudo, como um homem sorridente. 

É esta a primeira recordação que tenho do Jorge, o sorriso afável que, natural e frequentemente, surgia no seu rosto. Muito cinquentão, já não muito longe das seis décadas de vida, mantinha a capacidade de sorrir, o espírito de humor - descobri mais tarde que uma saudável ironia era frequente expressão dele -, a afabilidade que normalmente encontramos naqueles que estão de bem consigo próprios.

Se a primeira tarefa de um Aprendiz é a da sua integração no grupo, o Jorge efetuou-a com facilidade e distinção. Um par de sessões, um par de convívios, chegou e sobejou para que o Jorge fosse mais um dos nossos. Não havia dúvidas de que era um bom homem, com bom caráter, interessado e de fácil trato. Rapidamente entrou no ritmo: atento nas reuniões, nelas fazia o que se espera que um Aprendiz faça - ouvir, observar, aprender; fora delas, era também o que de melhor havia a esperar - afável, descontraído, participativo, perguntava quando devia perguntar, comentava a propósito, confraternizava com facilidade. Com muita facilidade e rapidez começaram a tecer-se laços de amizade, em especial - e como seria de esperar - com alguns dos Aprendizes com quem partilhava trabalhos, expetativas, esforços.

Na hora de trabalhar, disse-me o Segundo Vigilante, era sério e esforçado e evoluía com rapidez e segurança. Rapidamente atingiu o patamar em que se lhe começava a perguntar se já escolhera o tema da sua prancha de Aprendiz e se incentivava a que a elaborasse e apresentasse. Não haveria qualquer surpresa na sua Passagem a Companheiro, que certamente ocorreria neste ano maçónico de 2012/2013. Como se antevia que, também sem sobressaltos de maior, evoluiria até à sua Elevação a Mestre e se perspetivava que viria a ser um bom Mestre, que bem faria o seu papel na Loja.

Quis o Grande Arquiteto  que assim não viesse a acontecer. Já em setembro, mas ainda antes da primeira sessão do ano, surpreendeu-nos a todos a notícia da sua passagem para o Oriente Eterno. O Jorge já uns dias antes confidenciara a um de nós que algo não ia bem, que uma dor no peito intermitente, mas fugazmente, o incomodava. Infelizmente,o Jorge não deu a atenção que devia ao assunto, não tratou de pôr o seu médico a par da situação com a presteza que era aconselhável e não reconheceu a natureza do sinal que o seu corpo dava. E assim a sua hora de conhecer o Grande Mistério chegou. 

Foi, em menos de um ano, o terceiro obreiro que a Mestre Affonso Domingues viu partir! E, se todos cremos que essa partida é também a entrada numa nova etapa do caminho, isso não torna menos dolorosa a separação: todos os que acenaram a um familiar ou amigo da borda de um cais ou no átrio de um aeroporto o sabem. 

Tivemos a dita de poder conviver com o Jorge durante alguns meses. Ficámos com pena de só termos convivido com o Jorge durante alguns meses. O tempo em que o Jorge integrou a Loja Mestre Affonso Domingues foi breve, mas foi intenso e proveitoso e gratificante.  

O Jorge Silveira foi um maçom breve. Mas - que ninguém o duvide - quando partiu, partiu um dos nossos. 

Rui Bandeira 

 

14 setembro 2012

A estória de muitas histórias.


Eu, que sou um novo maçom, ainda em início de percurso, habituei-me desde o primeiro dia, a escutar, atentamente, as estórias da história da  RL Mestre Affonso Domingues .


A nossa história está publicada em livro e aqui no A Partir Pedra, qualquer pessoa, iniciado ou profano a pode conhecer, basta querer e saber encontrá-la! 

No entanto, o que me ressalta neste momento o espirito é o ver, com “olhos de ver”, como se diz na gíria comum, que o que aconteceu é verdade.

A (re)união de dezembro passado permitiu isso.

É o constatar da verdade, da prática, do viver a maçonaria.

Numa Loja, como é a  RL Mestre Affonso Domingues , é normal e prática recorrente, voltar ao passado, não para o recordar, é passado, passou, mas recorremo-nos dele muitas vezes, porque com ele aprendemos, soubemos interpretá-lo e acima de tudo não temos vergonha alguma de o termos vivido. O saudosismo não nos alimenta o futuro, traz-nos apenas a certeza do que gostaríamos de repetir e o que não iremos repetir, no futuro, com toda a certeza.

Não fui eu que o vivi, foram os Mestres de outros tempos, Mestres esses, que também eles, ainda hoje, tomam lugar nas colunas em sessões de Loja, são os Mestres que ensinam, mestres como eu, quem foi e quem é, realmente a  RL Mestre Affonso Domingues . Que me ensinam a mim e a outros, novos como eu, o que é realmente a Maçonaria.

A estória das histórias da  RL Mestre Affonso Domingues , estamos a vivê-la no presente, estamos a assistir de sessão em sessão, a momentos muito significativos em Maçonaria, a momentos históricos, a sessões históricas, carregadas de simbolismo emocional. Sabia, meu caro leitor que, os homens também choram? Claro que sabia, mas sou “obrigado” a fazer esta referência.

A (re)união permitiu-nos esta etapa da nossa vivência maçónica, o restabelecer, da Maçonaria Regular em Portugal, trouxe-nos esta felicidade que é, como obreiros da  RL Mestre Affonso Domingues , viver o passado no presente e poder compreender um pouco melhor o que realmente aconteceu em determinados momentos da história da Maçonaria Regular em Portugal nos últimos 25 anos.

Em sessão, através das palavras proferidas e sobretudo escutadas, somos automaticamente transportados para o passado, como se estivéssemos todos a vivê-lo, passando um rápido olhar pelos obreiros presentes nas colunas e atribuir a determinados nomes, ouvidos desde sempre, um rosto, é e só pode ser a prática maçónica em toda a sua essência.

Há mais I:. (ainda) por regressar a uma casa que é e será sempre a sua…e em breve, muito em breve, tudo estará, justo e perfeito!

E ainda melhor, são aqueles que um dia partiram e que hoje voltaram, olharem para um novo rosto, como o meu, dizerem:

- Olá Meu Irmão, estás bom?

Daniel Martins 

12 setembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XX

O Grão-Mestre, com seu Vice-Grão-Mestre e Vigilantes, deve (pelo menos uma vez) visitar todas as Lojas da cidade durante a sua gestão.

Esta norma ainda hoje é seguida, embora, obviamente, devidamente adaptada ao grande crescimento da Fraternidade.

A regra de 1723 vigorava para uma Grande Loja cujo âmbito territorial abrangia a cidade de Londres e  Westminster e que agregava, então, vinte Lojas. A exigência de que o Grão-Mestre, acompanhado de uma comitiva que incluísse, pelo menos, o Vice-Grão-Mestre e os Grandes Vigilantes, visitasse todas as Lojas no decorrer do seu mandato era perfeitamente razoável e compreensível.

Hoje, as Grandes Lojas têm um âmbito estadual e dezenas, centenas e, nalguns casos (UGLE, designadamente), milhares de Lojas. É obviamente impossível cumprir-se esta determinação nos seus precisos termos.

No entanto, o cumprimento do espírito da mesma permanece, com as adaptações quea realidade impôs: em vez de uma obrigatória comitiva de Grandes Oficiais, distribui-se  o esforço entre vários Grandes Oficiais, designadamente o Grão-Mestre. o Vice ou os Vice-Grão-Mestres e os Grandes Inspetores dos Ritos. No decurso de cada mandato do Grão-Mestre, cada Loja deve receber, pelo menos, uma visita de um destes Grandes Oficiais. Em algumas Obediências introduziu-se ainda outra variante: criaram-se Grandes Lojas Provinciais, com Grão-Mestres Provinciais e Grandes Oficiais Provinciais, cada uma abrangendo uma parcela do território e uma parte das Lojas da estrutura principal e essa obrigação é assegurada pelos Grandes Oficiais Provinciais, cabendo ao Grão-Mestre estadual visitar, pelo menos uma vez no decorrer do seu mandato, todas as Grandes Lojas Provinciais.

Esta determinação visa dois objetivos essenciais. Por um lado, a manutenção de laços de proximidade e fraternidade entre a base e o topo, entre o maçom da Loja e os mais altos responsáveis da Fraternidade. Não se esqueça que a Fraternidade Maçónica é uma instituição que prega e vive e pratica o essencial conceito da Igualdade. O Grão-Mestre e o mais recente Aprendiz são eminentemenete iguais, simplesmente um tem obrigações amplas de gestão da instituição e o outro está na fase inicial da sua vivência maçónica. O convívio entre iguais, ainda que em estádios diferentes, é fomentado, é acarinhado, é praticado. Por outro, estas visitas permitem a avaliação da forma e qualidade de trabalho das Lojas, detetando eventuais variantes ou falhas ou "acrescentos" rituais que devem ser corrigidos, avaliando o estado de saúde da Loja, permitindo a tomada de medidas que fortaleçam uma Loja porventura em dificuldades, enfim ajudando a que seja corrigido o que deva ser corrigido, melhorado o que houver para melhorar, sincronizado o que houver a sincronizar.

O essencial é que tudo decorra num ambiente de sã fraternidade, de reconhecimento e respeito mútuo entre as várias posições, enfim, dentro dos valores maçónicos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

05 setembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIX

Se o Grão-Mestre abusar de seu poder e se mostrar indigno da obediência das Lojas, o caso deve ser tratado da maneira que vier a ser definida em nova regra; já que até ao momento esta antiga Fraternidade não teve necessidade de tal, já que os Grão-Mestres se têm comportado de acordo com esse honroso cargo.

Esta é uma regra deliciosa! Em bom rigor, é uma regra a dizer que não há regra e que, se for preciso, cria-se então a regra! Note-se bem: nunca um Grão-Mestre abusou do seu poder e se mostrou indigno da obediência das Lojas; por isso, não há regra para tratar dessa eventualidade; porém, se um dia algum Grão-Mestre abusar do seu poder e se mostrar indigno da Obediência das Lojas, então, nessa altura, decidir-se-á como tratar do assunto e criar-se-á a regra que se entender adequada.

Esta disposição soa estranha a quem está habituado a um sistema jurídico composto por leis, por normas, previamente fixadas, que abstratamente regulam as situações possíveis, resolvendo-se os casos concretos em função da previsão das normas existentes e aplicáveis - os países de tradição jurídica europeia continental e latino-americana.

Mas os ingleses criaram e habituaram-se a viver num sistema de regras, num sistema jurídico, conhecido como common law, em que é importante o sistema de precedente, isto é, cada problema concreto, na falta de uma regra que diretamente regule a situação, é resolvido em função de decisões concretas que anteriormente tenham sido tomadas para resolvercasos similares.

O sistema de common law tem muito menos leis e normas e regulamentos do que os sistemas jurícos do tipo continental. Em contrapartida, necessita de registar cuidadosamente todas as decisões regulatórias de conflitos que sejam tomadas, para possibilitar a busca de precedentes aplicáveis a um dado conflito específico, a uma qualquer situação concreta. É, se quisermos, um sistema que faz um grande apelo à faculdade do bom senso.

Tendo em atenção esta particular forma de regulação da vida em sociedade, já se nos afigura consideravelmente menos estranha, e, de alguma forma, até lógica, esta regra: se nunca aconteceu nesta antiga Fraternidade que um Grão-Mestre abusasse do seu poder, então nunca foi preciso decidir o que fazer nesse caso; por outro lado, não faz muito sentido estar a decidir agora o que fazer numa eventualidade que, pelo exemplo vindo de muito tempo atrás, possivelmente nunca acontecerá. Mas, se acontecer, então - e só então - decide-se o que fazer... Para quê, realmente, estar a antecipar dores futuras que até podem nunca vir a ser sofridas? Se e quando houver essa dor, então trata-se dela...

Esta é, realmente, uma regra deliciosa, não pela sua aparente falta de objeto, mas pela singular demonstração de puro e simples bom senso, que os maçons do século XVIII deixaram à disposição dos vindouros!

E efetivamente, em Inglaterra, quase trezentos anos decorridos sobre esta regra, nunca foi, afinal, preciso criar regra sobre o que fazer na eventualidade de o Grão-Mestre abusar dos seus poderes: tal como antes, continua a nunca ter sucedido essa eventualidade! Realmente eram dores que não valia a pena que fossem sofridas há trezentos anos...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

29 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVIII

Se o Vice-Grão-Mestre estiver doente, ou ausente por necessidade, o Grão-Mestre poderá escolher qualquer Companheiro que lhe aprouver para ser seu Vice-Grão-Mestre pro tempore. Mas quem foi escolhido Vice-Grão-Mestre na Grande Loja, e os Grandes-Vigilantes também, não podem ser demitidos sem o caso ser devidamente apreciado pela Maioria da Grande Loja; e se o Grão-Mestre estiver incompatibilizado com algum, pode levar o caso perante a Grande Loja para esta dar a sua opinião e contributo; em qualquer caso, se a Maioria da Grande Loja não conseguir reconciliar o Grão Mestre, o seu Vice-Grão-Mestre ou seus Vigilantes. deve concordar com a dispensa, pelo Grão Mestre, do seu dito Vice-Grão-Mestre ou de seus ditos Vigilantes e escolher outro Vice-Grão-Mestre imediatamente: a Grande Loja deve escolher, também, outros Vigilantes, sendo esse o caso, para que a paz e a harmonia sejam preservadas.

Esta regra dispunha sobre duas situações diversas: a substituição temporária, por doença ou impedimento, do Vice-Grão-Mestre e o regime de demissão e substituição deste e dos Grandes Vigilantes. Enquanto que a substituição temporária era livremente efetuada, por decisão do Grão-Mestre, a demissão e substituição dependiam de prévio conhecimento e tentativa de conciliação entre o Grão-Mestre e o ou os Grandes Oficiais visados. Falhada esta, dava-se prevalência à vontade do Grão-Mestre e a demissão consumava-se, procedendo a Grande Loja à eleição de novo ou novos titulares do ou dos ofícios.

Esta regra caiu em desuso, porquanto atualmente, na grande maioria, senão a totalidade, das Obediências, nem o ou os Vice-Grão-Mestres, nem os Grandes Vigilantes são eleitos pela Assembleia de Grande Loja, sendo antes designados pelo Grão-Mestre. Como é bom de ver, quem tem o poder de designar tem o poder de demitir e substituir, pelo que a regra atual é a da livre demissão e substituição destes e de todos os Grandes Oficiais que não são eleitos, por vontade e ato do Grão-Mestre, em regra consubstanciado por Decreto do Grão-Mestre.

Na GLLP/GLRP, para além do Grão-Mestre, só o Grande Tesoureiro, o Grande Porta-Gládio e os elementos do Conselho Fiscal são eleitos. Parece evidente a fundamentação desta opção: quanto ao Grão-Mestre, a legitimidade para o exercício dos amplos poderes que lhe são confiados durante o seu mandato só pode advir pela expressão da vontade do universo eleitoral; o Grande Tesoureiro é o responsável pela guarda e administração dos bens fiduciários da Grande Loja, pelo que também só quem beneficie da confiança do universo eleitoral pode ver ser-lhe confiada a gestão e guarda de parte importante do património comum; o Grande Porta-Gládio, que empunha o gládio, a espada da Justiça, é o Presidente do Tribunal de Apelação, o elemento a quem a Fraternidade confia o encargo de dirimir conflitos e aplicar sanções, em suma, a nobre tarefa de aplicar a justiça interna, sendo indispensável que goze da legitimidade advinda da sua eleição e da confiança que todo o universo eleitoral assim nele deposita; finalmente, o Conselho Fiscal, que exerce as funções que legalmente estão cometidas a qualquer Conselho Fiscal de qualquer pessoa coletiva, é eleito por sufrágio universal interno, porque assim a Lei do Estado Português o determina - e, ao contrário do que os mal-intencionados propalam em relação à Maçonaria, esta e as suas organizações cumprem escrupulosamente as leis dos Estados em que se inserem.

Nas origens da Maçonaria especulativa, havia óbvia preocupação de estabelecer um ponto de equilíbrio entre os poderes do Grão-Mestre e os das Lojas e respetiva Assembleia de Grande Loja. A evolução ao longo dos quase trezentos anos subsequentes veio acentuar os poderes executivos do Grão-Mestre, reservando-se para a Assembleia de Grande Loja o poder de eleger e o poder legislativo máximo. Não constitui esta evolução , ao contrário do que, à primeira vista, possa parecer, um reforço dos poderes do Grão-Mestre em face do coletivo. Esta evolução é antes o sedimentar de uma constatação que a sabedoria resultante da aplicação ao longo do tempo evidenciou: a atividade maçónica é, na sua essência, puramente voluntária; assim sendo, o Grão-Mestre apenas exerce os poderes que a confiança daqueles que o escolheram lhe concede, sendo uma evidência que a atuação para além ou contra essa confiança não será seguida pelo universo que dirige; quem porventura o fizer, ilude-se e acabará desiludido: ver-se-á um "general sem soldados"...

Portanto, a globalidade dos maçons de uma Obediência confere amplos poderes àquele que elege Grão-Mestre, no pressuposto de que ele os exercerá em prol do bem comum da Fraternidade e não desmerecendo da confiança que nele é depositada, em tão grande medida quanta a dos enormes poderes que lhe são conferidos. Se, porém, o eleito vier a desmerecer dessa confiança, e não se revelar possível corrigir a situação, basta deixá-lo a falar sozinho até que se esgote o seu mandato...

É claro que pode haver preços a pagar: a delicada situação em que se encontra hoje a Grande Loge Nationale Française é exemplo disso. Mas algo que os maçons aprenderam é que a resolução de todos os problemas passa também por uma dimensão que, muitas vezes, tendemos a esquecer: pelo tempo! Por muitos estragos que uma opção errada faça, o tempo se encarregará de os atenuar, de os enquadrar no imenso deve e haver  cósmico... E se e quando organizações caem é porque estavam já doentes, desequilibradas e porventura será, a longo prazo, melhor que se faça novo do que se tente endireitar o que torto está... Por outro lado, se e quando uma organização treme e verga, mas, pese embora erros cometidos, arrepia caminho, corrige o que tiver a corrigir, segue em frente e reganha a confiança de outrora, então é porque valeu a pena o esforço de corrigir o que estava mal, mais do que recomeçar do zero...

Afinal, as organizações servem - só servem! - para as pessoas e. em maçonaria, antes de tudo e no fim de tudo, só a pessoa interessa. O fim último da Maçonaria é o aperfeiçoamento da pessoa, das pessoas, uma a uma. Quando ocorrem erros, devem ser utilizados para aprendizagem e exemplo, não para se chorar sobre leite derramado...

Por isso, se concluiu que a melhor forma de organização de uma Fraternidade inteiramente baseada na atuação e intervenção voluntária dos seus elementos é a concessão ao seu dirigente máximo de amplos poderes, conjugada com tempo curto de duração de mandato. Quem está de boa fé e é capaz, utiliza os amplos poderes e a total confiança que lhe são delegados em prol da Fraternidade, com uma eficácia (produtividade, está na moda dizer-se agora...) muito superior à que existiria se tivesse os seus poderes mais limitados, necessitando constantemente de autorizações e opiniões e consensos e votações, enfim este mundo, o outro e um par de botas de burocracia. Quem for menos capaz ou utilizar de forma menos correta os poderes que lhe foram delegados... bem, o mandato é curto, o tempo passa depressa e atrás de tempo, tempo vem... Quase quatrocentos anos de evolução dão um certo conforto quanto à sageza desta evolução...


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 140-141.

Rui Bandeira

22 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVII

Nenhum Grão-Mestre, Vice-Grão-Mestre, Grandes Vigilantes. Tesoureiro, Secretário, ou quem os represente, ou em seu lugar estiverem pro tempore, pode ser ao mesmo tempo Mestre ou Vigilante de uma Loja; mas tão logo seja honradamente dispensado de seu cargo, retorna ao seu posto ou posição na sua Loja, da qual foi chamado para a função referida.


Esta regra postula a incompatibilidade entre o exercício dos principais ofícios em Grande Loja e os principais ofícios em Loja. Recorde-se que, em 1723, Mestre era a designação para o ofício que hoje é designado de Venerável Mestre; na ocasião, as Lojas maçónicas ainda tinham apenas dois graus, Companheiros (os correspondentes aos atuais Mestres) e Aprendizes.

Não deixa de ser curioso que uma preocupação que é hoje comum na coisa pública dos países democráticos, a determinação de incompatibilidades entre funções, já tivesse sido prevista e regulada, no início do século XVIII, pelos maçons.

Afigura-se evidente que o propósito da fixação desta incompatibilidade era assegurar a mútua independência das Lojas e da Grande Loja, não permitindo confusão de interesses, por duplicação de funções, legitimidades e representações: o Venerável Mestre e os Vigilantes das Lojas respondem perante elas; os Grandes Oficiais respondem perante o Grão-Mestre e, quando reunida, a Assembleia de Grande Loja.

Não obstante, e sem pretender conhecer a orgânica de todas as Obediências maçónicas ao redor do globo, intuo que, presentemente, esta regra não é seguida, já não é aplicada, não consta, senão de todos, da grande maioria dos regulamentos das Obediências. O crescimento das Obediências, algumas hoje com centenas ou milhares de Lojas, diluiu a necessidade de preservar conflitos por incompatibilidade. Também a curta duração dos mandatos, particularmente nas Lojas (em regra, um ano) impede que haja problemas, ao menos duradouros, com a eventual acumulação de ofícios.

Porém, em minha pessoal opinião, mesmo sem regras formais instituídas, o princípio da não acumulação de ofícios nas Lojas e na Grande Loja (ao menos os ofícios principais) é um princípio saudável, não tanto pela necessidade de prevenir favorecimentos, mas por uma questão de evolução do maçom em si. 

Um maçom efetua um percurso, no qual é suposto procurar obter o seu aperfeiçoamento. Também na sua evolução maçónica isso se deve refletir.

O Aprendiz aprende. O Companheiro aprende e prepara-se. O Mestre começa por executar ocasionalmente ofícios em Loja, depois é designado formalmente para um ofício, depois outro e seguidamente outro, de crescente complexidade e responsabilidade, até exercer o ofício de Vigilante e, depois, de Venerável Mestre. Depois, deve cumprir o seu dever de auxiliar o seu sucessor, no importante ofício de Ex-Venerável Mestre, primeiro conselheiro do líder em exercício. Depois, deve simbolicamente trilhar o seu caminho de regresso à base, à normalidade, ao grupo, à indiferenciação, exercendo o ofício tido como menos exigente, o de Guarda Interno. Finalmente, deve ter presente que o exercício de ofícios, de funções, de "poderes" é sempre transitório e remeter-se discretamente para o seu lugar nas Colunas da Loja, deixando a administração desta para aqueles cujo tempo de a administrar veio depois do seu, mantendo-se à disposição do Venerável Mestre e da Loja para o que preciso for, porventura ocasionalmente exercendo em substituição algum ofício ou auxiliando um Oficial em exercício..

Só depois de efetuado este percurso, de preparação, de exercício de funções, desde a mais humilde à mais importante, depois de "descer de novo a colina" e de resistir à tentação de continuar a decidir, a pôr e dispor, aprendendo que os tempos se sucedem e há tempo para aprender, tempo para mandar, tempo para aconselhar e tempo para se fundir de novo no grupo e estar disponível, sem se intrometer no trabalho dos que ficaram posteriormente com a tarefa de administrar a Loja, o maçom está então - na minha opinião - preparado paraassumir responsabilidades ao nível da Grande Loja.

Assim fiz eu - ficam assim a saber os meus Irmãos mais próximos porque resisti dezoito anos até finalmente me considerar apto a aceitar ter a responsabilidade de um Ofício na Grande Loja... - e não me dei mal com o sistema...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

15 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVI

Os Grandes Vigilantes, ou quaisquer outros, devem primeiro aconselhar-se com o Vice-Grão-Mestre a respeito dos assuntos da Loja ou dos Irmãos, e não devem dirigir-se ao Grão-Mestre sem o conhecimento do Vice-Grão-Mestre, a menos que este recuse pronunciar-se sobre qualquer questão; neste caso, ou em caso de litígio com o Vice-Grão-Mestre, os Grandes Vigilantes, ou outros Irmãos, ambas as partes deverão dirigir-se ao Grão-Mestre para conciliação, o qual poderá decidir sobre a questão harmonizando as diferenças, dada a sua autoridade. 
O Grão-Mestre não receberá qualquer comunicação sobre assuntos relativos à Maçonaria, a não ser através de seu Vice-Grão-Mestre, exceto nos casos que julgue convenientes; se isso acontecer, pode mandar que os Grandes Vigilantes, ou qualquer outro Irmão, se dirijam ao Vice-Grão-Mestre, o qual deverá preparar o assunto devidamente e levá-lo, devidamente organizado, para sua apreciação.

Esta regra estipula um grau de intermediação entre o Grão-Mestre e a restante fraternidade, através do Vice-Grão-Mestre, que é de todo inexistente na Maçonaria atual, à exceção, porventura, da UGLE, e que julgo mesmo nunca ter existido na Maçonaria continental europeia, nem na americana.

A meu ver, resultou da aplicação de uma opção que Anderson e os restantes fundadores da Maçonaria Especulativa tomaram: reservar o Grão_mestre para as funções de alta direção da Fraternidade, definição de programas e estratégia e representação, deixando a administração ordinária da Fraternidade ao Vice-Grão-Mestre. Se bem ajuízo, seria a replicação na Maçonaria da estrutura do poder monárquico inglês: ao rei ficam reservadas as funções de representação, interna e externa, do país e a intervenção em momentos de crise; a administração do país competia ao primeiro-ministro.

Esta estrutura dual do poder de administração parece ser uma fórmula arreigada na tradição do pensamento anglo-saxónico: lembremo-nos que as multinacionais anglo-saxónicas, por regra, efetuam uma semelhante divisão de tarefas, dotando-se de um COB (Chief of the Board, Presidente do Conselho de Administração), com funções de planeamento estratégico e representação, e de um CEO (Chief Executive Officer, Administrador Executivo, que assegura a direção da gestão diária da empresa).

Esta estrutura dual permanece viva na United Grand Lodge of England (Grande Loja Unida de Inglaterra) até aos dias de hoje, favorecendo algo que é muito próprio desta Obediência: a assunção do ofício máximo, o de Grão-Mestre, por um membro da família real ou da alta nobreza britânica. E favoreceu ainda outra caraterística, única no mundo maçónico: a frequente manutenção do mesmo Grão-Mestre por longos períodos de tempo, em contraste com os mandatos de curta duração que se praticam correntemente nas restantes Obediências maçónicas.

Atente-se na lista de Grão-Mestres desde a criação da UGLE, em 1813, em resultado da fusão entre as Grandes Lojas dos Antigos e dos Modernos:  

1813 a 1843 - Príncipe Augusto Frederico, Duque de Sussex, sexto filho do rei George III;
1844 a 1870 - Thomas Dundas, 2.º Conde de Zetland;
1870 a 1874 - George Robinson, 3.º Conde de Grey e 2.º Conde, depois 1.º Marquês, de Ripon;
1874 a 1901 - Alberto Eduardo, Príncipe de Gales, depois Rei Eduardo VII;
1901 a 1939 - Príncipe Artur, Duque de Connaught e Strathearn, sétimo filho (3.º varão) da Rainha Vitória;
1939 a 1942 - Príncipe George, Duque de Kent, quinto filho (4.º varão) de George V, irmão mais novo de Eduardo VII e Jorge VI;
1942 a 1947 - Henry Lascelles, 6.º Conde de Harewood;
1947 a 1950 - Edward Cavendish, 10.º Duque de Devonshire;
1951 a 1967- Laurence Lumley, 11.º Conde de Scarbrough;
Desde 1968 - Príncipe Edward, Duque de Kent, neto de Jorge V, primo direito de Isabel II.

Na Maçonaria continental europeia e americana, a tendência é para a fixação de mandatos relativamente curtos dos Grão-Mestres, com assunção da totalidade dos poderes executivos da Obediência e assessoria de um ou mais Vice-Grão-Mestres, exercendo poderes delegados pelo Grão-Mestre e de substituição deste nas suas ausências ou impedimentos. 

Em todas as Obediências, quer no mundo anglo-saxónico, quer no latino e latino-americano, tem-se notado a crescente importância do Grande Secretário, oficial que assegura a tramitação administrativa e burocrática e coordena os colaboradores profissionais contratados pela Obediência.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.


Rui Bandeira

08 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XV

Na Grande Loja ninguém pode actuar como Vigilante senão os Grandes-Vigilantes, se presentes; se ausentes, o Grão-Mestre, ou quem presidir em seu lugar, poderá nomear Vigilantes "ad-hoc" para exercerem o cargo de Grandes Vigilantes pro tempore, devendo ser Companheiros da mesma Loja chamados para o efeito, ou enviados pelo Mestre; em caso de omissão, então deverão ser chamados pelo Grão-Mestre, para que a Loja sempre esteja completa.


Esta Regra, que eu saiba, não tem correspondência na regulamentação ou na prática atual. Era uma Regra, porventura herdada da Maçonaria Operativa, claramente com interesse para uma organização com um reduzido número de Lojas e em que os ofícios em Grande Loja não eram apenas exercidos a nível individual, mas também em representação da Loja onde se se inseria o obreiro que exercia o ofício.

Daí o cuidado em que o Vigilante que não estivesse presente fosse substituído por um obreiro da sua Loja e que, não estando nenhum presente, fosse chamado a comparecer alguém dessa Loja, "para que a (Grande) Loja sempre esteja completa". 

A Grande Loja só estava, pois, completa, com a presença de representantes de todas as Lojas! E o Vigilante exercia o ofício também em representação da sua Loja, tanto assim que, na sua ausência, não era substituído por outro Mestre presente, antes por um Companheiro da sua Loja.

A propósito desta - hoje peculiar - referência ao Companheiro da Loja a exercer ofício de Grande Oficial, é necessário relembrar que, em 1723, ainda a Maçonaria não utilizava o sistema de três graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre). Então, só havia dois graus, Aprendiz e Companheiro. Mestre não era grau, era ofício: denominava-se Mestre o Companheiro que dirigia a Loja. Só em 1738 foi oficialmente introduzido o 3.º grau. Até então, cada Loja era dirigida por um Mestre, dispunha de vários Companheiros (que estavam aptos a exercer e exerciam os vários ofícios da Loja) e de Aprendizes. Com a introdução do 3.º grau, o grau de Companheiro passou a ser mais um grau de formação, o maçom na plenitude das suas funções passou a ser o Mestre , havendo vários Mestres em cada Loja. Aquele que dirigia a Loja, anteriormente designado por Mestre, passou a ser designado por Venerável Mestre.

Portanto, a referência feita na regra a "Companheiros", atualizada para a estrutura de hoje, que vigora desde 1738, deve entender-se feita a Mestre Maçom; e a referência a "Mestre" corresponde hoje a Venerável Mestre.

Atualmente, o Grão-Mestre, na designação do Quadro de Oficiais da Grande Loja tem, por norma, o cuidado de nomear, além dos Grandes Vigilantes, dois Vices, um para cada, cuja função é a de assegurar a substituição do titular do ofício, na sua falta ou impedimento. Nas raras,mas sempre possíveis, ocasiões em qie quer o Grande Vigilante titular, quer o seu Vice estejam ausentes, então o Grão-Mestre, ou o Vice-Grão-Mestre que dirigirá a sessão designa um Mestre  para exercer ad hoc o ofício, como refere a Regra de 1723.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

02 agosto 2012

Alexis Botkine - O Maçom que veio de longe


Escrever um In Memoriam pela passagem ao Oriente Eterno do Alexis não é fácil. Alexis era o mais velho, o mais antigo, o mais conhecedor de todos nós, e era talvez o mais otimista e alegre de todos

Começou a sua vida maçónica já tarde na idade, mas ainda a tempo de ser maçon há mais de 40 anos! Foi por 1970  que na sua Suíça natal, mas ainda assim terra de acolhimento, porque Alexis era russo e descendente da família do médico do ultimo Tzar, foi iniciado.

O seu labor maçónico de grande importância e relevância para a regularidade portuguesa fica melhor contado, embora em francês, porque na primeira pessoa - aqui. Alexis foi um marco incontornável na obtenção da regularidade maçónica para Portugal.

Alexis tinha muitas facetas, era Engenheiro, Matemático e Músico. Foi Maestro compositor, e era intérprete de violino e balalaika. Teve o seu Grupo de Folclore Russo e poderão ser ouvidas algumas das suas interpretações aqui 

Alexis era membro da RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5, desde 1991, e se nos primeiros anos apenas vinha esporadicamente porque ainda vivia na Suíça, mal se radicou em Lisboa passou a ser dos mais assíduos, assumindo durante tantos anos quantos na verdade quis e pôde o cargo de Mestre da Coluna da Harmonia. E durante esses anos todos, sempre com escolhas de qualidade e apropriadas, lançou os fundamentos daquilo que é hoje o modelo usado para musicar toda e qualquer sessão da Loja.

Há uns anos Alexis recebeu públicas homenagens, quer prestadas pelo Grão-Mestre da altura, ao conferir-lhe em plena sessão de Grande Loja e no dia do seu 83º aniversário, um diploma de mérito maçónico e de Persona Grata à GLLP/GLRP, quer na Loja, ao ser instalado Past Master Honorário, sendo o primeiro (e único até à data) a receber esta honra.

Nos últimos dois anos, incapacitado de conduzir, apareceu um pouco menos, mas nunca esteve ausente. No início de julho chega-nos informação que se encontra muito doente.

O Grande Arquiteto chamou-o no ultimo dia de julho. Alexis, Maçom diligente, ciente que o seu trabalho por aqui estava terminado, foi.

Aqui entre nós fica a saudade, do nosso Irmão Alexis que sempre nos falou em Francês, porque lhe era mais fácil a ele, que veio de longe, para nos ensinar o muito que nos ensinou. E por isso mesmo esta pequena homenagem não ficaria completa se não ficasse dela memória em francês.


Écrire un In Memoriam du au passage à L’Orient Eternel de Alexis n’est pas simple. Alexis était le plus vieux, le plus ancien, le plus savant de nous tous, et peut-être le plus optimiste et joyeux de tous

Sa vie maçonnique commence tard, mais suffisamment tôt pour qu’il puisse être Franc Maçon depuis plus de 40 ans ! Il a été initié en 1970, en Suisse pays de naissance, mais toutefois terre de d’accueil, car Alexis était russe et descendant du médecin du dernier Tzar.

Sa labeur maçonnique a eu grande importance pour la régularité maçonnique portugaise et on pourra mieux la comprendre ici .

Alexis était  Ingénieur, Mathématicien et Musicien. Chef d’orchestre, compositeur, il jouait le violon et la balalaika. Il dirigea un groupe de folklore russe et une partie de ses interprétations musicales peuvent être écoutées ici

Alexis est devenu membre en 1991  de la RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5. Les premières années il venait rarement, car il habitait encore en Suisse, mais aussitôt qu’il vint habiter à Lisbonne il reprit les tenues avec assiduité. Il assuma la Colonne D’Harmonie pour autant d’années quil l’a voulu et put. Toutes ces années´, avec des choix de grande qualité et très adéquat, il lança les fondements du modèle actuellement utilisé pour la musique de Loge.

Il y a quelques années Alexis a reçu des hommages publics. En tenue de Grande Loge et le jour de son 83ème anniversaire, le Grand Maitre lui remet un diplôme de Mérite Maçonnique et de Persona Grata à la Grande Loge Legal du Portugal / GLRP.
En Loge il fut installé Passé Vénérable d’Honneur, étant le premier ( et le seul jusqu´`a ce jour) a recevoir la distinction.

Les derniers deux ans, incapable de conduire il apparait un peu moins en Loge, mais il n’est pas absent. Début juillet l’information qu’il est très malade nous arrive.

Le Grand Architecte l’appela le dernier jour de juillet. Alexis, Franc Maçon diligent, sachant que son travail ici était terminé, est parti.

Pour nous la “ saudade” de notre frère Alexis qui nous a toujours parlé en français car c’était plus facile pour lui, qui vint de loin, nous apprendre tout ce qu’il nous a enseigné.

José Ruah

01 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIV

Em qualquer Grande Loja, ordinária ou extraordinária, Trimestral ou Anual, se o Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre estiverem, ambos, ausentes, então o mais antigo Mestre de uma Loja presente, deverá ocupar a cadeira, e presidir como Grão-Mestre pro tempore, para o que deverá ser, no momento, investido de todo poder e honra; exceto se estiver presente um Irmão que tenha sido anteriormente Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre, caso em que o último Grão-Mestre presente, ou o último Vice-Grão-Mestre presente, deverá sempre tomar o lugar na ausência do actual Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre.

Esta Regra respeita à substituição do Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre, na eventualidade da ausência de ambos de uma Assembleia de Grande Loja.

É obviamente uma situação extremamente rara nos dias de hoje. As Assembleias de Grande Loja são marcada com antecedência - e, aliás, tem-se, com pouca margem de erro, a noção de quando elas se realizarão. Por exemplo, na GLLP/GLRP têm lugar sempre no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício, em regra ao sábado. O que varia, com frequência, é a localidade da sua realização, pois procura-se, sempre que possível e aconselhável, que se organizem Assembleias de Grande Loja nas várias regiões do país. Mesmo Assembleias extraordinárias são marcadas com antecedência mais do que suficiente para que todos os que nelas devam comparecer reservem nas suas agendas a altura da sua realização, para nelas poderem comparecer. Portanto, nos tempos presentes, praticamente só em caso de cataclismo ou grande perturbação interna propiciará uma situação de realização de uma assembleia de Grande Loja, sem a presença do Grão-Mestre e dos seus Vice-Grão-Mestres (na GLLP/GLRP, presentemente, estão dois Vice-Grão-Mestres em funções).

No século XVIII, com a Fraternidade menos desenvolvida e com evidentes maiores dificuldades nas comunicações e viagens, era mais possível - embora sempre na escala da raridade -  a ocorrência de uma eventualidade dessas.

Seja como seja, o interessante desta Regra é que institui um princípio que, quer ao nível da Grande Loja, quer ao nível das Lojas, ainda hoje é tendencialmente o princípio utilizado, sempre que ocorra sessão em que o Grão-Mestre ou o Venerável Mestre não possam comparecer. Ao nível da Grande Loja, precisamente como se enuncia. Ao nível das Lojas, na impossibilidade do Venerável Mestre, a sessão de Loja é convocada pelo 1.º Vigilante e, na impossibilidade deste, pelo 2.º Vigilante; na ausência do Venerável Mestre, a sessão é dirigida por um Antigo venerável Mestre, o mais recente dos presentes (em primeiro lugar, o Ex-Venerável Mestre, em segundo lugar o Venerável Mestre de há dois anos, e assim sucessivamente).

Na Loja Mestre Affonso Domingues, nas raras vezes em que o Venerável Mestre em funções não pôde dirigir a sessão, nos últimos tempos e consensualmente tem-se optado por outra solução, que tem sido sempre bastante satisfatória: na ausência do Venerável Mestre e do ex-Venerável Mestre, dirige a sessão o José Ruah! Funciona bem e não há hesitações nem incómodos, para quê mudar? É claro que a Mestre Affonso Domingues tem uma cultura muito própria de aplicação de soluções consensuais e eficazes, em resultado de uma já longa aprendizagem da forma de funcionar sem conflitos, em tolerância e deixando de lado o acessório em prol do essencial...

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.


Rui Bandeira

25 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIII

Na Reunião Trimestral todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão, serão serena, tranquila e maduramente discutidos e decididos. Só aqui os Aprendizes deverão ser elevados a Mestre e Companheiros, exceto se tal for dispensado. É aqui também, que todas as diferenças, que não possam ser conciliadas e resolvidas particularmente ou pela respetiva Loja, deverão ser consideradas e resolvidas; e se algum Irmão se sentir lesado pela decisão aqui tomada, pode apelar para a Reunião Anual seguinte da Grande Loja, fazendo o seu apelo por escrito, ao Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou Grandes-Vigilantes. 
Os Mestres ou Vigilantes de cada Loja deverão trazer ou organizar uma lista dos membros iniciados ou admitidos na mesma Loja desde a última Reunião da Grande Loja; deverá haver um livro, mantido pelo Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou por algum Irmão nomeado pela Grande Loja como Secretário, onde todas as Lojas deverão ser registadas, com as respetivas data e local onde foi criada, e os nomes de todos os membros de cada Lojas. Também aí serão anotadas todas as decisões da Grande Loja, suscetíveis de registo. 
Deve também decidir qual o mais prudente e melhor método de arrecadar e dispor do dinheiro recebido, ou depositado, destinado à caridade e auxílio para algum Irmão que tenha caído na pobreza ou penúria, e para ninguém mais. Cada Loja deve dispor dos seus fundos destinados a caridade, para auxílio a algum Irmão pobre, de acordo com o seu próprio regimento interno. Até que todas as Lojas estejam de acordo sobre um novo método (com uma nova regulamentação) de como fazer chegar esses fundos arrecadados pelas Lojas à Grande Loja, para que numa Reunião Trimestral ou Anual, se decida como criar um fundo comum para melhor auxílio dos Irmãos pobres. 
Deve também nomear um Tesoureiro, um Irmão de confiança, que deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do cargo, e que deverá estar sempre presente, e que poderá levar para a Grande Loja o que entender, especialmente o relacionado com seu cargo. Deve ser-lhe entregue todo o dinheiro destinado a caridade, ou para qualquer outro uso da Grande Loja, e que ele deverá registar num livro mencionando os fins e usos a que cada montante se destina. Os quais entregará mediante uma ordem assinada, nos termos em que a Grande Loja acordar, estabelecendo uma nova Regra. 
O tesoureiro não pode votar para a escolha do Grão Mestre ou Vigilantes, embora o possa fazer em qualquer outro assunto. 
De igual modo o Secretário deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do seu cargo, podendo votar em qualquer situação, exceto na escolha do Grão Mestre ou Vigilantes. 
O Tesoureiro e o Secretario terão cada, um assistente, que deverá ser um Irmão ou Companheiro, mas nunca um membro da Grande Loja, não podendo falar sem lhes ser permitido ou pedido. 
O Grão Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, supervisionam o Tesoureiro e o Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos os assuntos, e decidir o que deverá ser feito em qualquer emergência. 
Outro Irmão, que deve ser um Companheiro, deverá ser nomeado guarda da entrada da Grande Loja, mas não deverá ser membro desta. 
Estas funções deverão ser mais tarde explicitadas através de uma nova Regra, quando a necessidade e a conveniência as tornarem mais prementes para a Fraternidade. 

Esta extensa Regra XIII regula as competências da Assembleia de Grande Loja. Denota um estado organizativo ainda incipiente, decalcado das práticas e formas organizativas herdadas da Maçonaria Operativa. 

De qualquer forma, embora a evolução do tempo e o crescimento da Fraternidade tenham imposto alterações significativas,, nesta Regra se encontram as sementes de muito do que existe e hoje se pratica.

Naquela época pioneira, com vinte Lojas agrupadas na Grande Loja de Londres e Westminter, concebia-se que nas Assembleias de Grande Loja se discutissem "todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão". Hoje, mesmo numa relativamente pequena Obediência, como a GLLP/GLRP, com perto de cem Lojas, seria manifestamente impossível discutir "serena, tranquila e maduramente" - e, sobretudo, eficientemente - todas os possíveis assuntos diários da Grande Loja, das Lojas e dos obreiros, abarcando do geral ao particular, passando pelo intermédio, toda uma vasta gama de possibilidades, interesses, propostas e situações, a menos que cada Assembleia fosse uma maratona de, pelo menos, uma semana de duração - sem intervalos! O que, convenhamos, impediria a análise serena, tranquila e madura de tudo o que ultrapassasse a normal duração de umas horas de uma assembleia... Imagine-se então como seria nas Grandes Lojas com centenas ou milhares de Lojas e dezenas ou centenas de milhar de obreiros...

Hoje, os assuntos individuais e de Loja resolvem-se em Loja. Quando surjam problemas que não possam ser resolvidos, atenuados ou tratados a esse nível, são transmitidos ao Grande Oficial competente para lidar com esse assunto em concreto. Os conflitos que surjam são regulados em Loja, com recurso para o Tribunal de Apelação. As Assembleias de Grande Loja são reservadas para o debate e deliberação das questões que transversalmente respeitem a toda a Obediência, incluindo, naturalmente, a eleição do Grão-Mestre, do Grande Tesoureiro e demais Grandes Oficiais que devam ser eleitos e a posse de todos os Grandes Oficiais.

E evidentemente que hoje já não se leva para a Assembleia de Grande Loja a lista dos obreiros que, desde a última Assembleia, foram iniciados, passados e elevados, por evidente inutilidade de tal. Estes dados são oportunamente comunicados pelo Secretário da Loja à Grande Secretaria (hoje funcionando com o auxílio de profissionais a tempo inteiro) e devidamente registados e atualizados os arquivos e listagens existentes.

Nesta Regra refere-se expressamente o ofício de Hospitaleiro (e de Grande Hospitaleiro), o oficial encarregado de coordenar a atividade beneficente da Loja e da Grande Loja. Mas note-se que os fundos para beneficência naquela época se destinavam exclusivamente a obreiros "que tenham caído na pobreza ou na penúria, e para ninguém mais". Os fundos não chegariam para mais, então... Progressivamente a atividade beneficente da Maçonaria alargou-se às viúvas e filhos de maçons e a obras sociais ou de assistência que os maçons considerem dever apoiar ou fomentar.

Naquela época, o Tesoureiro não era, como hoje na GLLP/GLRP, eleito, mas nomeado, embora pela Assembleia. Há uma diferença entre eleição, que pressupõe candidaturas e votação, e nomeação, que pressupõe proposta e aceitação, por deliberação, eventualmente com recurso a votação.

Assinale-se, por outro lado, que, na época, os Grande Vigilantes eram eleitos, eram representantes das Lojas, enquanto que hoje são nomeados pelo Grão-Mestre.

Não subsiste o impedimento de o Grande Tesoureiro e o Grande Secretário votarem para a eleição do Grão-Mestre, até porque hoje, designadamente na GLLP/GLRP, a eleição para Grão-Mestre é efetuada pelo universo de todos os Mestres em good standing, segundo o universal princípio democrático de"um homem, um voto".

Por outro lado, permanece - e bem - a regra de que todos os fundos, quer os administrativos, quer os destinados a beneficência, ficarem à guarda do Tesoureiro, embora, naturalmente, deva ser feita a destrinça entre uns e outros. Ao Hospitaleiro e ao Grande Hospitaleiro compete a aplicação prudente e criteriosa dos fundos disponíveis para beneficência, não a sua guarda.

Esta Regra institui ainda o conceito de Assistentes de Grandes Oficiais, na época em relação apenas ao Grande Secretário e ao Grande Tesoureiro, hoje aplicada em relação a todos os Grandes Oficiais cujas responsabilidades aconselham sejam auxiliados por um ou mais Assistentes.

O Guarda Externo - ofício existente nos ritos ingleses e deles derivados (e não existente, por exemplo, no Rito Escocês Antigo e Aceite, que dispõe de Guarda Interno, isto é, no interior da sala de reuniões e, assim, participando na integralidade de todas as reuniões) - era então efetuado por um Companheiro, isto é, o que hoje corresponde a um Mestre da Loja, mas não o seu  Venerável Mestre. Hoje, os ofícios de Guarda Externo e de Guarda Interno são normalmente assegurados por Mestres - e, em regra, no REAA, por Mestres experientes, já que, tradicionalmente, e sempre que possível, o Guarda Interno é o Past Venerável Mestre do ano anterior (portanto o Venerável Mestre de dois anos antes), em simbólica transição dos ofícios mais complexos para o ofício mais humilde e menos exigente, demonstrativa de que, para qualquer maçom, incluindo os que exerceram ofícios de maior responsabilidade, nenhum ofício, nenhuma tarefa, é considerada menor.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 138- 139.


Rui Bandeira

18 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII

A Grande Loja consiste, e é formada, por Mestres e Vigilantes de todas as lojas registadas, com o Grão-Mestre presidindo, o seu Vice-Grão-Mestre à sua esquerda, e os Grandes Vigilantes nos seus respetivos lugares e deverá fazer uma Reunião Trimestral pela Festa de São Miguel, Natal e Dia de Nossa Senhora, em lugar escolhido pelo Grão-Mestre; onde nenhum Irmão, que não seja nesse momento membro dessa Loja, deverá estar presente, exceto se tiver autorização; e, neste caso, se estiver presente não lhe será permitido votar, nem emitir opinião, exceto se pedir permissão e esta lhe for concedida pela Grande Loja, ou que esta lhe seja pedida pela (Grande) Loja. Todas as decisões, da Grande Loja, deverão ser tomadas pela maioria dos votos, cada membro tendo um voto, e o Grão-Mestre dois votos. Exceto se a (Grande) Loja delegar no Grão-Mestre determinada matéria em particular, por uma questão de eficiência.

Esta regra determina os requisitos e forma de organização das sessões de Grande Loja. Com evidentemente necessárias alterações (na época, a Grande Loja dos Modernos agrupava vinte Lojas; hoje, a GLLP/GLRP, uma pequena Obediência de um pequeno país agrupa mais de noventa e a Grande Loja Unida de Inglaterra conta nos seus registos com vários milhares de Lojas), estipula os princípios que ainda hoje são seguidos nas Grandes Lojas maçónicas de todo o Mundo, enquadrando as variantes que os costumes locais foram propiciando.

A Grande Loja é assim uma assembleia de representantes das Lojas, como que o Parlamento da Obediência, com o poder decisório, designadamente legislativo (regulamentar) e eletivo, soberano na respetiva organização maçónica. A forma e número de representantes das Lojas variam, hoje em dia, de Obediência para Obediência. No caso da GLLP/GLRP, as Lojas que tenham nos seus quadros até quinze Mestres efetivos em situação regular (as Lojas mais pequenas ou em fase de lançamento) têm direito a um representante na Assembleia de Grande Loja, em regra o seu Venerável Mestre; as Lojas com mais de quinze e até vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a dois representantes, habitualmente os seus Venerável Mestre e Primeiro Vigilante; as Lojas com mais de vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a três representantes, normalmente os seus Venerável Mestre e os dois Vigilantes.

Sempre que haja impedimento de um dos normais representantes da Loja, pode qualquer dos seus representantes normais ser substituído por qualquer dos Mestres da Loja em situação regular, mediante delegação do seu Venerável Mestre, ouvida a Loja, comunicada à Grande Secretaria por escrito com, pelo menos, vinte e quatro horas de antecedência, em relação ao início da Assembleia de Grande Loja.

As reuniões, ou sessões, da Assembleia de Grande Loja têm lugar trimestralmente, em março, junho, setembro e dezembro, normalmente no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício que ocorre em cada um desses meses. Na Regra original mencionam-se as três reuniões trimestrais, por volta da Festa de S. Miguel (equinócio de outono, no hemisfério norte), Natal (solstício de inverno no dito hemisfério) e, na Inglaterra da época, dia de Nossa Senhora (equinócio da primavera, na metade norte do globo terrestre). No trimestre restante, por volta do dia de S. João Batista (solstício de verão na parte norte do planeta), decorre a mais importante ou festiva Assembleia, originalmente a Assembleia Anual.

As assembleias de Grande Loja destinam-se aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais com assento nelas. No rigor regulamentar, só excecionalmente podem assistir outros obreiros. Mas a exceção é, na prática, a regra: na GLLP/GLRP, todos os obreiros da Obediência (Mestres, Companheiros e Aprendizes) que queiram e possam podem tomar parte nos trabalhos e é fomentado que assim suceda. O cerimonial do Ritual de Grande Loja, a reunião e convivência de obreiros de todo o País são fatores de entrosamento dos mais novos e de agradável reencontro dos mais antigos, que amplamente compensam os custos adicionais de se ter de providenciar salas de reuniões aptas a acomodarem várias centenas de obreiros! Evidentemente que o direito de uso da palavra é restrito aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais e o direito de voto exercido apenas pelos representantes das Lojas...

Naturalmente que as deliberações são formadas em função da maioria dos votos expressos em relação a cada assunto sujeito a deliberação - algo que hoje temos por natural, vulgar e intuitivo, mas que não era tanto assim no século XVIII...

A Assembleia de Grande Loja, para além de órgão decisor soberano de uma Obediência maçónica, é assim um periódico pretexto para o convívio dos maçons de todo o país da respetiva Obediência, fator de coesão importante entre os maçons. No rever periódico de Irmãos que muitas vezes só nessas ocasiões se encontram se forjam os laços de amizade e solidariedade que são caraterísticos dos maçons - e que os profanos tanto criticam, sem outra razão plausível que não a inveja pela sua incapacidade de lograrem tão amplamente a geração de tão fortes laços. Assim se consegue que um maçom nunca esteja só em qualquer parte do mundo onde haja outro maçom: sobrevindo necessidade ou simplesmente em honra da cortesia, hospitalidade ou simples convívio, onde quer que esteja tem o apoio, a palavra amiga, se necessário o auxílio, de outro Irmão - por vezes ambos não se conhecendo ou apenas se conhecendo de vista... de alguma Assembleia de Grande Loja!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.


Rui Bandeira